quarta-feira, 31 de março de 2010

Páscoa


PÁSCOA
o convite da graça

("Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite." Is 55:1)

Vinde! Vinde! Venham todos – é de graça.
alma sedenta, faminta, desgarrada
alma dorida, banida, exilada
Deus-menino nasceu

Vinde! Vinde! Venham todos – é de graça.
o Deus-menino cresceu e ofereceu ao mundo
salvação – dom gratuito de Deus
espalhou cura, misericórdia e perdão
amor igual nunca visto, nem encontrado depois
Deus-homem viveu

Vinde! Vinde! Venham todos – é de graça.
o Deus-homem sofreu, enfermou, sangrou
de Deus o cálice bebeu, exalou Sua mirra
ofertou ao mundo o melhor de Seu ser
o Sangue da redenção, o Espírito de Vida
Deus-homem morreu

Vinde! Vinde! Venham todos. Sim, venham todos – é de graça!
a morte não O deteve – seus grilhões já rompeu
plano eterno selado, consumado
- Jesus ressuscitou -
voltou para o Pai
virá nos buscar

Vinde! Vinde! Venham todos – é tempo de graça.

Tatiana Sabóia

terça-feira, 30 de março de 2010

Conhecer Deus na Meditação


"Na meditação, não procuramos conhecer coisas a respeito de Deus, como se fora Ele um objeto como outros objetos que se submetem ao nosso exame e podem ser expressos em claras idéias científicas. Procuramos conhecer o próprio Deus ultrapassando o nível de todos os objetos que Ele criou e que nos confrontam como "coisas", isoladas umas das outras, "definidas", "delimitadas" com fronteiras bem marcadas. O Deus infinito não tem limites e nossas mentes não podem impor limites a Ele nem a seu amor. Sua presença é, então, "apreendida" na percepção geral da fé amorosa, é "conscientizada" sem ser conhecida cientificamente com precisão, como conhecemos um espécime sob um microscópio. Não podemos verificar a presença de Deus como verificaríamos uma experiência de laboratório. Entretanto, podemos ter percepção da presença de Deus de maneira espiritual, contanto que não procuremos insistir em verificá-la. Logo que tentamos verificar a presença espiritual como um objeto de conhecimento exato, Deus nos escapa."

Thomas Merton, em "Poesia e Contemplação", Agir, 1972.

Aniversário do Tio Horácio

Aos caros sobrinhos Fernando e Tatiana e a toda a família Sabóia Vieira, agradecendo as mensagens de aniversário,que harmonizaram a beleza da poesia do Fernando com a melodia da flauta da Tatiana e me trouxeram de volta as palavras fluentes do meu irmão Fernando Dídimo e os sonoros acordes do seu piano.
Horácio Dídimo

.
REVELAÇÃO
Cf. Salmo 23/22


Quando vejo a estrela azul
Brilhando por um instante
Descanso em águas tranquilas
E em pastagens verdejantes.

Minha alma se fortalece,
Minha vida se transforma,
Uma mesa é preparada
E meu cálice transborda.

Quando vejo a estrela azul
Em todo seu esplendor
Sei que tudo vai mudar,

Sei que tudo já mudou,
Que o Senhor é meu pastor
E nada me faltará.


Horácio Dídimo
A Estrela Azul e o Almofariz

segunda-feira, 29 de março de 2010

Conhecer Deus

Teologia do invisível


"He may well be loved,
but not thought"


Anonymous, "The Cloud of Unknowing"


Deus é meu encontro no fim de tudo
O oceano dos meus rios sinuosos
O céu dos meus vôos incertos
O destino dos meus passos errantes
A manhã das minhas noites febris

Deus é o dono
Do altar vazio das minhas perguntas
Sem respostas
Onde ofereço o sacrifício silencioso
Das minhas perplexidades

Não consigo discerni-lo
No denso nevoeiro de minha ignorância
Não posso vê-lo, ofuscado pelo resplendor
Da sua glória

Mas Ele permite que o amando
Eu o conheça
Na clareza do seu próprio amor
No reflexo da sua glória

Fernando Sabóia Vieira, de "Invisibilidade".

quarta-feira, 24 de março de 2010

Aniversário do Tio Horácio

Fernando,

Estendo a tua homenagem ao tio Horácio Dídimo, colocando o poema Banco de Jardim ao lado de uma foto, no Flikr.
http://www.flickr.com/photos/savillez/4271993590/in/set-72157621912703214/
Vocês todos tem nos inspirado e influenciado nossas vidas com carinho, amor e poesia. Obrigado.

Forte abraço,.... sérgio de avillez ...

"E não vos conformei com este século, mas transformai-vos… (Rm 12.2).

terça-feira, 23 de março de 2010

Aniversário do Tio Horácio

Querido Tio,

Eu e minha família endossamos a linda homenagem que o Fernando presta ao senhor, neste dia.
De fato, a doçura do seu caráter, a sensibilidade e a fé sempre me chamaram a atenção, desde a infância. Queria muito dizer que a distância nunca impediu que eu crescesse nutrindo um grande amor e admiração pelo senhor, sentimentos que só aumentaram com a ausência do meu pai. Até hoje recito, cheia de felicidade, o poema "A Flauta", grata a Deus porque nunca faltaram "a festa de sol e a chuva" sobre os "caminhos verdes da verdade".

Neste dia dou graças a Deus pela sua vida e somo minha prece a tantas outras, para que Aquele que é o autor da vida, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o abençõe com excelentes dádivas divinas.

Um afetuoso abraço,

De sua sobrinha,

Tatiana

Aniversário do tio Horácio Dídimo

Homenagem ao tio Horácio Dídimo
(Fernando Sabóia Vieira)

Cresci lendo a poesia do meu tio Horácio. Os versos simples na forma permitiam que, mesmo criança, lesse e gostasse, embora, certamente, naquele tempo, não pudesse alcançar a profundidade da sabedoria e o refinamento do humor que expressam. Mas me encantavam. Podia sentir a beleza dos sonhos que os inspiravam, algo de dor e de alegria sempre misturadas com um toque de leveza, de graça.
Hoje, quando me aproximo dos 50 anos de idade, leio suas histórias infantis, ápice, penso, da evolução de qualquer escritor ou poeta: escrever para crianças e ser lido por pessoas "maduras".
No dia em que ele completa 75 anos de idade, minha homenagem ao tio Horácio, a quem dedico o amor e a admiração que me sobram no coração desde o falecimento de meu pai.

tempo de barro
para Horácio Dídimo

o tempo é barro nas mãos do Oleiro
que faz novas todas as coisas
e nos dá hoje o dom de continuar
recomeçando
como a chuva que tudo renasce
e nos concede a graça
de ainda dizer palavras
que são companheiras nas ausências
e que fazem estrelas azuis brilharem
nos céus da poesia
pela primeira vez, mais uma vez

Tio, que Jesus lhe conceda ainda muitas palavras para que novas estrelas venham a brilhar nesses céus cada dia mais opacos de nossa humanidade que caminha rapidamente para a última noite.
Que a graça de Jesus seja com todos.

