AS
QUATRO FACES
DO DEMÔNIO
DO MEIO-DIA
Fernando Sabóia Vieira
Brasília, setembro/novembro de 2009.
Brasília, DF, setembro de 2009, aD.
Irmãos queridos,
Este é um tema que tem ocupado meu
espírito nos últimos anos, tanto em função de dramas que tenho acompanhado nas
vidas de pessoas próximas, quanto em razão de lutas particulares minhas. Li várias coisas, tenho reunido algum
material, conversado com muitos, orado e meditado. É um assunto que considero difícil e vasto, mas muito importante
em nossos dias e sobre o qual a igreja não pode se omitir.
O texto que apresento é um primeiro ensaio
sobre o desânimo espiritual, em quatro de seus aspectos ou manifestações: o
desespero, a depressão, o pânico e a apatia. Não se trata de uma classificação
técnica, feita com rigor conceitual, mas de uma compreensão inicial desse
estado de alma, formulada a partir de alguns textos bíblicos e sujeita,
certamente, a críticas e aperfeiçoamentos. Procurei ser objetivo e sintético.
Alguns pontos importantes estão apenas superficialmente tratados e outros nem
foram mencionados. Ainda assim, o trabalho ficou mais longo do que o esperado.
Espero que isso não “desanime” os potenciais leitores.
Também tenho consciência de que algumas
afirmações que faço poderão não ser consensuais. Não pretendo, no entanto,
pugnar por nada que não esteja claro nas Escrituras. Gostaria de receber,
assim, daqueles que se dispuserem a ler, comentários, correções, críticas e
sugestões. Peço desculpas por não indicar algumas fontes no texto. Quis apenas
dar mais fluidez à dissertação, mas disponho de todas e posso indicar a quem se
interessar.
Finalmente, o principal motivo de
apresentar esse estudo é minha esperança de que as verdades bíblicas nele
expostas possam, mediante a ação do Espírito Santo, consolar, animar, curar,
restaurar, vivificar, transformar e santificar aqueles que lutam, muitas vezes
em silêncio e solidão, contra o malsinado “demônio
do meio-dia”.
Ao Senhor, toda a glória.
Que a Graça de Jesus seja com todos.
Fernando
Sabóia Vieira
AS QUATRO FACES DO DEMÔNIO DO MEIO-DIA
(Fernando Sabóia
Vieira, BsB,DF, 2009, aD)
Um breve ensaio bíblico sobre o
desânimo espiritual e algumas doenças de alma dele decorrentes: o desespero, a
depressão, o pânico e a apatia.
I –
INTRODUÇÃO: O DEMÔNIO IDENTIFICADO
Estresse. Ansiedade. Tédio. Desmotivação. Sofrimento.
Desânimo. Tristeza. Medo. Pânico. Apatia. Angústia. Desespero. Depressão.
Palavras do vocabulário moderno relacionadas com um estado
de alma que, na verdade, sempre acompanhou a existência humana e que foi, há
muito, reconhecido, identificado e tratado pelos mestres espirituais da igreja,
pelo menos desde os chamados “padres do deserto”, movimento ascético ocorrido
por volta do século III.
Esses homens, que se retiraram de cidades já secularizadas
e moralmente contaminadas por uma religiosidade superficial e comprometida com
o mundo, indo em busca de uma comunhão mais intensa com Deus, vivendo isolados
ou em pequenas comunidades, chamaram a essa condição espiritual de demônio do meio-dia, pois a consideraram
relacionada com a chegada da maturidade, da fase da vida em que as pessoas se
vêem desgastadas com o caminho já percorrido e sem perspectivas de novos
estímulos e conquistas.
Aqueles que são acometidos por essa enfermidade de alma,
assolados por esse demônio, sentem-se
desmotivados, presos às escolhas que já fizeram, aborrecidos e entediados com
suas rotinas, das quais, no entanto, não conseguem se livrar.
Desgastados com o passado e desanimados quanto ao futuro,
contabilizam suas perdas e frustrações e não têm esperança de recuperação ou de
um novo tempo. Tudo o que se lhes apresenta à frente é a mesmice, a decadência,
a velhice e a morte.
Segundo esses santos do deserto, o que torna esse demônio particularmente perigoso é que o
azedume, a apatia, a tristeza, o medo e o desânimo instilados por ele
contaminam toda a vida, solapando a espiritualidade, as emoções, os
relacionamentos e até mesmo a saúde física. Conduzem a uma paralisia de alma, a
um definhamento da pessoa, a uma renúncia à existência.
II – O DEMÔNIO DO MEIO-DIA E A MODERNIDADE
Talvez se possa dizer que essa doença da alma se tornou
epidêmica em nossa geração, atingindo pessoas de todas as idades e condições
sociais, provocando quadros agudos, não raro fatais, em violento contraste com
os progressos das atuais ciências da saúde.
Muitos fatores da modernidade, a nosso ver, contribuem para
isso.
A perda de valores pessoais, substituídos pelo materialismo
e pelo racionalismo, tem produzido uma geração solitária e emocionalmente
imatura, presa a objetivos de vida que negam sua própria identidade e natureza
como seres humanos.
A precariedade dos relacionamentos, com a desestruturação
dos núcleos familiares e comunitários, especialmente nas grandes cidades,
também contribui para a perda da dimensão pessoal da vida e para a solidão.
Outro fator que pode ser apontado no mesmo sentido é a
despersonificação do indivíduo nas multidões, nos movimentos de massa, nos
tratamentos estatísticos e sua redução a “papéis” sociais, como cidadão,
eleitor, consumidor etc.
A insegurança e a violência tanto social quanto doméstica
são por si mesmas condições favoráveis ao surgimento e aprofundamento de
quadros de desânimo.
Outro aspecto a ser considerado é a competição presente nas
relações sociais desde a infância, levando a pessoa a associar a idéia de
sucesso e de valor pessoal a sua performance comparativa. Assumimos escalas de
status social, nos comparamos com os que estão ao lado e tentamos alcançar os
que nos parecem à frente. Criamos expectativas e quando, com o tempo, não as
vemos alcançadas, sofremos o desânimo, nos sentimos envergonhados diante dos
outros e fracassados na vida.
O hedonismo e o egoísmo elevados à categoria de religião,
com seus dogmas, sacrifícios e profetas e a filosofia humanista existencial,
que proclama o homem como o centro de tudo e a transitória vida humana como
experiência final dão o pano de fundo psicológico e conceitual de um estilo de
vida que isola as pessoas, tira delas o significado e o sentido da vida e as
aprisiona a uma existência fadada à decadência e à morte.
Esses são alguns dos elementos que fazem com que nossa
civilização seja potencialmente patogênica para a estrutura psíquica do ser
humano.
