sábado, 24 de julho de 2010

Ceará

Caros,

Estou indo para o Ceará, rever o povo, o mar, o sertão, reencontrar o
Corisco, um dos muitos seres que habitam minha alma.

Se puder, dou notícias de lá.
Volto em agosto para meu
exílio no planalto central.

Vão aí mais alguns versos da minha alma nordestina...




A coragem



Quem traz na alma o nordeste

O sol, a seca, a luta imensa

Quem tem nos olhos o agreste

A terra dura, rubra, intensa

Não tem medo nem da maldade

Nem do destino

Só tem medo da fraqueza, da solidão

E do desatino


O perigo é a vida

A morte é o descanso


A peleja é o dia

A tarde é o remanso


De noite é a lua, a conversa, uma canção

A saudade do que nunca viu

A lembrança do que partiu

A vida vivida como se fosse uma oração



O retirante



O que é que eu faço

Com essa dor sertaneja

Com essa raiva nordestina

Com essa indignação seca

Que me seca os olhos

E a alma?


Tão longe eu fui

Retirante de mim mesmo

Perseguido pela secura

Do meu coração


Com vou ter pouso

Se levo na alma os túmulos

Dos meus mortos

E no coração

A carestia dos sentimentos?


Quanto parti pra tão distante

Não sabia que levava comigo, pendente

Minha sina, minha luta

Meu destino, minha vida indigente



A oração



Quando curvo a cabeça

Não é debaixo do peso e do calor da vida

Quando fecho os olhos não é de medo

Da boca arreganhada do destino


É diante do Deus criador de todas as coisas

Que tem nas mãos o dar e o tomar

O nascer e o morrer

O tempo, o vento e o andar do mundo


Eu sei que devia só agradecer

A vida, a luta, o sustento de cada dia

Mas como é tão grande a carestia

Um pouco também careço de pedir


Mas só peço paz, e junto com o pão

Peço saúde e paciência na provação


Peço um caminho seguro

Pros perigos da vida

E na desdita da morte

Ter no céu acolhida




Fernando Sabóia, de Com o Nordeste na Alma, Versos de Corisco


quinta-feira, 22 de julho de 2010

SOBRE TENTAÇÃO

Irmãos queridos,


Toda tentação se trava em torno do dilema entre o ego e a cruz.

Foi assim a tentação do Senhor no deserto, quando o Espírito para lá O levou ao início de seu ministério. Satanás ofereceu a Jesus o caminho da exaltação, do senhorio do mundo e da glória sem humilhação, sem sofrimento, sem a cruz. Seria a glória de Jesus sem a salvação do homem, a justiça de Deus sem a misericórdia, a verdade sem a graça (Mateus 4:1-11, João 1:15-17). Bendito o Verbo encarnado que repeliu essas insídias e optou pela vereda estreita e dolorida da humilhação, da rejeição e do sacrifício e, assim, nos trouxe reconciliação com o Pai e vida!
Quanto a nós, o Senhor nos propõe, em cada prova da vida, a cruz como posição, caminho, destino e glória. A nossa humanidade caída, todavia, a rejeita, avessa que é ao sofrimento, à vergonha, ao esvaziamento e ao opróbrio que ela implica, e deseja viver para si mesma, para seu próprio prazer e realização. Com nossa carne concorda o mundo, que nos oferece seu brilho, possibilidades, riquezas, conhecimento e, pretensamente, glória. Nesse momento, também se nos apresenta o tentador, para nos apontar rotas de fuga, alternativas de conduta todas cheias de autocomiseração, de justiça própria, de auto satisfação.
Ego ou cruz? Carne ou espírito? Humildade e obediência ou independência e rebeldia? Qual espírito nos anima, o do mundo, o de seu príncipe ou o de Cristo?
Ser tentado é ser impelido para longe da cruz, que nos cabe e onde devemos estar. Resistir à tentação é perseverar no caminho de seguir a Jesus, que nos impõe a cruz e a ela nos conduz a cada passo. Ao discípulo é necessário tomá-la cada dia, como decisão e atitude. Como decisão, quando a assume diante da tentação em concreto, como atitude quanto desenvolve uma mentalidade de auto esvaziamento, submissão, humildade, obediência e serviço, única verdadeira imitação de Jesus (Filipenses 2:5-8).
Mas o que é a cruz para o discípulo? O que significa permanecer nela?
A cruz é principalmente renúncia. Renúncia a si mesmo, à vida, aos afetos, à justiça, aos direitos, à satisfação, ao sucesso, ao reconhecimento, à glória, aos projetos, a tudo, enfim, que não ressuscite no Reino de Deus, após a morte batismal (Lucas 14:26-35, Romanos 6:1-14). É simples: renunciamos a tudo para sermos discípulos – morremos com Ele na cruz; nascemos de novo com Ele na Sua ressurreição – só pertence a esta nova vida o que é gerado de novo, recriado por Deus para Sua glória e Reino. O resto fica sepultado. Tomar a cruz cada dia é viver esta nova realidade, pensar nela, encher-se dela, consagrar-se a ela, abandonando tudo o que a ela não pertence (Colossenses 3:1-4).
É que não pode nascer o novo o homem “gerado em Deus em verdadeira justiça e santidade”, a “nova criatura”, sem que morra o velho, sem que passem as coisas antigas (Efésios 4:20-24, 2ª aos Coríntios 5:17). Devemos nos lembrar sempre, no entanto, que a cruz não é o final do caminho, senão para a carne. Para a alma que a assume, é a porta de entrada para uma nova vida, identidade, potencialidade, alegria, paz, comunhão com os homens e com Deus.
Irmãos, sabendo que aflições como as nossas advêm a todo o povo de Deus (1ª de Pedro 5:9), resistamos ao diabo, suportemos as aflições, vigiemos e oremos nas tentações e escolhamos, a cada dia, o caminho glorioso da cruz, que nos conduz à vida do Cristo ressurrecto, nos mantém enxertados Nele, nos compromete com Sua obra e nos conduz à morada eterna do Pai.