Brasília, em 23 de março de 2010.

Fernando Sabóia Vieira, com o carinho e admiração de Sandra, Gustavo e Luís Fernando, todos seus leitores.

Um pouco do tio Horácio

a chuva

vou recomeçar
como se fosse uma continuação
como se eu houvesse persistido toda a minha vida

esta tarde nublada não me mete medo
eu aceito
podem dizer a todo mundo que eu aceito

não é preciso subir nem descer
basta que eu fique aqui mesmo neste momento
aqui
agora
olhando através das vidraças
a água que começa a correr

o banco do jardim

ela foi embora
mas as palavras que ela disse ficaram
e conversaram muito tempo ainda

Horácio Dídimo, de "Tempo de Chuva".

ainda é tempo

ainda é tempo de se dizer alguma coisa
ou ao menos silenciar
significativamente
ainda é tempo de se chorar alguma lágrima
ou ao menos olhar
perdidamente
no espaço curvo de teus olhos
vitrais
catedral de inúmeras esperanças

o anãozinho

tanto fez
tanto fez
que uma estrela azul brilhou no céu
pela primeira vez

Horácio Dídimo, de "Tijolo de Barro"

sexta-feira, 19 de março de 2010

Versos de Corisco

Rio de Ondas, Barreiras-BA



O rio


Sonho com meu rio
Forte, claro e eloqüente

Me vejo lá
Envolvido por ele
Unido a ele
Abraçado a suas ondas
Frescas

Depois me deixo levar
Deslizando em suas curvas
Depois brinco de enfrentá-lo
Nadando contra suas águas
Depois mergulho à procura
De seus segredos

Uma pedra no meio do rio
Minha ilha, um mundo todo de sonhar
O rio na frente, minha vida por acontecer
O rio atrás, o mistério dos começos de tudo

Foi lá que aprendi a pensar
A perguntar
A admirar
A deixar o infinito tomar conta de mim


Fernando Sabóia, de "Com o Nordeste na Alma - Versos de Corisco"

Perdão


a solidão, a esperança e o perdão



solidão
- ave de rapina

esperança
- flor de ravina

perdão
- luz divina



Fernando Sabóia, de "Veredas no Deserto", 1995.


quinta-feira, 18 de março de 2010

Perdão


POR QUE É TÃO DIFICIL PERDOAR?

Irmãos queridos,

"Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós..."

Por que é tão difícil perdoar?

Creio que é difícil perdoar quando não reconhecemos a malignidade de nosso próprio pecado e o quanto Deus nos perdoou e perdoa. Quando temos consciência do quanto dependemos da graça e da misericórdia de Deus a cada dia somos compelidos a agir em relação aos outros também com misericórdia e graça. Falhamos quando pretendemos perdoar olhando para o outro, buscando encontrar nele motivo para o perdão (arrependimento, castigo, vingança, compensação etc.) e falhamos igualmente quando buscamos em nós mesmos fundamento, sentimento ou virtude que nos leve a perdoar. Perdoamos olhando exclusivamente para Jesus crucificado, fonte de todo perdão e graça.

Depois, é difícil perdoar porque perdoar significa desistir da vingança, de fazer justiça, de reivindicar nossos direitos pessoais e passar a orar pelo ofensor e a abençoá-lo.

Perdoar é difícil porque é renunciar a todo julgamento sobre a vida do outro, é calar a boca da maledicência que tanto satisfaz nosso ego e entregar o ofensor inteiramente à justiça e misericórdia de Deus.

Perdoar é difícil ainda porque é libertar o outro das cadeias da culpa e nós queremos manter os que nos ofendem como nossos devedores e assim exercer controle sobre eles. Ironicamente, não percebemos que quando não perdoamos nós é que nos fazemos prisioneiros da amargura e do ressentimento, abrigando um câncer que pode contaminar toda nossa vida.

Perdoar também é difícil porque é negar-se a si mesmo, sair do centro da própria vida e permitir que a vontade do Senhor prevaleça sobre nossos direitos, imagem e amor próprio.

Finalmente, perdoar é difícil porque implica atos concretos de amor, não apenas palavras ou sentimentos. O perdão deve ser irrevogável e devolver a pessoa à posição que ela tinha antes em nossa vida.

O perdão é mandamento e é graça. É mandamento para que não dependa do nosso enganoso e corrupto coração. E é graça porque por ele temos garantido acesso à presença de Deus e a Sua misericórdia. É mandamento porque sem perdão não há relacionamento possível entre os homens, não há igreja, não há família de Deus. É graça porque é cura e libertação, porque nos insere no corpo e na família de Deus.

Jesus não poderia ter sido mais enfático: "se não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas". Todavia, igualmente, "felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia".
.
Fernando Sabóia Vieira

quarta-feira, 17 de março de 2010

Chamado

chamado em Emaús


quando tu, Senhor, me falaste
eu quis te ouvir
aquecer o coração
com tuas palavras ao entardecer

então tu me chamaste
e eu quis te seguir
ver onde moras
pisar tuas pegadas
enxergar o que vês

hoje, Senhor, tocaste-me
e eu me apaixonei por ti
só te peço que tu faças
teu amor em mim bastante
para te honrar nas afrontas
para te proclamar nas perseguições
para me iluminar
nas trevas que logo me cercarão


Fernando Sabóia

terça-feira, 16 de março de 2010

Meditação e Contemplação

MEDITAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO
Algumas Noções Preliminares

(Fernando Sabóia, BsB/DF)
Caros,

No retiro de fevereiro deste ano fizemos alguns exercícios devocionais que envolviam orar, meditar e contemplar.
Registro aqui idéias iniciais sobre meditação e contemplação que serviram de base para esses exercícios. Aos que se interessarem, posso indicar algumas leituras de onde extrai esses conceitos.

MEDITAÇÃO

Meditar é, simplesmente, dirigir o pensamento de forma pausada e ponderada, considerar com calma e atenção, lembrar, comparar, associar, pesar, aplicar conceitos e idéias sobre um determinado objeto.
Nossos pensamentos podem ser controlados e disciplinados. Esse é um processo que aprendemos, por exemplo, na escola, quando temos que estudar determinados assuntos.
A meditação é uma maneira de fazer isso, voltada não para uma simples compreensão de algo, mas para um aprofundamento na apreensão do seu significado e repercussões.
Há vários tipos de meditação. Alguns visam principalmente esvaziar e acalmar a mente. Outros buscam ir além e obter um preenchimento da alma. A meditação cristã se insere neste último conjunto.