Não só poluímos bioquimicamente o planeta, mas também o
poluímos espiritual e moralmente, tornando-o cada vez menos propício para uma
vida saudável do corpo e da alma. Criamos uma civilização hostil a nós mesmos.
III
– AS QUATRO FACES DO DEMÔNIO DO MEIO-DIA
Mas como enfrentar essa enfermidade da alma? Como resistir
ao demônio do meio-dia? Como destruir
suas obras malignas? Como desenvolver um estilo de vida que o mantenha à
distância e nos aproxime do propósito para o qual fomos criados?
É evidente que essas perguntas demandam respostas mais
profundas e completas do que as apresentadas nesta pequena reflexão. No
entanto, um ponto de partida seguro é buscarmos nas Escrituras os fundamentos
necessários para discernir esse espírito e expeli-lo, juntamente com seus
feitos destrutivos.
Propomos, nesse sentido, uma primeira abordagem sobre o
tema a partir de quatro diferentes termos bíblicos normalmente traduzidos todos
por “desânimo”, nas versões correntes em português. Depois de apontá-los e de
considerar seus significados, apresentamos, com base nas mesmas passagens onde
são referidos, alguns fundamentos para uma vida saudável, livre dessa
enfermidade.
Em 2ª
Carta aos Coríntios 4:8, Paulo,
diante das provações, perseguições, oposições e sofrimentos de sua jornada, se
diz “perplexo, porém não desanimado”. A
palavra desânimo aqui tem o sentido de “sem saída”.
Com efeito, o aparente caos das circunstâncias da vida, a
nossa impotência diante delas, nossa incapacidade de preveni-las ou mesmo de
compreendê-las, as perdas que nos sobrevêm, os nossos pecados e más escolhas e
suas conseqüências, os sofrimentos que nos são impostos por outras pessoas,
tudo isso pode nos levar ao pensamento de que não há esperança para nós, de que
não há solução. Não temos saída.
Essa idéia, tornada sentimento, instalada, aumentada e
potencializada, arraigada na alma, tornada verdade final, produz o desânimo
como desistência da luta, como derrota antecipada, como a aceitação passiva de
um destino terrível e inevitável.
Eis uma das faces do demônio
do meio-dia: o
desespero.
No mesmo capítulo 4 dessa Carta, o apóstolo utiliza, nos
versos 1 e 16, uma palavra traduzida por “desânimo” ou “desfalecimento”. Esse
termo transmite a idéia de “quebra”, de perda de integridade, de
desfuncionalidade produzida por desgaste ou por trauma.
A alma humana saudável desenvolve várias funções essenciais
à existência, como o pensamento, a consciência moral, a cognição, as percepções
e as emoções. Para isso, ela dispõe de recursos e potencialidades que lhe
possibilitam tanto desenvolver-se (amadurecer emocionalmente, por exemplo),
quanto lidar com as adversidades e desafios (instinto de autopreservação, por
exemplo).
Desse modo, numa pessoa sã, o medo representa proteção
contra perigos reais, e não paralisia diante de circunstâncias imaginárias; o
desejo é um impulso vital, e não uma obsessão destrutiva.
Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que o mundo
interior do indivíduo esteja centrado em valores espirituais eternos, que
possam dar sentido e significado à vida e servir de fundamento e direção para
as suas diversas funcionalidades e atividades.
Vale dizer, a alma humana foi feita para ser comandada e
dinamizada pela comunhão com Deus, orientada para as realidades e valores do
Seu Reino eterno. Nada menos do que isso poderá servir como fundamento e
direção para uma existência pessoal significativa e relevante.
Ocorre que as pressões da vida, os conflitos, as
dificuldades, a falta de perspectivas, de esperança e a incredulidade, assim
como os cuidados e os prazeres, as seduções do mundo e as cobiças da carne,
podem levar a pessoa para longe desse centro espiritual, produzindo
desequilíbrios, culpas, conflitos morais e, finalmente, traumas, “fraturas” na
alma, que, não raro, atingem também o corpo.
Essas experiências, por sua intensidade ou constância,
podem tornar a alma desfuncional, incapaz de lidar com as demandas e desafios à
sua volta, mesmo aqueles mais cotidianos.
Como uma perna quebrada não permite caminhar e, se não for
tratada, pode atrofiar e perder definitivamente sua funcionalidade, a alma
“quebrada” pode ir definhando e perdendo suas potências e faculdades até um
estado de incapacitação total para a vida.
Assim, outra face do demônio do meio-dia é essa, a depressão.
O texto seguinte que consideramos é o de 1ª aos
Tessalonicenses 5:14, onde se lê,
nas diversas versões disponíveis, “desanimados”, “tímidos”, “desencorajados”,
como traduções de uma palavra que significa, literalmente, alma “débil”,
“apequenada” ou “encolhida”.
A existência neste mundo é, de fato, repleta de perigos. De
modo geral, conseguimos um equilíbrio entre o enfrentamento e a cautela e
lutamos, cada um a seu modo, os combates da vida.
No entanto, essas lutas, por vezes, se apresentam tão
terríveis, especialmente no contexto já descrito de nossa modernidade, que
algumas pessoas são tomadas de temores desproporcionais e irreais. Suas almas
se encolhem, recuam timidamente diante dos perigos e inimigos, reais ou não,
fazendo com que elas deixem de ter uma vida normal.
Elas podem até compreender, racionalmente, que suas reações
de medo são despropositadas ou exageradas, mas não encontram mais em suas almas
as condições emocionais e psicológicas necessárias para aceitarem os desafios e
riscos normais da vida, ou, menos ainda, de uma vida santa que possa agradar a
Deus.
O sentimento que as domina é o de que, a qualquer momento,
algo terrível vai acontecer e de que, de algum modo, elas mesmas atraíram e merecem os males e sofrimentos que
virão.
Aqui, infelizmente, a espiritualidade mal compreendida pode
ser um fator adicional de pressão extremamente forte, impor pesos excessivos de
culpa e levar ao sentimento de condenação, tornando o temor a Deus, que é uma
expressão do nosso amor por Ele, em puro medo, que é sua antítese.
Encontramos, aí, uma terceira face do demônio do meio-dia: o
pânico.
Finalmente, em Colossenses 3:21, aparece uma outra descrição do desânimo, representada por
uma palavra transliterada para o português e usada em linguagem técnica: a
atimia.
Significa ausência completa de desejo, de motivação, de prazer
ou de qualquer outro sentimento. É uma espécie de “coma” da alma.
O desespero, a depressão e o pânico, com seus
condicionantes e conseqüências, podem produzir um efeito tão devastador no
psiquismo da pessoa ao ponto de levá-la a um estado de total indiferença em
relação à existência.