Em breve, o Senhor virá. Maranata.

A graça de Jesus seja com todos.

Em Brasília, ao início do mês de abril de 2006, AD.

terça-feira, 13 de julho de 2010

UM POUCO DE DIETRICH BONHOEFFER (1906-1945), 3º Texto

Fraternidade cristã não é um ideal, mas uma realidade divina


Apenas través de Jesus Cristo alguém é irmão de outrem. Sou irmão de outra pessoa através daquilo que Jesus Cristo fez para mim e em mim; a outra pessoa se tornou meu irmão através daquilo que Jesus Cristo fez nela e para ela. O fato de sermos irmãos exclusivamente através de Jesus Cristo tem um significado imensurável. O irmão com o qual lido na comunhão não é aquela pessoa honesta, ansiosa por fraternidade e piedosa que está diante de mim, mas é a pessoa redimida por Cristo, justificada, chamada para a fé e para a vida eterna. Nossa comunhão não pode ser baseada naquilo que a pessoa é em si, sua espiritualidade e piedade. Determinante para nossa fraternidade é aquilo que a pessoa é a partir de Cristo. Nossa comunhão consiste unicamente no que Cristo fez por nós dois.
E isso não é assim apenas no início, como se, no decorrer do tempo, algo fosse acrescentado a essa comunhão, mas assim será para todo o futuro e em toda a eternidade. Só tenho e terei comunhão com outra pessoa através de Jesus Cristo. Quanto mais autêntica e profunda for nossa comunhão, tanto mais todo o resto ficará em segundo plano, com tanto mais clareza e pureza Jesus Cristo, única e exclusivamente ele e sua obra se tornarão vivos entre nós. Temos uns aos outros apenas através de Cristo, mas através de Cristo nós de fato temos uns aos outros, inteiramente para toda a eternidade.
Isso acaba de antemão com todo o desejo sombrio por mais. Quem deseja mais do que Cristo estabeleceu entre nós não procura fraternidade cristã, busca quaisquer experiências extraordinárias de comunhão que não pode encontrar em outra parte, traz desejos confusos e impuros para dentro da fraternidade cristã. É exatamente neste ponto, na maioria das vezes logo de início, que a fraternidade cristã corre o maior perigo, o envenenamento mais íntimo, ou seja, confundir fraternidade cristã com um ideal de comunhão piedosa, misturar o anseio natural do coração piedoso por comunhão com a realidade espiritual da fraternidade cristã.
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Numerosas vezes, toda uma comunhão cristã faliu porque vivia de um ideal. Justamente o cristão sério, aquele que pela primeira vez entra em contato com uma comunhão de vida cristã, muitas vezes trará consigo uma determinada imagem do tipo de vida em comum cristã e se empenhará em colocá-la em prática. No entanto, é a graça de Deus que logo levará tais sonhos ao fracasso. A grande decepção com os outros, com os cristãos em geral e, se correr tudo bem, também conosco mesmos, precisa nos vencer, tão certo como Deus quer nos levar ao conhecimento de uma verdadeira comunhão cristã. Em sua imensa graça, Deus não permite que vivamos, nem por poucas semanas, em um sonho, que nos entreguemos àquelas experiências embriagadoras e a essa euforia que nos assalta como um êxtase. Pois Deus não é o Deus de emoções, mas da verdade. Somente a comunhão que passa pela grande decepção, com seus maus e desagradáveis aspectos, começa a ser o que ela deve ser diante de Deus, começa a apossar-se na fé da promessa recebida. Quanto mais cedo a pessoa e a comunidade passarem por esta decepção, tanto melhor para ambas.