MEDITAÇÃO NA PALAVRA

Dentre as várias formas de meditação, os cristãos privilegiam a Meditação na Palavra, embora se possa meditar a partir das coisas criadas, de textos não bíblicos, da vida de pessoas etc.
Meditar na Palavra significa, então, dirigir o pensamento para as palavras, feitos e caráter de Deus a partir das Escrituras.
É mergulhar no texto deixando o Espírito guiar os pensamentos e os sentidos, eliminando as dispersões e focando em seu objeto.
Na meditação busca-se ir além do significado gramatical do texto, considerando suas implicações, suas aplicações e sua repercussão pessoal. Quando meditamos queremos penetrar na mente que escreveu aquelas palavras, alcançar o Espírito do Seu Autor.

DIFERENÇA ENTRE COMPREENDER, ESTUDAR E MEDITAR

Pode-se mais claramente distinguir a meditação na Palavra da compreensão e do estudo a partir de um exemplo.
Considere-se o texto bíblico: "Pai nosso que estás no céus".
Compreender o texto significa alcançar seu significado gramatical e literal. Qualquer pessoa que saiba ler Português entenderá essa frase.
Estudar o texto é explorar seus possíveis significados considerando o ambiente cultural, a época, seu contexto literário, sua conexão com os demais ensinos da Bíblia etc. Por exemplo, o que significa "céus" nesse texto? Como essa palavra era usada na língua original? Como podemos entender que o Pai está nos céus?
Meditar significa colocar-se dentro do texto, vivê-lo, senti-lo, encher-se do seu significado, buscar sua profundidade, aplicá-lo à vida, deixar que ele atinja pessoalmente, transforme, atue sobre convicções e vontades.
No exemplo proposto, meditando podemos considerar que a expressão "nos céus" coloca o Pai acima de todas as coisas, numa posição de exaltação, de excelência, a partir da qual Ele tudo vê, sobre tudo reina. Assim, devo honrá-lo como o Altíssimo, dar a Ele o lugar mais importante no meu coração etc.

CONTEMPLAÇÃO

Contemplar é colocar-se consciente e atentamente na Presença de Deus, sem qualquer intermediário. Considerar em primeiro lugar não Seus feitos ou palavras, mas Sua Pessoa, Seu Ser eterno e infinito, desejar e buscar ser cheio de Sua Presença.
É o exercício consciente do fato mais elementar de nossa fé: Deus vive e quer comunhão conosco. Para isso Ele nos criou.
No mesmo exemplo, contemplar é entregar-se consciente e totalmente a essa realidade celestial onde o Pai está presente, unir-se a Ele nessa dimensão espiritual, deixar que Ele seja tudo o que Ele quer ser em nossa vida.
Nem sempre é fácil – e nem é necessário – separar a meditação da contemplação. Os que fazem essa distinção ressaltam apenas que a meditação em geral é focada na Palavra, enquanto a contemplação volta-se para uma consciência direta da Presença de Deus.

///fsv

segunda-feira, 15 de março de 2010

Presença de Deus

Presença

(Fortaleza, 2005)


Ouço Tua voz rouca no mar
Suave na brisa
Cantarolando nas folhas

Vejo tua glória
Se anunciando nas manhãs
Presidindo os dias
Colorindo as tardes

Sinto Tua presença
Em tudo o que me cerca
Que me completa
Que me suspende o pensamento
Que me enche de infinito


Fernando Sabóia

sexta-feira, 12 de março de 2010

Meditação e Oração

UM POUCO DE MADAME GUYON (1648-1717)

Um Caminho Curto e Fácil para Oração

Capítulo II – O Método de Orar

Há dois caminhos para se levar uma alma a orar, os quais devem ser percorridos por algum tempo: um é Meditação, o outro é Leitura acompanhada de Meditação.
A Leitura Meditativa consiste em escolher alguma importante verdade prática ou especulativa, sempre preferindo a prática, e proceder da seguinte forma: qualquer que seja a verdade escolhida, ler apenas uma pequena porção dela, buscando prová-la e digeri-la a fim de extrair sua substância. Não seguir adiante enquanto a passagem ainda tiver sabor ou conforto. Quando não mais sentir isso, pegue o livro novamente e proceda do mesmo modo, raramente lendo mais do que meia página de cada vez, pois não é a quantidade lida, mas a maneira de ler que traz benefícios.
Os que lêem rápido não têm maior ganho do que teria uma abelha que apenas tocasse a superfície da flor, ao invés de penetrar nela e extrair sua doçura. Muita leitura é melhor para temas escolásticos do que para verdades divinas. De fato, para obtermos verdadeiros ganhos de livros espirituais devemos lê-los como descrito acima, e estou certa de que se esse método for seguido logo estaremos habituados a ele e teremos uma mais plena disposição para orar.
Meditação, que é o outro método, deve ser praticada em ocasião própria e não no tempo da leitura. Eu creio que a melhor maneira de meditar é a seguinte: quando por um ato vivo de fé você se colocar na Presença de Deus, relembre alguma verdade na qual haja substância e alimento; detenha-se nela gentil e suavemente, não para empregar a razão, mas apenas para acalmar e fixar a mente: você deve observar que o seu principal exercício deve ser sempre a Presença de Deus e, assim, seu propósito deverá servir mais para tranqüilizar a mente do que para exercitar o entendimento.
Desse procedimento se seguirá, necessariamente, que a fé viva num Deus imediatamente presente no mais íntimo da nossa alma produzirá uma desejosa e veemente pressão no sentido de nos voltarmos para dentro de nós mesmos e uma restrição a que nossos sentidos vagueiem para fora.
Servirá para eliminar rapidamente de nós inumeráveis distrações, para remover para longe objetos externos e para nos trazer para junto do nosso Deus, o Único que deve ser encontrado no centro do nosso ser, que é o Santo dos Santos onde Ele habita. Ele mesmo prometeu "vir e fazer seu tabernáculo naquele que fizer sua vontade" (João 16:23).
Santo Agostinho acusa-se a si mesmo de desperdiçar tempo por não ter desde o princípio buscado a Deus em oração dessa maneira.
Quando estivermos, desse modo, totalmente introvertidos e acolhedora e completamente penetrados por uma percepção viva da Presença Divina; quando todos os nossos sentidos estiverem recolhidos e atraídos da periferia para o centro e a alma estiver doce e silenciosamente envolvida com as verdades lidas, não em raciocínios, mas se alimentando delas e animando a vontade pela afeição, ao invés do entendimento pelo estudo; quando, digo, as afeições estiverem nesse estado, o qual, por mais difícil que possa a princípio parecer, é atingível, como demonstrarei mais adiante, então devemos permitir que essas afeições repousem docemente e que pacificamente bebam daquilo que elas experimentaram. Pois uma pessoa pode desfrutar o sabor da mais fina carne na mastigação e mesmo assim não receber qualquer nutrição dela, se ela não interromper essa ação e engolir a comida. Assim, quando nossas afeições estiverem enternecidas, se nós tentarmos levá-las mais adiante extinguiremos sua chama, e a alma será privada de seu alimento. Devemos, portanto, em quietude e repouso, com reverência, confiança e amor, engolir o alimento bendito que saboreamos. Esse método é de fato altamente necessário e vai dar mais progresso à alma em curto tempo do que qualquer outro em muitos anos.
Eu mencionei que nosso principal e imediato exercício deve consistir na contemplação da Presença Divina. Nós devemos também estar extremamente diligentes e atentos em recolher nossos sentidos dispersos, como o mais fácil método de superar as distrações, uma vez que uma contestação e uma oposição diretas apenas servem para aumentá-las e irritá-las, enquanto que, mergulhando profundamente num sentido e percepção de um Deus presente, e simplesmente nos voltando para dentro, nós imperceptivelmente lutamos de forma muito vantajosa contra elas.
É conveniente advertir os iniciantes contra vagar de uma verdade para outra, de objeto em objeto. A maneira correta de penetrar em cada verdade divina, de desfrutar seu total conforto e de imprimi-la no coração é permanecer nela enquanto seu sabor durar.
Embora o recolhimento seja difícil no começo, por causa do hábito adquirido pela alma de estar sempre fora de casa, quando forçada ela vai a isso se acostumando, e logo ficará perfeitamente dócil e se sentirá deliciada. Tal é o sabor e a sensação que se experimenta da Divina Presença, e tal é a eficácia daquelas graças que Deus dispensa, cuja única vontade em relação a Suas criaturas é comunicar a Ele mesmo para elas.