O fato é que nós, seres humanos, fomos criados para vidas
com significado e relevância. Desejamos o bem, a alegria, a beleza, o amor.
Quando essas coisas nos são sistematicamente negadas ou violentamente
suprimidas, perdemos a motivação para seguir vivendo. Não temos mais nenhuma
atração pelo mundo e não temos esperança de uma vida satisfatória em qualquer aspecto ou sentido.
Experimentamos a morte, mas não a ressurreição.
Deparamo-nos, então, com a outra face do demônio do meio-dia, qual seja a apatia.
Não é nosso propósito aqui oferecer uma análise sistemática
e rigorosa de cada uma dessas faces, mesmo porque carecemos de qualificação
para tanto. Ademais, desconfiamos que
esse demônio possa se apresentar
ainda sob outras máscaras e facetas. Pouco importa. A idéia é tão somente
traçar um primeiro esboço desse quadro doloroso e complexo que seja suficiente
para nos possibilitar a identificação de sua existência ou aproximação e que
nos dê caminhos para evitar sua instalação ou buscar sua reversão.
Talvez seja interessante destacar, desde logo, as três
disciplinas básicas recomendadas pelos padres do deserto para combater o demônio do meio-dia.
A primeira orientação é no sentido da persistência na
oração, mesmo em meio à secura de alma e diante da aparente falta de efeito.
Quando estamos desanimados, rapidamente abandonamos a oração, pois não mais
encontramos prazer nela e nos parece incoerente orar sem sentir qualquer desejo
de estar em comunhão com Deus. No entanto, é essencial continuar orando, pois é
nesses momentos que experimentamos a intercessão sobrenatural do Espírito
Santo.
A segunda recomendação é a leitura, meditação e memorização
de textos bíblicos, uma vez que a exposição à Palavra de Deus tem o poder de
alimentar a alma e de restaurar o ânimo. Ela é viva e eficaz, transmite a
vontade e também o poder de Deus, chama à existência o que ainda não está lá.
Finalmente, entendiam eles ser fundamental, nesse contexto,
a pessoa que enfrenta o demônio do
meio-dia se submeter a um irmão como conselheiro, confessor ou mentor, uma
vez que quem enfrenta tal aridez não pode ficar sozinho nem confiar no próprio discernimento. Precisa
se submeter à disciplina da igreja concretizada em um vínculo pessoal definido
e próximo.
IV –
RESISTINDO AO DEMONIO DO MEIO-DIA
Dos capítulos 3 a 5 da 2ª Carta de Paulo aos Coríntios,
podemos depreender alguns dos fundamentos de sua vida que lhe davam confiança e
ânimo, afastando o desespero e a depressão, e que são igualmente verdadeiros
para nós.
1)
O MINISTÉRIO
DO ESPÍRITO SANTO: PODER ESPIRITUAL, NÃO ESFORÇO HUMANO
“... porque a letra mata, mas o Espírito
vivifica.”
“... como não será de maior glória o
ministério do Espírito!”
“... somos transformados de glória em
glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.”
Paulo bem conhecia a ineficácia da religião para
transformar, salvar e dar significado à vida. Esse era um caminho que ele mesmo
havia percorrido arduamente sem sucesso.
Agora, em Cristo, ele havia experimentado algo muito
diferente, que o enchia de ânimo: o poder vivificador e transformador do
Espírito Santo atuando em seu ser, dirigindo seus passos e comandando todas as
circunstâncias da vida de acordo com o propósito eterno de Deus.
Muitos “fraturam” a
alma e se desesperam tentando fazer a vida funcionar, enfrentando com as
próprias forças físicas e morais as adversidades, buscando a felicidade em si
mesmos ou no mundo, ou, ainda, querendo ser santos e bons por meios humanos.
Esse é um caminho danoso. Nosso ânimo e confiança devem
proceder do fato de que Deus tem um propósito e Ele mesmo o cumprirá. Para isso
Ele deu o Seu Filho e enviou o Seu Espírito. Como escreveu Paulo, aquele que
começou boa obra em nós vai completá-la até o dia de Cristo Jesus (Filipenses
1:6).
Ele tem o controle de todas as circunstâncias da vida,
mesmo daquelas que nos parecem caóticas e injustas. O propósito que nos governa
é do Senhor, concebido deste antes da fundação do mundo, e Ele é poderoso para
realizá-lo. Esse é o ministério do Seu Espírito.
Nós não podemos, impunemente, desempenhar o papel de Deus,
nem nas nossas vidas, nem diante das circunstâncias do mundo. Se tentarmos
viver assim, vamos “quebrar” física e emocionalmente. É Ele, o Criador e
Sustentador de todas as coisas, que vive e reina, que está no trono e não está
“nervoso”, inseguro ou inquieto. Não está atrasado nem adiantado, mas sempre
agindo no Seu tempo determinado.
Quanto a nós, temos que nos entregar ao Seu governo e
encontrar, assim, descanso para a alma e ânimo para a caminhada. Temos que nos
lembrar constantemente do convite de Jesus: “Vinde
a mim todos os que estais cansados e sobrecarregado e eu vos aliviarei. Tomai
sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e
encontrareis descanso para vossas almas” (Mateus 11:28-30).
Jesus sabia que seus discípulos seriam freqüentemente
assaltados por medos e temores após Sua partida e teriam o coração turbado por
dúvidas e sentimentos confusos (João 14:1). Sabia que eles não poderiam
enfrentar sozinhos os desafios que viriam, de viverem santos e de realizarem a
tarefa de proclamar o evangelho e edificar a igreja. Por isso enviou o “outro
Consolador”, o Espírito da verdade, que habitaria neles para ensinar, animar, conduzir.
Nossas vidas precisam ser completamente cheias do Espírito,
para que não sejamos vencidos pelo desânimo da religião e do esforço próprio.
2)
A MISERICÓRDIA
DE DEUS MANIFESTADA EM NOSSAS VIDAS
“... segundo a misericórdia que nos foi
feita...”
Como tudo isso chega até nós? Pela misericórdia de Deus.
Não por nosso esforço ou merecimento, mas por Seu amor e graça.
Nisso está nossa confiança e segurança, daí procede nosso
ânimo: Ele nos amou primeiro e, sendo nós ainda pecadores e rebeldes, deu o Seu
Filho para morrer por nossos delitos e transgressões.
Se dependesse de nós seria sempre inseguro e frágil. Mas a
misericórdia de Deus procede d’Ele mesmo, de seu Ser santo e infinito, do Seu
amor e perfeição, e não das débeis e corrompidas criaturas que nos tornamos por
causa do pecado.