Uma comunhão que não suporte e não sobreviva a uma tal decepção, que se agarre a seu ideal quando ele é para ser destruído, perde na mesma hora a promessa de comunhão duradoura, e se desmanchará mais cedo ou mais tarde. Qualquer ideal humano, introduzido na comunhão cristã, impede que a comunhão possa existir. A pessoa que ama mais seu sonho de uma comunhão cristã do que a própria comunhão cristã, destruirá qualquer comunhão cristã, mesmo que pessoalmente essa pessoa seja honesta, séria e abnegada.
Deus odeia as fantasias, pois elas tornam a pessoa orgulhosa e pretensiosa. Quem idealiza uma imagem de comunhão exige de Deus, das outras pessoas e de si mesmo que ela se torne realidade. Entra na comunhão cristã colocando exigências, estabelece uma lei própria e a partir dela julga os irmãos e até mesmo Deus. Comporta-se com rigidez, como uma acusação viva para todos os demais no círculo de irmãos. Age como se precisasse primeiro criar a comunhão cristã, como se seu ideal fosse unir as pessoas. Tudo o que não acontece de acordo com sua vontade é considerado como fracasso. Lá onde essa pessoa vê seu ideal ser destruído, ela vê a comunhão se quebrando. Assim, primeiro ela se torna acusadora de irmãos, então de Deus, e, por fim, acusadora desesperada de si mesma.
Não entramos na comunhão com exigências, mas com gratidão e como agraciados, porque Deus já colocou o único fundamento de nossa comunhão, porque há muito, mesmo antes de entrarmos na comunhão com outros cristãos, Deus já nos uniu com eles num só corpo em Jesus Cristo. Agradecemos a Deus pelo que fez por nós. Agradecemos a Deus por ele nos dar irmãos que vivam sob seu chamado, seu perdão e sua promessa. Não nos queixamos por aquilo que Deus não nos dá, mas agradecemos pelo que ele nos dá diariamente.



“Vida em Comunhão”
Sinodal, 1997.

sábado, 10 de julho de 2010

Versos no Altar

Soneto para o Amado



Valeu o tempo de andar

o medo de perguntar.

Valeu a fria escuridão

o silêncio e a solidão.


Os dias incertos

os rostos desertos.

Tantas noites caladas

as palavras pesadas.


Toda a luta sofrida

as lembranças partidas.

Mais ainda entregaria


e qualquer dor valeria

o encontro final almejado

a vida eterna no Amado.



Junho de 2010, aD

Fernando Sabóia

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tesouros, Simplicidade, Paz e Esperança


Reflexão sobre Mateus 6:19-34


(Fernando Sabóia, BsB, julho/2010, aD)


Irmãos queridos,



Esse texto nos fala, essencialmente, de uma vida simples, despojada, totalmente referenciada a valores eternos, não materiais, e alimentada por um relacionamento confiante com o Pai celeste.

Jesus se refere à busca de uma riqueza interior, espiritual, que orienta, atrai e vincula toda nossa existência neste mundo e nos conduz ao nosso destino eterno.

Essa busca começa com uma simplificação, purificação e clarificação do nosso olhar. Como a luz, nosso olhar se lança sobre objetos do mundo exterior, os seleciona e os projeta como imagens para nosso mundo interior e, assim, o “ilumina”. Dirija-se nosso olhar a objetos incapazes de satisfazer os anseios e necessidades da alma, esta permanecerá em “trevas”.