Madame Guyon, "A Short and Easy Method of Prayer", in Christian Classics Ethereal Library - www.ccel.org.

Tradução: Fernando Sabóia Vieira

quinta-feira, 11 de março de 2010

Amar a Deus

UM POUCO DE SÃO BERNARDO DE CLAIRVAUX (1090-1153)

Sobre o amor de Deus e o amar a Deus.

"Se alguém diz que Deus é bom, grandioso, bendito, sábio ou qualquer outra coisa do gênero, o ponto de partida é essa afirmação – Deus é ... O que Deus é? Ele é a vontade toda poderosa, a bondade e a força infinitas, a luz eterna, a razão imutável e a suprema benignidade; Ele criou as almas para se comunicar com elas, Ele as vivifica para que elas sintam Sua presença; Ele lhes dá um coração para que elas O desejem; Ele as dilata para que elas O recebam; Ele as justifica para que elas O mereçam; Ele as inflama para que elas tenham zelo, Ele as torna fecundas para que frutifiquem; Ele as guia para que andem nas veredas da eqüidade; Ele as molda para os ternos afetos; Ele as mantém nos justos limites da sabedoria; Ele lhes dá a força que produz a virtude; Ele as visita para as consolar; Ele as ilumina para o conhecimento; Ele as faz viverem eternamente, as cumula de felicidade e as cerca de completa segurança."

"Deus se mostra de maneiras diferentes para pessoas diferentes, e diferentemente para as mesmas pessoas em diferentes ocasiões, de acordo com suas aspirações e necessidades. Às vezes Ele é o Noivo que deseja tomar gentilmente a Noiva (a Alma) em Seus braços e deliciar-se no seu amor; e essa experiência a nós concedida de tempos em tempos mesmo na nossa presente peregrinação terrena coroa todos os desejos do nosso coração.
Outras vezes Ele vem como o Médico, com remédios para as almas fracas e imaturas... Não nos sentimos nós muitas vezes assim em oração – nós que somos quotidianamente incomodados por nossos tropeços do presente e envergonhados pelos do passado? De quão grande amargura Tu me livraste, bom Jesus, vindo a mim dessa maneira! Quantas vezes, quando me desmanchei em tristeza e vergonha e Tu ungiste minha amargurada consciência com Tua misericórdia e derramaste o óleo de alegria em minhas feridas! Quantas vezes regressei, cheio de alegria e confiante no perdão, da oração que iniciara em quase desespero da salvação! Todos os que já passaram por isso bem sabem que o Senhor Jesus é um Médico que cura os contritos de coração e sara suas enfermidades. Aqueles que carecem dessa experiência, que creiam nas palavras do Senhor quando Ele diz "O Senhor me ungiu para pregar boas novas aos mansos, para curar os quebrantados de coração". Que venham e experimentem o Senhor por si mesmos, e que aprendam o significado de "Misericórdia quero, e não sacrifício".

Às vezes, também, Ele se encontra com a Noiva (a Alma) como seu Companheiro do caminho, um Amigo viajante cuja conversa a tal ponto a alegra e a alivia de suas fadigas que, quando Ele se vai, ela diz "Meu coração não ardia por Jesus, quando Ele me falava pelo caminho?
Ele se revela, então, como Noivo, como Médico e como Companheiro do caminho. E, eu penso, Ele também nos aparece, às vezes, como o rico Pai, cuja casa está abastecida de alimento para toda a família; ou como um poderoso Rei, que deseja mostrar a Sua tímida Noiva (a Alma) as riquezas de Seus lagares e celeiros, Seus jardins e Seus campos, a fim de que ela os deseje e Ele a conduza, finalmente, à Sua câmara secreta."

"É muito importante que cada Alma que dentre vocês busca a Deus perceba que Deus já estava a campo primeiro, e a estava procurando, antes que ela começasse a procurá-lO... não há pior crime do que alguém se apoderar do crédito por uma graça recebida, por pequena que seja.
Você está acordado? Bem, Ele também está. Se você se levantar nas horas da noites, se você antecipar ao máximo o seu despertar matutino, você vai encontrá-lO acordado – você nunca conseguirá antecipar Seu despertar. Nesse relacionamento com Ele, você estará sempre errado se atribuir a si mesmo qualquer prioridade ou predominância; pois Ele ama mais do que você e ama antes de você."

"Como já disse antes: a razão pela qual amamos a Deus é Ele mesmo. Digo com verdade, pois Ele é a causa eficiente e final desse amor. É Ele quem para isso proporciona a oportunidade, suscita o movimento e cumpre o desejo. Ele fez com que O amemos, ou antes, Ele se fez tal que temos que amá-lO. Ele nos inspira a esperança de amá-lO um dia com um amor mais feliz, pois do contrário em vão O amaríamos. Seu amor por nós prepara e recompensa nosso amor por Ele. Ele se antecipa a nós com Sua bondade, se faz amar em resposta a Sua justiça e nada é mais doce do que atender a Ele.
Ele é rico o bastante para suprir a todos os que o invocam, mas Ele não tem nada mais precioso para dar do que a Si mesmo. Ele se deu para merecer nosso amor, Ele se reservou para ser nossa recompensa; Ele é o alimento servido às almas santas, a vítima entregue para resgate das almas cativas."

Trechos de "Considération", de "Cantiques des Cantiques" e de "Traité de l’Amour de Dieu".
Tradução de Fernando Sabóia Vieira


quarta-feira, 10 de março de 2010

Versos do Corisco



Outro dia, numa dessas encruzilhadas da vida, encontrei o Corisco. Vivendo na cidade, doutor diplomado, instruído em muitas ciências e artes, de paletó e gravata cheio de agendas e prosas complicadas.