Todo o testemunho das Escrituras é de que o amor de Deus é
fiel, constante e pleno de misericórdia. Nas palavras de Jeremy Taylor,
“a
misericórdia de Deus está acima de todas as Suas obras e acima das nossas. Ela
é maior do que a criação e maior do que os nossos pecados. Como Sua majestade,
assim é Sua misericórdia: sem medidas e sem regras, assentada nos céus e
enchendo todo o mundo... A justiça de Deus se curvou diante de Sua
misericórdia, Sua onisciência se converteu em cuidado e Sua vigilância em
providência e atenção em socorro do homem”.
É nessa
misericórdia que esperamos e só nela podemos encontrar ânimo e coragem diante
de nossas debilidades e pecados e diante dos perigos, adversidades e desafios
da existência.
Muito
facilmente podemos, após convertidos, colocar os padrões e mandamentos do
Senhor acima de Sua graça e reintroduzirmos o legalismo estéril na vida da
igreja.
Um dos
fundamentos da vida de Paulo era a consciência que ele tinha de ter sido
alcançado pela graça e misericórdia de Deus, a despeito de sua vida soberba e
independente e de ter perseguido a igreja. Isso o enchia de amor a Deus e de
ânimo para enfrentar tudo.
Se o Senhor
o havia favorecido de modo tão tremendo, como poderia ele agora recuar diante
de qualquer circunstância ou adversidade?
Muitas
pessoas abatidas pelo demônio do meio-dia
sofrem sob o peso de acusações que fazem a si mesmas e perdem a esperança por
conta dos próprios fracassos. Acham que falharam com Deus, consigo mesmas e com
as pessoas a quem amam e que, agora, nada mais resta, senão o juízo do Senhor
sobre elas.
Essa é uma
mentira que precisa ser fortemente combatida.
Nada do que
façamos, a pior vilania, o maior crime, a mais abjeta ação, nada pode nos
colocar fora do alcance da misericórdia de Deus, pois o preço pago pelas nossas
transgressões foi altíssimo e suficiente: o sangue de Jesus. Só nós mesmos
podemos nos excluir dela, pela falta de arrependimento e de fé.
Quando
Jeremias se viu profundamente abatido, angustiado, com todo o peso do pecado de
sua geração sobre ele e vendo o juízo de Deus se abater sobre o seu povo só
pôde encontrar consolo na misericórdia do Senhor, que se renovam continuamente,
a cada manhã (Lamentacões 3:1-24).
Paulo foi um
homem vencido pela graça de Deus. Ele aprendeu de forma contundente o que
significa “misericórdia quero, e não sacrifício”. Tudo o que sua vida de
fariseu havia produzido fora vaidade e orgulho. Em sua cegueira e arrogância,
tornara-se mesmo perseguidor da igreja.
No entanto,
ao invés de se perder em remorsos e em desânimo, ele permitiu que a graça de
Deus operasse poderosamente em sua vida (1a aos Coríntios 15:10).
Não podemos
nos esquecer que nunca é uma questão de merecimento, mas sempre é graça e
misericórdia de Deus: nossa salvação, nossa santificação, nossa perseverança,
nosso serviço, nossa adoração, tudo vem d’Ele e é para Ele.
Não devemos
desanimar jamais, pois “sua misericórdia dura para sempre”.
3)
CONSCIÊNCIA DA
NOSSA PRÓPRIA FRAQUEZA E DO PODER DE DEUS QUE OPERA EM NÓS
“Temos, porém, este tesouro em vasos de
barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.”
Precisamos ter uma clara consciência de nossa pequenez,
limitações, fragilidades e pecados, assim como da excelência e magnitude do
poder que atua em nós e por meio de nós, proveniente do Espírito Santo.
Essas duas convicções precisam ser igualmente intensas em
nossas vidas, sem jamais uma anular a outra.
Nossas fraquezas não são desculpas nem limitações para
Deus. Ao contrário, reconhecê-las é condição necessária para que Seu poder se
manifeste e atue em nós.
De outra parte, a atuação da virtude do Espírito nas nossas
vidas jamais nos deve levar à idéia ou ao sentimento de auto suficiência ou
mesmo de que possamos dar conta de
qualquer coisa nas nossas vidas.
Uma e outra atitudes são falsas e causarão danos à nossa
alma, pois produzem ilusões sobre nós mesmos e nos levam a estilos de vida que
não se sustentam.
De um lado, há os que, seduzidos pela soberba, tendem a
confiar em si mesmos e a não depender de Deus. Buscam seus próprios reinos
movidos por seus próprios espíritos. Logo as adversidades, oposições e
fragilidades da vida fazem ruir o que constroem e é grande o dano resultante em
suas almas, com dores, amarguras e frustrações.
De outro, há os que, pretextando humildade, desprezam-se,
autocondenam-se, fazem-se juízes de si mesmos. Essa aparente piedade nega o
poder de Deus e não permite que Ele toque nas áreas da vida e do caráter que
Ele quer curar e transformar. A autocondenação é, muitas vezes, a última
trincheira do orgulho.
Um cristão não se autojustifica nem se autocondena. Ele não
é seu próprio juiz. O não e o sim ele recebe apenas do Senhor, a quem pertence.
Somos pequenos, fracos, inadequados, pecadores, indignos da
presença de Deus. Mas o Senhor Todo Poderoso, que criou os céus e a terra nos
predestinou e chamou para viver Seu propósito eterno. Que poder no universo
poderá se interpor entre nós e o que Ele decidiu fazer (Romanos 8:28-39)?
Só podemos viver de modo coerente e saudável sustentando e
experimentando ambas as verdades: a da nossa fraqueza e a do poder de Deus.
O que une esses extremos? Nos ensina Juliana de Norwich que
é o amor de Deus:
“Também
nessa visão ele me mostrou uma coisa muito pequenina, do tamanho de uma noz, na
palma da minha mão, redonda como uma bola. Olhei para aquela pequena coisa com
os olhos do meu entendimento e pensei: “o que poderia ser isso?” E me foi
respondido, então: “isso é tudo o que foi criado”. Eu me admirei de como tal
coisa poderia subsistir, porque conjecturei que poderia, de repente,
desaparecer, de tanta pequenez. E me foi respondido, no meu entendimento: “ela
subsiste e sempre subsistirá porque Deus a ama”. Então, tudo tem o seu Ser por
causa do amor de Deus.”
O Senhor nos amou e entregou Seu Filho para morrer por nós, quando
ainda éramos pecadores. Ele já investiu o que tinha de mais precioso. Como não
nos dará todas as demais coisas? Como não nos socorrerá em nossas debilidades?
Amados, essa é para nós uma fonte inesgotável de ânimo e de esperança.
4)
MORRER E VIVER
EM CRISTO: O SENTIDO TRANSFORMADOR DO SOFRIMENTO
“... levando sempre no corpo o morrer de
Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo.”