Nosso olhar natural está sempre contaminado, poluído com inúmeras e variadas buscas, que refletem nossas muitas preocupações, atraído por diversos brilhos e luzes, que comunicam incessantemente ao coração alvos, desejos, temores, ansiedades, sonhos, projetos, ambições, tantas vezes contraditórios entre si e nefastos à vida humana dentro do propósito de Deus.

Esse olhar inquieto reflete uma alma inquieta, que ainda não encontrou total repouso no seu verdadeiro lar, ainda não adquiriu seu tesouro incorruptível. Mesmo depois de convertidos, mantemos, por longo tempo, o velho hábito de olhar ansiosamente para o mundo à busca de múltiplas coisas que nos parecem essenciais, desejáveis, necessárias, atraentes ou mesmo boas e espirituais. Lícitos ou ilícitos, esses diversos objetos e alvos nos perturbam, nos confundem, nos fatigam a alma e não a saciam.

Buscar um único tesouro e dirigir ao mundo um olhar simplificado, purificado, clarificado por essa busca singela. Esse é o ensino do Mestre, essa é a luz que pode iluminar todo nosso ser.

Jesus aprofunda essa questão ao nos revelar que nosso olhar se dirige, em verdade, ao nosso “senhor”, àquilo ou àquele que comanda nossa vida. E aqui uma escolha fundamental se impõe: a quem ou a que servimos? A quem ou a que voltamos nosso olhar? Qual a luz que nos ilumina, ou será que vivemos em trevas interiores? Qual o tesouro que buscamos? Onde está o nosso coração?

Essas são as raízes de uma vida cheia de ansiedade: tesouros na terra, coração preso ao que perece, olhares temerosos, inquietos, servidão aos bens materiais, inseguranças quanto à vida, ambições e desejos ligados a este mundo.

Jesus indica os fundamentos de uma vida sem ansiedade, repleta de paz e de sossego: busque tesouros no céu, que não podem ser roubados e não se corrompem, simplifique (purifique) seu olhar contemplando apenas Jesus, sirva a Deus somente, que é o seu Pai celeste. Ele conhece todas as suas necessidades e as provê. Não os seus desejos, fantasias e ambições, mas suas verdadeiras necessidades: sustento para o corpo, alimento para a alma, sentido para a existência, paz e esperança, produtos do amor do Pai, vida eterna com Ele.

Assim, o que deve ser buscado em primeiro lugar, o tesouro oculto, a verdadeira luz, a real segurança é o reino de Deus, que só pode ser encontrado debaixo do governo gracioso de Jesus. Só Ele pode nos dar esperança para o dia de amanhã, pois do futuro o Senhor também cuidará, sendo, por isso, inúteis nossas (pré)ocupações.

Amados, que a graça e a paz de Jesus sejam com todos.


Brasília, em 7 de julho de 2010, aD.