Conversamos muito sobre tudo quanto é coisa e eu perguntei a ele se ainda se lembrava da meninice no sertão, da caatinga, do calor... Vi que ele se calou, pensou, como se estivesse remexendo em algumas coisas no fundo da alma, feito fosse um baú velho.

Alguns dias depois ele me mandou alguns versos, entre os quais o poema que, com sua permissão, apresento a vocês e em especial aos conterrâneos da grande pátria nordestina.



A sina



Você controla o mundo
O raio
A chuva
O infortúnio?
Sabe remédio contra maldade?
Conhece caminho pra quem Deus esqueceu?
Tem receita pra calamidade?


Um homem aceita sua vida
Sua parte na lida
Peleja como pode
Pra cumprir sua sina
Trabalha como um jegue
Vive como Deus é servido


Mas no fim de tudo
Tem uma cantiga
Uma luz que não é calor
Um encontro que não é dor
E novos mundos inventados
Num tempo verde, azul e bom


Fernando Sabóia, de "Com o Nordeste na Alma".

terça-feira, 9 de março de 2010

Thomas Merton - Sobre Esperança

UM POUCO DE THOMAS MERTON (1915-1968)

Sobre esperar em Deus, experimentar a misericórdia de Deus e amar a Deus.

SENTENÇAS SOBRE A ESPERANÇA

Não somos perfeitamente livres enquanto não vivemos de pura esperança. Pois, quando é pura nossa esperança, ela não mais confia em meios humanos e visíveis, nem repousa em qualquer fim visível. Quem espera em Deus, acredita que Deus, que ele jamais vê, o conduza à posse de bens que ultrapassam toda a fantasia.

Esperança sobrenatural é a virtude que nos despoja de tudo a fim de nos dar tudo. Ninguém espera por aquilo que já tem. Por conseguinte, viver de esperança é viver em pobreza, sem nada. E, no entanto, se nos entregamos à economia da Providência, nada do que esperamos nos faltará.
A esperança é proporcional ao desprendimento. Ele introduz a nossa alma no estado do mais perfeito despojamento. É graças a isto que ela restaura todos os valores, dispondo-os no seu justo lugar. A esperança esvazia-nos as mãos, para que possamos trabalhar com elas. Mostra-nos que temos razão de agir, e ensina-nos a fazê-lo.

Sem esperança nossa fé só dá distantes relações com Deus. Sem o amor e a esperança, a fé só O conhece como a um estranho. Pois é a esperança que nos joga nos braços da sua misericórdia e da sua providência. Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos nas nossas vidas a sua misericórdia.

Se, em vez de confiar em Deus, eu confio apenas na minha inteligência, nas minhas forças, e na minha prudência, os meios que Deus me deu para achar caminho até Ele hão de falhar sem exceção. Sem a esperança, não há nada, na criação, que preste para algo de fundamental. Colocar a nossa esperança em coisas visíveis, é viver no desespero.

Podemos amar a Deus de dois modos: ou porque esperamos dEle alguma coisa, ou porque nEle esperamos, sabendo que nos ama. Às vezes começamos com a primeira maneira de esperar, e progredimos para a segunda. Neste caso, a esperança e a caridade estão intimamente unidas, e ambas repousam em Deus.

Em vez de esperar no Senhor por causa do seu amor, coloquemos toda nossa esperança nesse amor mesmo. Uma esperança assim é tão segura como o próprio Deus. Não pode ser jamais confundida. Ela é mais do que uma promessa de realização. Ela já é um efeito do amor mesmo pelo qual ela espera. Se busca a caridade, é porque já a achou. E se busca a Deus, é sabendo que já foi encontrada por Ele. Viaja para o céu, sentindo obscuramente que já ali aportou.

Todos os desejos podem falhar, menos um. O único desejo que é infalivelmente cumprido, é o de ser amado por Deus. Não podemos querer Deus eficazmente, sem ao mesmo tempo desejar amá-lO, e o desejo de amá-lO é um desejo que não pode malograr. Simplesmente por desejar amá-lO, já estamos começando a fazer aquilo que desejamos. A nossa liberdade é perfeita quando nenhum outro desejo pode impedir-nos de amar a Deus.

Mas, se amamos a Deus por qualquer outra coisa que Ele mesmo, acalentamos um desejo que pode enganar-nos. Corremos o risco de odiá-lO no caso de não alcançarmos aquilo que esperamos.

Só é legítimo amar todas as coisas e ir ao seu encalço, quando elas se convertem em meios de amar a Deus. Não há nada que não possamos pedir-Lhe, se é para que Deus seja ainda mais amado por nós ou por outros homens.

Seria um pecado limitar nossa esperança em Deus. A Deus, devemos amar sem medida. Todo pecado tem raízes na carência de amor. Todo pecado consiste em retirar de Deus o amor, e aplicá-lo a outra coisa. O pecado limita a nossa esperança e aprisiona o amor. Se colocamos o nosso fim último em qualquer criatura, retiramos inteiramente do serviço do Deus vivo os nossos corações. Se, de outro lado, continuamos a amá-lO como a nosso fim, mas sem que Ele seja a nossa única esperança, o nosso amor e a nossa esperança deixam de ser o que deviam ser, pois nenhum homem pode servir a dois senhores.

A fé que me diz que Deus quer ver salvos todos os homens, deve ser completada pela esperança de que Deus me quer salvar e pelo amor que corresponde ao desejo, e sela com a convicção a minha esperança. Assim, a esperança oferece a cada alma a substância de toda a teologia. Pela esperança, todas as verdades que são apresentadas a todos numa forma impessoal e abstrata, tonam-se para mim convicção pessoal e interior. O que eu creio pela fé, o que eu compreendo pela teologia, eu o possuo e faço meu pela esperança. A esperança é o limiar da contemplação, porque a contemplação é uma experiência das coisas divinas, e nós não podemos experimentar o que não possuímos de algum modo. Pela esperança nós tocamos na substância daquilo que cremos; pela esperança já possuímos a essência das promessas do amor divino.

De "Homem Algum é uma Ilha", ed. Agir, 1957.


segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher

Intimidade

(Para Sandra, sempre para Sandra)


Venha, vamos andar de novo
entre as flores que não colhemos
e ver em suas cores a vida,
a vida que vivemos
e ainda queremos.

Nem sempre sorrimos.

Nem sempre soube vê-la
revelada em sua mágica
onipresença de mulher
- você está em toda parte de mim,
em todas as minhas horas e ruas,
nos meus cabelos e roupas,
em todos os olhos e vitrines,
em todas as palavras e silêncios.

Nem sempre ousei
chamar seu nome de madrugada
emparedado pelo medo.

Mas não sei mais
levantar de manhã, tomar café
e fazer as coisas simples da vida
sem você: fundimo-nos,
amamo-nos, perdemo-nos um no outro
e só nos encontramos de novo
nos nossos olhares profundos
nos nossos sorrisos íntimos
nos nossos silêncios musicais.