Uma das principais fontes de doença de alma nos nossos dias
é a não compreensão e não aceitação do sentido e do papel do sofrimento na
existência humana.
As dores e os sofrimentos, físicos ou morais, e o seu
desfecho inevitável, que é a morte, parecem, no mundo humanista moderno, as
provas finais da falta de sentido da vida e da inutilidade de qualquer esforço
ou realização.
O homem moderno repete com desconsolo e mesmo com desespero
as instigantes palavras do Pregador do Eclesiastes: “tudo é vaidade e correr atrás do vento”. A existência sem Deus,
sem uma realidade transcendente, é uma amarga ironia: quando nos agrada,
termina; quando nos é dolorosa, desejamos o fim.
Nem mesmo a concepção da existência de Deus afasta, por si
só, o questionamento acerca do sofrimento humano. Ao contrário, de certo modo,
o aprofunda.
Por que um Deus poderoso e bom deixa suas criaturas
sofrerem, mesmo aquelas que O amam e que foram por Ele recebidas na Sua família
como filhos amados?
Conquanto não tenhamos a pretensão de oferecer respostas
definitivas a esse questionamento, algumas verdades bíblicas devem ser
afirmadas e a experiência delas pode nos conduzir a uma vida cheia de ânimo e
de esperança, mesmo diante do sofrimento.
Uma primeira verdade a ser declarada é que o sofrimento
humano é conseqüência do pecado de nossos primeiros pais, da alienação de Deus,
de si mesmo, dos semelhantes, do sentido da vida e do próprio planeta que sua
desobediência provocou. É, assim, uma experiência da raça, independentemente da
ação dos indivíduos, e não procede do Criador.
Se o homem, inimigo de Deus, de si mesmo, de seus
semelhantes e da criação, conseguisse construir um mundo de prazeres a despeito
de sua maldade, estaria condenado, fatalmente, ao inferno, pela justiça de
Deus, sem sequer jamais se dar conta de que ele mesmo traçou esse destino.
Como escreveu C. S. Lewis,
“Deus sussurra em
nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nosso sofrimento: ele
é o seu megafone para despertar um mundo surdo.”
E para nós, os que cremos? Se já ouvimos a Deus e nos
arrependemos, fomos perdoados e regenerados, aceitos como filhos, por que ainda
sofremos?
Algumas repostas podem ser aqui sugeridas.
Sofremos porque o mundo sofre e nós permanecemos nele, para
anunciar a salvação de Deus. A igreja imita seu Senhor, que veio aqui viver e
sofrer nossas dores e assim nos salvar.
Sofremos porque Jesus precisa ser formado em nós e, para
isso, temos que morrer para nós mesmos e renunciar ao mundo com seus prazeres e
realizações.
Sofremos porque o Espírito de Jesus em nós sofre por um
mundo perdido e indiferente a Deus.
Sofremos porque o mundo nos odeia e nos rejeita na exata
medida que amamos o Senhor e O anunciamos.
Sofremos porque permanecemos numa existência carnal,
sujeitos às paixões do pecado e aos desacertos que ele provoca em nós e nos
nossos relacionamentos.
Sofremos porque fomos chamados a amar e “o amor tudo
sofre”, não consegue ficar indiferente às aflições dos semelhantes e às
tragédias provocadas pela insensatez e maldade dos homens.
Sofremos. Levamos o morrer de Jesus cada dia. Para nós, no
entanto, todo sofrimento tem um propósito em Deus. Não se trata de um sentido
imediato e circunstancial. Trata-se, sim, do plano eterno de Deus de ter uma
família de filhos parecidos com Jesus.
O Senhor está se dedicando, nesses dias, a produzir santos,
a partir de pecadores como nós, num mundo pervertido e incrédulo. Esse jamais
será um processo indolor.
Precisamos entender que esse é um caminho de Deus, e não um
mero produto de uma existência caótica. Esse morrer e viver em Cristo, no
entanto, só será perfeitamente consumado na eternidade. Neste mundo não teremos
todas as explicações e nem colheremos todos os benefícios de nossas lutas e
provações.
Por ora, o essencial é termos plena certeza de que, se nos
unimos a Ele na sua morte, também estaremos unidos com Ele na sua ressurreição.
Nessa jornada até lá, conheceremos Sua graça suficiente, desfrutaremos de Sua
especial presença consoladora e seremos transformados, moldados, santificados.
Esse é um aspecto decisivo na luta contra o demônio do meio dia.
O ministério do Espírito Santo em nossas vidas inclui o
sofrimento, tanto aquele advindo de nossos pecados e escolhas quanto aquele
produzido pela maldade humana, pelo inimigo ou pelo caos da vida.
Nesse passo, temos que enfrentar alguns sofismas e mentiras
forjadas pelos nossos adversários. Em particular, nos referimos a duas famílias
de doutrinas muito propagadas em nossa geração.
A primeira, de roupagem pseudo cristã, a que anuncia um
evangelho humanista, voltado para o conforto nesta vida, onde se oferece
salvação, saúde, prosperidade, bem-estar, satisfação emocional e sucesso
pessoal em troca do exercício de uma fé que se concretiza, principalmente, por
meio de um investimento financeiro.
Essa doutrina pretende se basear em interpretações
arbitrárias das Escrituras, de onde se inferem conceitos e promessas
absolutamente estranhos ao evangelho de Jesus e ao ensino dos apóstolos. Tudo
embalado num espiritualismo místico que reúne elementos de demonologia pagã e
rituais bizarros que não têm nenhum respaldo bíblico.
Não se fala em pecado, arrependimento, conversão, reino de
Deus ou santidade. Apenas em realização pessoal e conforto emocional e
material.
As pessoas são atraídas por promessas ilusórias, submetidas
a intensas pressões psicológicas e emocionais, expostas a demônios e enganadas
sobre suas reais necessidades, o que, tudo junto, configura um ambiente
fortemente causador de enfermidades de alma.
A segunda família de doutrinas é representada pelas
elaborações e terapêuticas sugeridas e aplicadas pelas psicologias do self, isto é, do eu voltado para si
mesmo.
Em resposta às pressões e aos abalos que a modernidade
trouxe para a vida psicológica e emocional das pessoas, o humanismo,
instrumentalizado por alguns ramos do conhecimento, sugere como solução o
fortalecimento do ego e sua capacitação para se afirmar e para buscar a
realização de seus desejos e projetos, a despeito das adversidades.
No entanto, como não se reconhecem verdades e valores
absolutos, fica sem solução o problema fundamental do homem, que é sua culpa moral
verdadeira, advinda de sua rebelião contra Deus e das afrontas ao padrão moral
requerido por Ele. Do mesmo modo, ficam sem tratamento adequado as
conseqüências dessa disposição mental ímpia no caráter e relacionamentos
humanos, muito bem descritas em Romanos, capítulo 1.
