terça-feira, 9 de março de 2010

Thomas Merton - Sobre Esperança

UM POUCO DE THOMAS MERTON (1915-1968)

Sobre esperar em Deus, experimentar a misericórdia de Deus e amar a Deus.

SENTENÇAS SOBRE A ESPERANÇA

Não somos perfeitamente livres enquanto não vivemos de pura esperança. Pois, quando é pura nossa esperança, ela não mais confia em meios humanos e visíveis, nem repousa em qualquer fim visível. Quem espera em Deus, acredita que Deus, que ele jamais vê, o conduza à posse de bens que ultrapassam toda a fantasia.

Esperança sobrenatural é a virtude que nos despoja de tudo a fim de nos dar tudo. Ninguém espera por aquilo que já tem. Por conseguinte, viver de esperança é viver em pobreza, sem nada. E, no entanto, se nos entregamos à economia da Providência, nada do que esperamos nos faltará.
A esperança é proporcional ao desprendimento. Ele introduz a nossa alma no estado do mais perfeito despojamento. É graças a isto que ela restaura todos os valores, dispondo-os no seu justo lugar. A esperança esvazia-nos as mãos, para que possamos trabalhar com elas. Mostra-nos que temos razão de agir, e ensina-nos a fazê-lo.

Sem esperança nossa fé só dá distantes relações com Deus. Sem o amor e a esperança, a fé só O conhece como a um estranho. Pois é a esperança que nos joga nos braços da sua misericórdia e da sua providência. Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos nas nossas vidas a sua misericórdia.

Se, em vez de confiar em Deus, eu confio apenas na minha inteligência, nas minhas forças, e na minha prudência, os meios que Deus me deu para achar caminho até Ele hão de falhar sem exceção. Sem a esperança, não há nada, na criação, que preste para algo de fundamental. Colocar a nossa esperança em coisas visíveis, é viver no desespero.

Podemos amar a Deus de dois modos: ou porque esperamos dEle alguma coisa, ou porque nEle esperamos, sabendo que nos ama. Às vezes começamos com a primeira maneira de esperar, e progredimos para a segunda. Neste caso, a esperança e a caridade estão intimamente unidas, e ambas repousam em Deus.

Em vez de esperar no Senhor por causa do seu amor, coloquemos toda nossa esperança nesse amor mesmo. Uma esperança assim é tão segura como o próprio Deus. Não pode ser jamais confundida. Ela é mais do que uma promessa de realização. Ela já é um efeito do amor mesmo pelo qual ela espera. Se busca a caridade, é porque já a achou. E se busca a Deus, é sabendo que já foi encontrada por Ele. Viaja para o céu, sentindo obscuramente que já ali aportou.

Todos os desejos podem falhar, menos um. O único desejo que é infalivelmente cumprido, é o de ser amado por Deus. Não podemos querer Deus eficazmente, sem ao mesmo tempo desejar amá-lO, e o desejo de amá-lO é um desejo que não pode malograr. Simplesmente por desejar amá-lO, já estamos começando a fazer aquilo que desejamos. A nossa liberdade é perfeita quando nenhum outro desejo pode impedir-nos de amar a Deus.

Mas, se amamos a Deus por qualquer outra coisa que Ele mesmo, acalentamos um desejo que pode enganar-nos. Corremos o risco de odiá-lO no caso de não alcançarmos aquilo que esperamos.

Só é legítimo amar todas as coisas e ir ao seu encalço, quando elas se convertem em meios de amar a Deus. Não há nada que não possamos pedir-Lhe, se é para que Deus seja ainda mais amado por nós ou por outros homens.

Seria um pecado limitar nossa esperança em Deus. A Deus, devemos amar sem medida. Todo pecado tem raízes na carência de amor. Todo pecado consiste em retirar de Deus o amor, e aplicá-lo a outra coisa. O pecado limita a nossa esperança e aprisiona o amor. Se colocamos o nosso fim último em qualquer criatura, retiramos inteiramente do serviço do Deus vivo os nossos corações. Se, de outro lado, continuamos a amá-lO como a nosso fim, mas sem que Ele seja a nossa única esperança, o nosso amor e a nossa esperança deixam de ser o que deviam ser, pois nenhum homem pode servir a dois senhores.

A fé que me diz que Deus quer ver salvos todos os homens, deve ser completada pela esperança de que Deus me quer salvar e pelo amor que corresponde ao desejo, e sela com a convicção a minha esperança. Assim, a esperança oferece a cada alma a substância de toda a teologia. Pela esperança, todas as verdades que são apresentadas a todos numa forma impessoal e abstrata, tonam-se para mim convicção pessoal e interior. O que eu creio pela fé, o que eu compreendo pela teologia, eu o possuo e faço meu pela esperança. A esperança é o limiar da contemplação, porque a contemplação é uma experiência das coisas divinas, e nós não podemos experimentar o que não possuímos de algum modo. Pela esperança nós tocamos na substância daquilo que cremos; pela esperança já possuímos a essência das promessas do amor divino.

De "Homem Algum é uma Ilha", ed. Agir, 1957.


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