Fernando Sabóia

Sobre o Sofrimento

"A teologia só se torna rica quando sobrevive aos ataques da dor. E a boa teologia nos conduz através de nossa dor para uma experiência mais profunda com Cristo e, portanto, com esperança, amor e alegria." Larry Crabb

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sofrimento

Morrer e Viver em Cristo: o Sentido Transformador do Sofrimento

(Fernando Sabóia)

"... levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo." 2a aos Coríntios 4:10
"No final de tudo, só temo verdadeiramente uma coisa: não ter sido digno do meu sofrimento." Dostoievsky


Uma das principais fontes de doença de alma nos nossos dias é a não compreensão e não aceitação do sentido e do papel do sofrimento na existência humana.
As dores e os sofrimentos, físicos ou morais, e o seu desfecho inevitável, que é a morte, parecem, no mundo humanista moderno, as provas finais da falta de sentido da vida e da inutilidade de qualquer esforço ou realização.
O homem moderno repete com desconsolo, e mesmo com desespero, as instigantes palavras do Pregador do Eclesiastes: "tudo é vaidade e correr atrás do vento". A existência sem Deus, sem uma realidade transcendente, é uma amarga ironia: quando nos agrada, termina; quando nos é dolorosa, desejamos o fim.
Nem mesmo a concepção da existência de Deus afasta, por si só, o questionamento acerca do sofrimento humano. Ao contrário, de certo modo, o aprofunda.
Por que um Deus poderoso e bom deixa suas criaturas sofrerem, mesmo aquelas que O amam e que foram por Ele recebidas na Sua família como filhos queridos?
Conquanto não tenhamos a pretensão de oferecer respostas definitivas a esse questionamento, algumas verdades bíblicas devem ser afirmadas e a experiência delas pode nos conduzir a uma vida cheia de ânimo e de esperança, mesmo diante do sofrimento.
Uma primeira verdade a ser declarada é que o sofrimento humano é conseqüência do pecado de nossos primeiros pais, da alienação de Deus, de si mesmo, dos semelhantes, do sentido da vida e do próprio planeta que sua desobediência provocou. É, assim, uma experiência da raça, independentemente da ação dos indivíduos, e não procede do Criador.
Se o homem, inimigo de Deus, de si mesmo, de seus semelhantes e da criação, conseguisse construir um mundo de prazeres a despeito de sua maldade, estaria condenado, fatalmente, ao inferno, pela justiça de Deus, sem sequer jamais se dar conta de que ele mesmo traçou esse destino.
Como escreveu C. S. Lewis,
"Deus sussurra em nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nosso sofrimento: ele é o seu megafone para despertar um mundo surdo."
E para nós, os que cremos? Se já ouvimos a Deus e nos arrependemos, fomos perdoados e regenerados, aceitos como filhos, por que ainda sofremos?
Algumas repostas podem ser aqui sugeridas.
Sofremos porque o mundo sofre e nós permanecemos nele, para anunciar a salvação de Deus. A igreja imita seu Senhor, que veio aqui viver e sofrer nossas dores e assim nos salvar.
Sofremos porque Jesus precisa ser formado em nós e, para isso, temos que morrer para nós mesmos e renunciar ao mundo com seus prazeres e realizações.
Sofremos porque o Espírito de Jesus em nós sofre por um mundo perdido e indiferente a Deus. Sofremos porque o mundo nos odeia e nos rejeita na exata medida que amamos o Senhor e O anunciamos.
Sofremos porque permanecemos numa existência carnal, sujeitos às paixões do pecado e aos desacertos que ele provoca em nós e nos nossos relacionamentos.
Sofremos porque fomos chamados a amar e "o amor tudo sofre", não consegue ficar indiferente às aflições dos semelhantes e às tragédias provocadas pela insensatez e maldade dos homens.
Sofremos. Levamos o morrer de Jesus cada dia. Para nós, no entanto, todo sofrimento tem um propósito em Deus. Não se trata de um sentido imediato e circunstancial. Trata-se, sim, do plano eterno de Deus de ter uma família de filhos parecidos com Jesus.
O Senhor está se dedicando, nesses dias, a produzir santos, a partir de pecadores como nós, num mundo pervertido e incrédulo. Esse jamais será um processo indolor.
Nesse sentido, afirma Paul Bilheimer:
"Se o propósito de Deus em salvar o homem fosse apenas levá-lo para o céu, provavelmente ele o levaria à glória de imediato após sua conversão. Mas Deus deseja prepará-lo para sua função de governo num universo infinito que requer caráter. O processo de santificação, no desenvolvimento do caráter de Deus, e no amor ágape, é impossível sem tribulação e disciplina.
... fica claro que a tristeza, o sofrimento, a tribulação e a dor que acontecem ao crente não constituem, antes de tudo, castigo, mas treinamento de filho...
Não há como formar-se nesses homens um caráter semelhante ao de Cristo sem sofrimento, porque não há outra forma de descentralizá-los. A pessoa que não quer sofrer, que resolve fugir do sofrimento, que não permite que sua vida natural e o seu ego sejam levados à cruz, nessa mesma medida continuará dura, centrada em si mesma, sem quebrantamento e, portanto, sem transformação à semelhança de Cristo"
Precisamos entender que esse é um caminho de Deus, e não um mero produto de uma existência caótica. Esse morrer e viver em Cristo, no entanto, só será perfeitamente consumado na eternidade. Neste mundo não teremos todas as explicações e nem colheremos todos os benefícios de nossas lutas e provações.
Por ora, o essencial é termos plena certeza de que, se nos unimos a Ele na sua morte, também estaremos unidos com Ele na sua ressurreição. Nessa jornada até lá, conheceremos Sua graça suficiente, desfrutaremos de Sua especial presença consoladora e seremos transformados, moldados, santificados.
Esse é um aspecto decisivo na luta contra o demônio do meio dia.
O ministério do Espírito Santo em nossas vidas inclui o sofrimento, tanto aquele advindo de nossos pecados e escolhas quanto aquele produzido pela maldade humana, pelo inimigo ou pelo caos da vida.
Nesse passo, temos que enfrentar alguns sofismas e mentiras forjadas pelos nossos adversários humanos e espirituais. Em particular, nos referimos a duas famílias de doutrinas muito propagadas em nossa geração.
A primeira, de roupagem pseudo cristã, a que anuncia um evangelho humanista, voltado para o conforto nesta vida, onde se oferece salvação, saúde, prosperidade, bem-estar, satisfação emocional e sucesso pessoal em troca do exercício de uma fé que se concretiza, principalmente, por meio de um investimento financeiro.
Essa doutrina pretende se basear em interpretações arbitrárias das Escrituras, de onde se inferem conceitos e promessas absolutamente estranhos ao evangelho de Jesus e ao ensino dos apóstolos. Tudo embalado num espiritualismo místico que reúne elementos de demonologia pagã e rituais bizarros que não têm nenhum respaldo bíblico.
Não se fala em pecado, arrependimento, conversão, reino de Deus ou santidade. Apenas em realização pessoal e conforto emocional e material.
As pessoas são atraídas por promessas ilusórias, submetidas a intensas pressões psicológicas e emocionais, expostas a demônios e enganadas sobre suas reais necessidades, o que, tudo junto, configura um ambiente fortemente causador de enfermidades de alma.
A segunda família de doutrinas é representada pelas elaborações e terapêuticas sugeridas e aplicadas pelas psicologias do self, isto é, do eu voltado para si mesmo.
Em resposta às pressões e aos abalos que a modernidade trouxe para a vida psicológica e emocional das pessoas, o humanismo, instrumentalizado por alguns ramos do conhecimento, sugere como solução o fortalecimento do ego e sua capacitação para se afirmar e para buscar a realização de seus desejos e projetos, a despeito das adversidades.
No entanto, como não se reconhecem verdades e valores absolutos, fica sem solução o problema fundamental do homem, que é sua culpa moral verdadeira, advinda de sua rebelião contra Deus e das afrontas ao padrão moral requerido por Ele. Do mesmo modo, ficam sem tratamento adequado as conseqüências dessa disposição mental ímpia no caráter e relacionamentos humanos, muito bem descritas em Romanos, capítulo 1.
A cura essencial do ser humano, sua salvação, só pode acontecer mediante sua reconciliação com Deus, por meio da graça e do perdão oferecido pelo sacrifício de Jesus. Dessa restauração procedem as demais, como a do caráter, dos relacionamentos e do sentido da vida.
Não resolvida a questão da culpa, os sentimentos de remorso, os conflitos de consciência e as más experiências da vida produzem distorções no caráter e na personalidade, tornando a alguns endurecidos, encastelados na soberba, e a outros "quebrados", esmagados pela autocondenação ou autocomiseração.
O que essas duas famílias de doutrinas têm em comum é que ambas negam a cruz de Cristo, que é a única fonte de salvação e cura para o homem.
Elas pretendem manter e reforçar o que Deus quer aniquilar no homem: a soberba, o egoísmo e a independência; e impedem que se produza o que Ele quer gerar: santidade, amor, obediência.
Só a cruz produz paz com Deus e reconcilia o homem com seu destino eterno, colocando o centro de sua existência de volta ao único lugar de onde podem emanar vida, ordem, valores, significado, segurança e eternidade, vale dizer, o reino do Pai.
É a experiência do amor de Deus em Cristo Jesus a única que nos pode dar conforto e sentido ao sofrimento. Novamente Lewis:
"... quando é preciso suportar a dor, um pouco de coragem ajuda mais do que muito conhecimento, um pouco de simpatia humana tem mais valor do que muita coragem, e a menor expressão do amor de Deus supera tudo."