A cura essencial do ser humano, sua salvação, só pode
acontecer mediante sua reconciliação com Deus, por meio da graça e do perdão
oferecido pelo sacrifício de Jesus. Dessa restauração procedem as demais, como
a do caráter, dos relacionamentos e do sentido da vida.
Não resolvida a questão da culpa, os sentimentos de
remorso, os conflitos de consciência e as más experiências da vida produzem
distorções no caráter e na personalidade, tornando a alguns endurecidos,
encastelados na soberba, e a outros “quebrados”, esmagados pela autocondenação
ou autocomiseração.
O que essas duas famílias de doutrinas têm em comum é que
ambas negam a cruz de Cristo, que é a única fonte de salvação e cura para o
homem.
Elas pretendem manter e reforçar o que Deus quer aniquilar
no homem: a soberba, o egoísmo e a independência; e impedem que se produza o
que Ele quer gerar: santidade, amor, obediência.
Só a cruz produz paz com Deus e reconcilia o homem com seu
destino eterno, colocando o centro de sua existência de volta ao único lugar de
onde podem emanar vida, ordem, valores, significado, segurança e eternidade,
vale dizer, o reino do Pai.
É a experiência do amor de Deus em Cristo Jesus a única que
nos pode dar conforto e sentido ao sofrimento. Novamente Lewis:
“... quando é preciso
suportar a dor, um pouco de coragem ajuda mais do que muito conhecimento, um
pouco de simpatia humana tem mais valor do que muita coragem, e a menor
expressão do amor de Deus supera tudo.”
5)
FÉ, E NÃO
OTIMISMO
“... o mesmo espírito da fé...”
Todas essas realidades espirituais são operadas pela fé.
Somos salvos mediante a fé e vivemos por fé.
Considerando que uma das principais manifestações do demônio do meio dia é a secura e
aridez espiritual, é fundamental no combate a ele assumir uma postura de fé,
isto é, de convicções e certezas, e suas conseqüentes práticas, não baseadas em
sentimentos ou circunstâncias, mas na confiança em Deus, no relacionamento com
Ele e na segurança de Sua palavra.
Na religião humanista vigente, a fé é facilmente confundida
com otimismo, e muitos usam dessa muleta psicológica para seu próprio engano e
prejuízo.
O otimismo é fruto da ilusão do homem com ele mesmo e com o
mundo. É uma fuga psicológica e emocional irracional, fruto da necessidade que
as pessoas têm de algo que lhes amorteça os pesados impactos dos dramas da
vida.
Alguns recorrem às realizações pessoais, outros aos
prazeres, há os que buscam as drogas etc. Muitos também buscam se encher da “fé
em si mesmos”, de “pensamentos positivos”, misturando misticismo e filosofias
humanistas.
Essa postura ingênua é rapidamente destroçada pelas
dificuldades e conflitos da existência, gerando sua maléfica contraface que é o
pessimismo, que abate e deprime a alma, produto das inevitáveis frustrações.
A fé nada tem com isso. Ela se fundamenta no conhecimento
de Deus, na revelação de Seu propósito eterno e no Seu poder soberano para
realizá-lo. A fé nos leva a um nível de conhecimento e percepção que vai além
dos sentidos físicos e da razão. Ela nos descortina o mundo espiritual e lança
luz sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre o sentido de nossas lutas, sobre os
fundamentos de nossa esperança.
Por isso Paulo, na Carta aos Romanos, tendo proclamado a
salvação e justificação pela fé, discorrido sobre a lei do Espírito e da vida,
compreendido que todas as coisas estão sob o governo de Deus e revelado Seu
propósito eterno, exclama: “Que diremos,
pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos
8:31).
A fé não é cega. Ao contrário, ela nos faz enxergar,
discernir as verdades fundamentais da existência humana. Ela ativa as funções
espirituais da alma e a conecta com o poder do Espírito.
Precisamos desse escudo para anularmos os dardos inflamados
do demônio do meio-dia.
6)
ESPERANÇA, E
NÃO RESIGNAÇÃO
“...sabendo que aquele que ressuscitou o
Senhor Jesus também nos ressuscitará com Jesus...”
Resignação é fruto de nossa impotência, esperança é fruto
do reconhecimento do poder de Deus.
Para muitos, a constatação da precariedade da vida, da sua
falta de sentido e da própria impotência conduz à conclusão de que só o que
resta é aguardar o inexorável fim de todas as coisas. Esse pensamento passa a
contaminar toda a existência, produzindo, quando não o puro desespero, uma
atitude de resignação.
Conquanto tenha algo de maturidade, no que significa a
aceitação sem revolta dos fatos da vida, a resignação não chega a ser uma
virtude, pois causa abatimento de alma e retira a relevância e o prazer de
tudo, levando lentamente ao vazio e morte espirituais.
Nós, cristãos, não vivemos resignados, mas temos uma viva
esperança de que seremos ressuscitados por Deus para uma existência eterna,
alegre, significativa e gloriosa.
Essa é a “âncora” de nossa alma. Não aguardamos um desfecho
inseguro e melancólico de nossas histórias. Ao contrário, sabemos que Cristo
vive e nós vivemos n’Ele, e que o mesmo poder que operou na Sua vida e O
ressuscitou dentre os mortos opera em nós e nos ressuscitará com Ele.
Nossa esperança e expectativa de estarmos com Ele não nos
leva a desistir das lutas presentes. Ao contrário, nos dá forças e sentido para
elas. Esperar em Deus nos alivia as cargas, torna mais fácil a caminhada e mais
alegre a tarefa. Nos enche de gratidão e adoração.
Esperar em Deus é fundamental na luta contra o demônio do meio-dia. Como escreveu
Thomas Merton,
“Se esperamos no
Senhor não apenas saberemos que Ele é bom, mas experimentaremos em nossas vidas
a sua misericórdia.”
Ora, o que pode temer alguém que experimentou o cuidado e a
fidelidade de Deus em sua própria vida? Como não terá confiança no dia de
amanhã?
A esperança é a fé olhando para adiante, é a projeção para
o futuro do amor e da misericórdia de Deus, que é Eterno e jamais mudará. A
igreja é alegre e celebrante, porque sabe em quem espera, e sabe que não tarda
Aquele que virá.
7)
O INTERIOR, E
NÃO O EXTERIOR
“Por isso não desanimamos: pelo
contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem
interior se renova de dia em dia.”
A contemplação daquilo que murcha e perece produz desânimo.
Principalmente quando se trata de nós mesmos o que vemos perder o vigor e a
beleza!
Vivemos hoje uma ilusão de juventude eterna vendida pela
medicina, pela indústria dos cosméticos e pela religião do culto ao corpo.