Fernando Sabóia Vieira

segunda-feira, 5 de julho de 2010

POBRES, IRRELEVANTES E DESNECESSÁRIOS

Uma palavra para novos obreiros e para todos os que desejam servir a Deus


Irmãos queridos,


Ao tempo em que o Senhor levanta vocês como pastores e diáconos em Brasília, sabendo da oportunidade que teria de dirigir-lhes, nesta ocasião, umas breves palavras, como conservo um pouco mais antigo na obra, não pude deixar de pensar, nos dias que antecederam a esta data, na situação em que se encontra boa parte da assim reconhecida igreja cristã de linha evangélica em nosso País, no que tange aos modelos de liderança e aos padrões de sucesso pessoal e ministerial almejados e adotados.
Vejo, com pesar, a igreja iludida com os esquemas e critérios do mundo, com seus símbolos vazios de sucesso, sua busca de riqueza material, de prosperidade, sua crença no progresso do homem, em sua capacidade de realizar e vencer desafios, deslumbrada com as novas bugigangas tecnológicas, tidas como essenciais, com os métodos instantâneos e infalíveis e com os heróis de personalidades marcantes – os “famosos” – que ditam os valores, os costumes, as palavras, as roupas e a moral – ou a falta dela – de nosso tempo.
Ao mesmo tempo, esta é uma geração pervertida, totalmente envolvida com Babilônia, onde o hedonismo, o egoísmo e o materialismo vestem a máscara do humanismo politicamente correto com seu ideal de liberdade sem limites, que só conduz ao desespero de não se ter valores ou verdades que possam dar sentido à existência.
Nesse ambiente, vêem-se muitos líderes cristãos se entregarem à pura imitação de um mundo que se aperfeiçoa, cada dia, nas afrontas a Deus.
Compram espaços nas rádios e televisões, colocam-se a si mesmos em cartazes pelas ruas, disputam, como urubus, pedaços da carcaça podre do poder político e econômico, promovem espetáculos cheios de sons, cores e luzes, os quais produzem diversão e popularidade, mas não edificação, entregam-se a campanhas e projetos capazes de levantar recursos e de realizar façanhas de mobilização e de repercussão social, mas que não cooperam com a santidade da igreja, nem anunciam o Reino.
Travestem-se em animadores de cultos, camelôs da fé, malabaristas da doutrina, forjadores de milagres, empresários do Espírito Santo, vendedores de franquias eclesiásticas, mascates de quinquilharias “santas”, pulando, gritando, usando roupas bizarras, dando cambalhotas, fazendo piruetas, buscando, de todas as formas, um espaço no rentável show business evangélico.
Há, ainda, os novos gurus, profetas de aluguel, mestres da moderna espiritualidade, que tentam impressionar com suas frases complicadas, seus ritos estrambóticos, sua sabedoria obscura, suas prescrições exóticas baseadas em doutrinas personalíssimas curiosamente tão adequadas a seus gostos e propósitos.
A esses todos, o mundo não os odeia ou rejeita, pois os reconhece como seus, a despeito da alegada espiritualidade e do palavreado cristão; ao contrário, o mundo os acolhe como partes da próspera civilização contemporânea.
Diante desse quadro, não posso deixar de, neste momento de celebração da igreja na cidade, trazer-lhes uma palavra de advertência e exortação.
Advirto-os, pois, em nome do Senhor Jesus, que a principal tentação para vocês, caros irmãos, não será a da rejeição e perseguição do mundo. Essa só os tornaria mais santos e determinados na obra. Ao contrário, será a insidiosa tentação de serem por ele aceitos, de terem sucesso segundo seus padrões, de escolherem o caminho largo da promoção pessoal ou institucional.
O Senhor, eventualmente, coloca em nossas mãos recursos materiais e espirituais tremendos para serem usados em sua obra. No entanto, o mesmo nos oferece, por vezes, o tentador, como fez com o Senhor, no deserto. Desse modo, é essencial que os servos de Deus, nesses tempos confusos e iníquos, se saibam, sejam, permaneçam e se esforcem com muita determinação para se saberem, serem e permanecerem pobres, irrelevantes e desnecessários.
Só homens e mulheres com essa convicção, caráter e disposição são úteis para Deus, cooperam com Seu propósito e glorificam somente a Ele.

Pobres. O Senhor nos livre da tentação de nos fazermos provedores da obra, de crermos que Ele dependa dos meios e recursos que tenhamos ou possamos angariar.
Quantos dedicam grande parte do seu tempo e esforço no ministério em busca de recursos materiais e financeiros, recrutando pessoas capazes e especializadas ou à procura de talentos e carismas que atraiam as pessoas e promovam o crescimento da obra.
Deus é o provedor da igreja. A Ele não lhe faltam os meios para edificá-la. Ele não precisa barganhar com quem quer que seja ou bater às portas dos poderosos deste século em busca de recursos para que seu propósito eterno se cumpra.
Quanto a nós, é necessário que tenhamos consciência de que somos e devemos permanecer pobres, sem recursos próprios de nenhum tipo, materiais, humanos ou espirituais, capazes de produzir o que o Senhor deseja, o que possa trazer honra ao Seu Nome.
Manter essa atitude diante dos desafios da vida e do ministério é essencial para não cairmos na tentação da auto-suficiência e virmos a nos considerarmos “ricos e abastados”, quando, de fato, somos “miseráveis, pobres, cegos e nus”.
Só se adquire o reino em pobreza, só podemos ser discípulos renunciando a tudo – nos tornando pobres. Apenas quem é pobre espera totalmente em Deus e depende apenas dEle. O pobre aprende a orar sem cessar. Os pobres se tornam mansos e humildes, são quebrantados e guiáveis.
É necessário que permaneçamos pobres no ministério para que toda a glória pertença somente a Ele.