Brasília, 2009, aD.
Fernando Sabóia Vieira, de "As Quatro Faces do Demônio do Meio-Dia".

quinta-feira, 4 de março de 2010

Atravessando Desertos

Os Desertos de Deus

(Fernando Sabóia Vieira)

"Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração."
Oséias 2:14

O deserto sempre teve grande influência significado na vida do povo de Deus. Desde as peregrinações dos Patriarcas, até a travessia sob o comando de Moisés, representou, para a nação hebréia, um batismo, um caminho de provação, de esperança, de luta e, não raro, de tentação e de queda.
O deserto foi o caminho da promessa, quando o Senhor, com poder, conduziu o povo da escravidão do Egito para Canaã, moldando seu caráter e ensinado-o a depender totalmente dEle.
O deserto foi também o caminho para o exílio, quando, em fase mais adulta como nação, Israel desviou-se dos caminhos do Senhor e recebeu o castigo por sua rebeldia.
O deserto aguça o sentimento de fragilidade e de dependência do homem, revelando sua impotência diante de um ambiente totalmente hostil e agressivo. A amplidão selvagem esconde inimigos sem conta; a escassez quase absoluta de recursos provoca disputas; sua aridez confronta o homem com seus próprios limites, fazendo com que ele exclame: "de onde me virá o socorro?".
Deus sempre conduziu seu povo e pessoal individualmente para o deserto, a fim de falar na intimidade, de pôr à prova os corações e de santificar na Sua vontade.
Assim foi com Israel tanto a caminho da Terra da Promessa quanto da terra do exílio, assim foi com a mulher de Oséias, com quase todos os profetas, com o último deles, João Batista, e até mesmo com o Senhor Jesus, que foi tentado no deserto e que freqüentemente se retirava para orar em lugares ermos. Mesmo a igreja é descrita no Novo Testamento como "estrangeira e peregrina" , em busca de um "descanso" que ainda não se consumou.
Deus ainda hoje usa o método de conduzir pessoas ao deserto para manifestar-se a elas e para moldá-las segundo Seu caráter e vontade. Além dos desertos geográficos, quando nos vemos isolados do nosso ambiente natural de convivência, experimentamos, especialmente, nossos desertos pessoais, aquelas situações de carência íntima absoluta, de desamparo total, nas quais ansiamos, com todas as forças do nosso ser, por um livramento que só pode vir pelo milagre. Temos fome e sede, nos sentimos órfãos, nossa alma vibra pela Presença do Pai e pelos átrios de Sua morada.
Muitas vezes nos perguntamos como chegamos a tais desertos. Certamente nossos pecados podem ser determinantes: Israel ganhou quarenta anos "extras" no deserto por sua incredulidade e desobediência; Jacó teve que viver em tendas no exílio por conta de suas "espertezas"; a mulher de Oséias foi levada ao deserto por sua vida adúltera etc.
Contudo, sem desprezar tal possibilidade, devemos atentar para a realidade maior da soberania e do amor de Deus, que sempre superam o pecado e a rebeldia do homem.
Nosso Senhor, embora para ser tentado, foi conduzido ao deserto pelo Espírito Santo, e não pelo Adversário. É por graça que o Senhos nos conduz ao deserto, mesmo quando em conseqüência dos nossos pecados, pois é lá que Seu poder ser revela mais evidente e Seu amor mais constrangedor.
O silêncio do deserto leva à meditação e à contemplação, formas essenciais de ouvir a Deus. Apenas quando a provação produz silêncio em nossa alma, quando desistimos de nossas razões e argumentos, é que nasce a verdadeira vida de oração.
O clima árido e o solo quase estéril conferem valor e dimensão especial às coisas mais elementares da vida: a água, o alimento, o abrigo. No deserto, cada árvore, cada fonte de água, cada animal tem nome e importância própria. Cada fator vital é disputado, cada porção é preciosa. Isso faz um contraste tremendo com nossos desperdícios cotidianos da graça de Deus, dos milagre que Sua providência opera diariamente a nosso favor sem que percebamos e agradeçamos.
Quando estamos no deserto, o Senhor põe em relevo Seus atos graciosos, dá-nos a perspectiva correta do que tem realmente valor e significado na vida, daquilo que é essencial: o deserto não permite que sobrevivam nossas futilidades, nossos caprichos e fantasias. É o lugar onde a glória do homem fenece, como a erva e sua flor sopradas pelo vento.
Os desertos não são destinos em si mesmos, mas caminhos; não são o objetivo final, mas o meio de se chegar à Promessa. Podem ser, no entanto, caminhos de juízo ou de salvação, de morte ou de vida. Dependerá de como os encaramos e de como nos conduzimos neles.
Diremos, com o profeta, "ainda que a figueira não floresce, e nem há fruto na vide... exulto o Deus da minha salvação", ou faremos coro com o povo amargurado e rebelde exclamando "foi para morrer aqui que saímos do Egito?" ?
A história sagrada, o testemunho dos santos e o claro ensino do Espírito nos exortam a não desprezarmos os desertos do Senhor, mas, antes, a fazer deles caminho de passagem em direção ao centro de Sua vontade, que é sempre "boa, perfeita e agradável".
O verdadeiro deserto da alma é a negação de si mesmo, a renúncia. Quando abrimos mão de nossos direitos, posições e tentativas de autojustificação entramos no real e não simbólico deserto da alma, com toda a sua carência de ajuda e de esperança.
Colocar todos os desejos, necessidades e lutas nas mãos do Senhor e esperar por Ele, esse é o deserto que é caminho de cura, libertação e salvação.
Isso implica que, diferentemente do deserto geográfico, que se caracteriza pelo isolamento, o deserto da alma acontece no contexto dos relacionamentos pessoais, pois é aí que somos chamados à renúncia do discipulado e do amor de Jesus.
A renúncia e auto-negação em relação aos outros, por causa deles e para o seu bem, dão substância e significado – uma terra da promessa – à travessia dos nossos desertos pessoais.
Em uma palavra, a revelação do deserto da alma como negar a si mesmo e renunciar aos próprios direitos nos leva à conclusão de que esse deserto é precisamente o caminho para seguir a Jesus, para ser discípulo dEle. É o próprio Mestre quem a ele nos conduz quando, por seu chamado, nos separa de tudo e de todos, até mesmo do que somos, para termos, sermos e nos relacionarmos exclusivamente com nEle e através dEle.
Ao fazer essa travessia do deserto para o qual somos encaminhados pelo chamado de Jesus para segui-lO, criamos um imenso vazio em nossas vidas que somente pode ser preenchido pela Presença imergidora (batizadora) do Espírito Santo.
Assim, andar no deserto e andar no Espírito nos conduzem no mesmo caminho singular e estreito: a trilha do discipulado de Jesus, com todo o seu sofrimento, tentações e exigência, mas também com sua promessa, esperança, poder e glória, que são superiores "além de toda comparação".