Além disso, somos induzidos a pensar que cada um de nossos
dias pode ser repleto de prazeres, de confortos e de belezas. Temos à nossa
disposição, para isso, continuamente, uma infinidade de sons, de imagens e de
boas sensações físicas e emocionais proporcionadas pela mídia.
Sensualidade. A vida tomada e comandada por agradáveis e
sedutoras sensações e emoções. Os “famosos”, os “ídolos” e notáveis que vivem
cercados de riquezas, prazeres e “glamour” que todos querem imitar... No
entanto, “toda carne é erva, e toda sua
glória como a flor da erva; seca-se a erva, e caem as flores...” (Isaías
40:6-7).
É irônico que a geração da beleza e juventude sem idade
seja também a geração da depressão e do envelhecimento precoce da alma.
Sobre isso, disse A W Tozer, em sermão pregado no Canadá,
referindo-se aos jovens desta geração:
“O pecado lançou
sobres eles um inverno precoce. Eu mesmo já vi essas pessoas jovens em idade e
jovens ainda no calendário, mas em cujos corações a neve (do inverno) já havia
caído. É isso o que me entristece nos tempos atuais. Nossos jovens,
inicialmente tão belos, vão ao mundo e não é necessário muito tempo para que
tenham tudo vivido, conhecido todas as sensações nervosas e emocionais, que
deveriam ter sido experimentadas ao longo de uma vida inteira; eles atravessam
tudo de relance. E eu os vejo caminharem desgastados, nervosos, ruínas morais.
O inverno está sobre eles, embora ainda sejam jovens. Nenhum cabelo branco em
suas cabeças, mas a velhice no coração. Nenhuma ruga no rosto, mas neve na
alma.”
Nosso corpo, assim como o mundo físico à nossa volta, tende
ao desgaste e à corrupção. No entanto, se vivemos vidas dinamizadas pelo
Espírito e voltadas para os valores eternos do Reino, podemos experimentar,
embora a decadência exterior, a renovação interior.
Assim, os desgastes físicos e emocionais provados pelos
desgastes e lutas da vida não terão o poder de nos abalar ou desanimar e,
fortalecidos e renovados pelo Espírito, poderemos manter saudável, contente e
funcional a alma.
8)
O ETERNO, E
NÃO O TRANSITÓRIO
“Porque a nossa
leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória.”
Como Paulo pode falar em “leve e momentânea tribulação”, se
sua vida, como ele mesmo descreve nessa Carta, era repleta de sofrimentos,
perigos, perseguições e aflições? Peso e tempo são uma questão de escala, de
comparação. Por que leve? Porque comparada com o peso da glória que nos está
reservada. Por que momentânea? Porque os anos de nossa existência terrena são
nada, comparados à eternidade.
Quando sofremos ou somos provados, tendemos a considerar
essas experiências como absolutas e finais. Elas tendem a se tornar o centro de
nossas vidas, assumindo dimensões tão grandes ao ponto de provocarem um
completo abatimento de alma. Isso porque as vemos sob a perspectiva desta vida
tão curta e passageira, na qual alguns anos já representam grande parte do
tempo de que dispomos e as perdas tendem a ser definitivas.
Temos que pesar e avaliar essas tribulações comparando-as
com a glória eterna. Era o que Paulo fazia e, assim, elas lhe pareciam de modo
muito diferente, não sendo capazes de desanimá-lo. Problemas financeiros,
enfermidades, relacionamentos decepcionantes e sofridos podem ser situações tão
difíceis e demandadoras de nossa atenção que nos pareçam extremamente pesadas e
duradouras.
De fato, se concentramos nosso olhar nelas, assim o serão,
pois não temos em nós mesmos condições para enfrentá-las. No entanto, se
contemplamos a riqueza de nossa herança em Jesus e olhamos firmemente para Ele
poderemos, como o fizeram homens e mulheres ao longo da história, passar por
essas provações com fé, coragem e gratidão a Deus.
Não é fácil para nós, criaturas prisioneiras do tempo e tão
frágeis, vivermos em função de algo que não vemos e que nos está proposto para
a eternidade. Nossos horizontes naturais são muito mais curtos. Mas essa é uma
operação do Espírito Santo em nós, nos revelar as realidades eternas e nos
conduzir na direção delas.
Fomos feitos para a eternidade. Se não compreendemos essa
vocação e não orientamos a vida nesse sentido, adoecemos e desanimamos.
Violamos o centro espiritual de nosso ser, desconsideramos algo essencial em
nossa natureza, que é a necessidade de comunhão com o Deus que nos criou a Sua
própria Imagem e para Ele mesmo.
Lembramo-nos de Santo Agostinho:
“Fizeste-nos, oh
Deus, para ti mesmo, e nossos corações não descansam enquanto não encontram
repouso em ti.”
9)
ENVOLVIMENTO
COM A OBRA
“De sorte que somos embaixadores em nome
de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio.”
Buscar o reino de Deus em primeiro lugar é uma das receitas
de Jesus contra a ansiedade. Considerar a importância e o valor do ministério
que recebera do Senhor trazia motivação e sentido para a vida de Paulo. Também
nós recebemos a mesma ordem do Senhor, de pregarmos o evangelho e fazermos
discípulos.
Não existe ocupação mais importante no mundo e nós temos o
privilégio de participar disso. Livrar as pessoas da condenação eterna,
falar-lhes do amor de Deus, apresentar a elas a possibilidade de cura e
restauração e de uma vida eterna supera qualquer projeto de vida que pudéssemos
conceber.
Muitas vezes o desânimo vem de se viver uma vida de fato
vazia de propósito eterno. Projetos pessoais e conquistas materiais não suprem
isso. Nem mesmo realizações profissionais, intelectuais ou artísticas.
Ao final de cada etapa, mesmo das bem sucedidas, existe a
consciência da precariedade e da futilidade do que fizemos. Alguns, só após
longos anos e lutas, descobrem que “correram atrás
do vento”.
Quando, no entanto, nos envolvemos com o projeto de Deus
sabemos que nosso trabalho e esforço não é vão. Produz resultados eternos.
Se abrirmos nossa alma ao perdido e necessitado, nossa cura
não demora a aparecer. Se nos voltamos para nós mesmos e só nos ocupamos com
nossa própria vida, adoecemos e perdemos a motivação para viver cada dia.
Se nos dispomos a obedecer ao Senhor e realizar Sua obra,
anunciando o Reino, fazendo discípulos e edificando Sua igreja, Ele nos suprirá
de força, coragem e capacitação. Exercitaremos nossas faculdades espirituais e
amadureceremos.
Também poderemos ter a confiança de que Ele está cuidando
de tudo na nossa vida, nos acrescentando as coisas de que necessitamos.