Irrelevantes. Aqui, a tentação de sermos notáveis, de marcarmos as vidas das pessoas com nossa sabedoria e dons especiais, de impressionarmos com nossas palavras e atitudes, de fazermos uma obra tremenda para Deus ... com nossas impressões digitais e nosso DNA espiritual por toda parte dela.
Imitando os heróis do mundo, e não o pobre rabi de Nazaré, há os que desenvolvem seus ministérios com a marca de suas personalidades fortes, de suas preferências litúrgicas e teológicas, que se aprazem em terem suas frases anotadas e repetidas, preocupados em contabilizarem admiradores e seguidores e ciosos por ocuparem postos nas complicadas hierarquias eclesiásticas que inventam.
Irmãos queridos, as marcas que devem ser produzidas nas vidas das pessoas com quem convivemos e a quem servimos são as marcas de Jesus, não as nossas. Quando passarmos por elas, por suas casas, por seus dramas, por seus relacionamentos e tentações, que elas possam dizer “o Senhor nos visitou”, e sequer percebam quem terá sido o servo que Ele encarregou de levar encarnada Sua Presença, Sua Vida, Sua Palavra. Que essa Presença, Vida e Palavra preencham tudo em todos e também nós nos prostremos surpresos e admirados com o que o Senhor fez.
Não podemos nos iludirmos com a idéia – sedutora – de que será nossa presença, palavra ou dons que farão a diferença naquele encontro, questão ou situação. Nós não somos relevantes. Não importam nossas opiniões ou preferências. Só o Senhor deve se sobressair, só Ele é relevante, só ele deve ser reconhecido, só Suas marcas devem ficar.
Se aquela parte do edifício espiritual foi bem construída, o foi porque a edificaram de acordo com o projeto de Deus, e não por ter sido feita por esta ou outra pessoa.
Para tanto, é necessário que tenhamos “a mesma atitude que houve em Cristo Jesus”, e aprendamos a nos apresentarmos como vasos vazios, como portadores de Palavra, como servos inúteis.
Só dessa maneira não usurparemos a glória que é somente dEle.

Desnecessários. Irmãos, penso aqui na tentação do domínio, do controle, de nos tornarmos senhores da obra, pequenos “deuses” nas vidas das pessoas.
Isso ocorrerá se nos considerarmos, de algum modo, necessários para a edificação da igreja, para a santificação dos irmãos e para a realização do propósito de Deus. É o pensamento soberbo de que as coisas só acontecerão como devem se estiverem sob o nosso comando e direção pessoais.
Quando nos consideramos necessários, assumimos o comando não apenas de nossas vidas mas das vidas dos irmãos e da obra de Deus. Nós não somos necessários. Deus não depende de nós para qualquer coisa.
A igreja de Jesus é edificada por Ele mesmo, a noiva do Cordeiro é santificada e ataviada pelo próprio noivo. Nós somos apenas pobres e irrelevantes cooperadores a quem Deus concedeu a honra de trabalhar em Sua seara e de participar, por Sua Graça, da alegria da colheita.
A atitude imprescindível aqui é a do serviço. Quanto mais crescermos na consciência de nosso papel de servos dos irmãos em nome de Jesus, mais protegidos estaremos da nossa inclinação natural para o controle e para o personalismo, e exerceremos a única forma de autoridade legítima no Reino: a de escravos de Jesus e da igreja.
Só quando sabemos que somos desnecessários é que reconhecemos que toda a glória é do Senhor.

Finalmente, irmãos, sejam homens cheios de esperança num mundo desesperado. Ele é rico, Ele é relevante, Ele é necessário e Ele habita em nós. Sejam pastores apaixonados por Jesus e por Sua Igreja. Lembrem-se de que as pessoas são o mais importante na obra. Elas são o motivo do sacrifício de Jesus, o objeto do amor de Deus, as moradas preferenciais do Espírito Santo.
Somos companheiros e cooperadores. Estamos unidos em Cristo. Caminharemos juntos
A Graça de Jesus seja com vocês.

“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.!”



Fernando Sabóia

Versos do Corisco

A teimosia



Meu talento
Meu tormento
Minhas palavras são meus silêncios
Escritos num mundo de papel
Branco e surdo

Vou teimando com a vida
Sonhando com as belezas
Ouvindo vozes de longe
Querendo alguém de perto

Sigo meu viver nordestino
Exilado
Com o sol da terra no coração
E a saudade nos olhos
Sem pertencer a nada
Numa luta sem fim

Mas enquanto existir caminho
Vou caminhando,
Buscando um jeito de voltar
Pelejando todo dia
Fazendo de cada canto um lar


Fernando Sabóia
De "Com o Nordeste na Alma"