Fernando Sabóia Vieira
In "Veredas no Deserto", 1995.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Adoração ao Amanhecer

Tudo o que Te exalta

(adoração ao amanhecer)

Tudo o que brilha
Fala da Tua Glória
Tudo o que se move
Exalta Teu Poder
Tudo o que é belo
Adora Tua Santidade

Tudo o que se renova
É dom da Tua Misericórdia
Tudo o que canta
É alegria do Teu Coração
Tudo o que desperta
É testemunha da Tua Fidelidade

Teu é o nascer dos meus dias
Para ti, o mover dos meus passos
A Tua Bondade
Tudo o que emociona minha alma

A Tua Misericórdia
É minha alegria
A Tua Alegria
A minha força
A Tua Força
Meu descanso

Quando a Tua Presença
Desponta nas minhas noites,
Minha alma só encontra expressão
No silêncio fresco
Das Tuas manhãs,
Meu espírito se eleva com a Alva,
Meu coração sossega
Na contemplação de tudo o que
Te exalta

Fernando Sabóia (de "Veredas no Deserto")

terça-feira, 2 de março de 2010

SIM, DEUS É BOM*

           

             Para Fernando Sabóia Vieira

Sim, realmente Deus é bom
porque nos dá o pão
que fortalece o corpo
e nos dá o perdão
que fortalece a alma;
porque nos dá o dia,
manhã, tarde e noite,
para que possamos também nós
dar pão e perdão
ao nosso irmão.

Sim, realmente Deus é bom
porque quer que nos esqueçamos
do NÃO que inventamos
e quer que nos lembremos
do Seu amoroso SIM.

Luciano Dídimo

_________________________________
*Baseado no poema "o princípio", de Fernando Sabóia Vieira, de “Crônicas do Caos”



o princípio

(Fernando Sabóia Vieira, de “Crônicas do Caos”)

no princípio
Deus inventou o sim
e tudo se fez
depois o homem inventou o não
e foi o caos

Deus disse não ao caos
mas o homem amou si mesmo
e preferiu criar seu
próprio mundo, no meio do
caos

toda obra do homem tende
ao caos
porque o homem é existência
fugaz
decomposta da essência
eterna

toda obra de Deus
produz ordem, paz
sol e manhã, tarde e noite

e tudo se faz bom
porque Deus é

///fsv

Em homenagem a Sérgio Avillez

Como homenagem e agradecimento a meu amigo Sérgio Avillez, fotógrafo amante das flores, reproduzo poesia que escrevi para Sandra, jardim que alegra e embeleza minha vida.


Flores são eternas


Flores são eternas
Como os momentos que adornam
Como os sorrisos que afloram
Como as palavras que semeiam
Como os sentimentos que exalam
Como os sonhos que embalam

Flores são eternas
Porque passam e marcam almas eternas
Com lembranças de imagens e amores que não passam
Mesmo que passem os céus e a terra

Flores são eternas
Porque são preciosas quando riquezas são inúteis
São significativas quando as palavras são inadequadas
Porque são vida e sacrifício
Quando gestos são banais e efêmeros

Flores são eternas
Porque podem dizer eternamente
"Eu amo você"
Em todas as cores e continentes
Formas e estações

Flores são eternas
Porque, como a poesia, celebram a vida e a paixão
Em todas as nossas partidas e distâncias
Chegadas e encontros

Flores são eternas como nosso amor
Que sem nunca nos separar
A cada dia nos encontra
E nos encanta
Com improváveis floradas
Neste mundo indiferente e sem esperança

Fernando Sabóia

segunda-feira, 1 de março de 2010

Vitrines

Deus suavemente me conduz
ao encontro de mim
onde Ele me espera
e me espelha
para me revelar,
refletida em sua iluminada
face,
minha opaca ilusão
de ser eu mesmo

vejo-me no reflexo
dos meus olhos, espelhados
no Seu olhar eterno,
como vitrines do infinito,
e, afinal, compreendo-me
componho-me
sou transformado
na imagem d’Aquele
a quem contemplo


Fernando Sabóia