Caso contrário, assumimos o governo de nossa existência com
todas as inseguranças e riscos que isso envolve. Só poderemos contar com nós
mesmos e com nossas forças e capacidades.
Não demorará a que o desgaste, a fraqueza e a apatia tomem
conta de nossas vidas.
Deus sustenta aqueles que se comprometem com Ele. Ele mesmo
os defende, guarda e alimenta.
10)
UMA PALAVRA
PARA OS PAIS, NATURAIS E ESPIRITUAIS
Pais, não tornem seus filhos apáticos (Colossenses 3:21)!
Não raro nós, pais, no afã de vermos nossos filhos
ordenados e formados nos padrões do Reino de Deus, os enchemos de regras, cobranças,
ameaças, exigências e pesos. Eles querem nos agradar, mas sentem-se incapazes
de fazer isso diante de tantas demandas. Irritam-se. Podem se tornar atímicos,
apáticos, desanimados.
São, por vezes, disciplinados e obedientes, mas não têm
prazer nisso, não desenvolvem amor ao Senhor e a Sua vontade, pois não vivem
sob Sua graça e misericórdia, mas sob a lei dos pais.
Certamente que temos que ensinar nossos filhos, estabelecer
padrões, ditar regras, exigir obediência e corrigi-los quando necessário. Mas,
acima de tudo, temos que ensinar-lhes a amarem a Deus, levá-los a conhecerem a
bondade, a misericórdia e a graça de Deus em suas vidas, ao ponto de que eles
tenham satisfação e prazer em agradar ao Senhor.
Deus nos fez livres. Sem liberdade não existe amor, pois
amar é uma escolha, um compromisso assumido livremente. Deus quer adoradores
que o adorem em espírito e em verdade, e não “robôs” desprovidos de vontade, de
inteligência e de sentimentos. Não podemos esperar que as crianças aprendam a
andar sem tomar uns tombos e nem que aprendam a comer sozinhas sem fazer
sujeira.
Também não podemos achar que serão homens e mulheres
espirituais se não tiverem espaço para fazerem suas escolhas e para exercitarem
suas faculdades de alma.
Se quebrarmos totalmente suas vontades, como vão querer
Deus?
Se se tornarem pessoas desprovidas de sentimento, de
motivação e de capacidade de escolha, como vão escolher amar a Deus de todo
coração, de toda alma e de todo entendimento?
Do mesmo modo com os discípulos. Não devemos ser
representantes do juízo de Deus na vida deles, pois a ninguém foi dada tal
tarefa. Devemos, sim, ser instrumentos da misericórdia do Pai nas vidas dos que
andam conosco. Senão vamos produzir peso e desânimo. Eles devem ver em nós
esperança, fé e amor ao Pai.
Temos que formar uma geração de jovens saudáveis, alegres,
produtivos, criativos, capazes de se envolverem com as pessoas, de se doarem ao
Reino, de se relacionarem em amor e santidade, de formarem famílias sólidas e
cheias da presença de Deus.
11)
UM MINISTÉRIO
PARA A IGREJA
Animem-se uns aos outros, especialmente os débeis (1ª aos
Tessalonicenses 5:14)!
A igreja tem os recursos espirituais necessários para
vencer o demônio do meio-dia. Em
Cristo, no poder do Espírito Santo Consolador, encontramos não apenas respostas
para nossas dúvidas e perplexidades, mas a fonte da vida eterna, que é o
conhecimento de Deus, a comunhão com Ele.
Isso precisa fluir no Corpo. Temos que, constantemente,
falar uns aos outros sobre as coisas que podem nos trazer esperança. Já somos
continuamente assediados pelo desânimo, assaltados pelos temores, afligidos
pelo pecado, confrontados com as tragédias e adversidades da vida neste mundo
hostil a Deus.
No centro da vida da igreja está a proclamação do Reino de
Deus, o anúncio da esperança da ressurreição, a adoração ao nosso Pai, que nos
escolheu, chamou, justificou e glorificou.
Há uma Presença amorosa e poderosa que dá força e sentido a
tudo.
Temos que exortar uns aos outros todos os dias, proclamando
essas verdades e testemunhando sobre a misericórdia e o amor de Deus, para que
não desanimemos.
De modo especial, temos que estar atentos àqueles que estão
fragilizados, enfrentando lutas e provações. Cuidar deles, repartir suas
cargas, comunicar a eles a graça que temos recebido e o consolo com que somos
nós mesmos consolados, sustentá-los em oração, não permitir que fiquem
sozinhos.
Estamos sujeitos, como os demais homens, às enfermidades
físicas e morais de nossa geração. Trazemos, muitos de nós, em nossa herança
familiar e pessoal, marcas e debilidades que deverão ser curadas e restauradas
na igreja.
Só o Senhor tem solução para o sofrimento de alma. A
medicina não tem senão paliativos, drogas que ajudam a suportar os sintomas e a
controlar as conseqüências emocionais dos desequilíbrios e conflitos morais e
espirituais, mas não podem tocar o cerne do problema moral do homem.
A psicologia está repleta de humanismo estéril, buscando no
próprio doente a cura. É como em uma das histórias do Barão de Münchhausen, o
famoso mentiroso, na qual ele alega ter salvado a si mesmo e a seu cavalo de
afundarem num poço de areia movediça puxando-se para cima pelos próprios
cabelos e trazendo a montaria presa pelos estribos.
A igreja tem, no entanto, firme fundamento para salvação,
cura, restauração e regeneração dos homens, ainda nesta vida, e uma sólida
esperança numa completa e eterna redenção.
É nossa vocação e missão, em nome de Jesus.
12)
A PALAVRA DE
DEUS RESTAURA A ALMA
“ A lei
do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Salmo
19:7). Uma arma necessária na luta
espiritual é o “cinturão da verdade”.
Meditar na Palavra, deixar as verdades de Deus tomarem
conta da mente, rejeitar conscientemente as mentiras do inimigo e as vaidades
de nossos próprios pensamentos são caminhos para repelir o demônio do meio-dia. Ao invés de dar ouvidos a suas sugestões
maléficas e depressivas, precisamos nos expor ao poder da Palavra viva e eficaz
e deixar que ela gere em nós fé, confiança, ânimo, sonhos, projetos e
propósitos firmados em Deus.
A Palavra traz a presença de Deus até nós de forma muito
mais segura do que os nossos sentimentos e idéias. Uma vez conscientes de que
Deus está em nós, podemos contemplá-lO e deixar que a Sua Pessoa nos encha a
alma, toque o centro de nossas vidas, tome conta dos nossos sentimentos e
afeições e nos dirija os passos.
Esse é um exercício seguro nesses momentos de deserto e
provação.
V - “TENDE BOM ÂNIMO: EU VENCI O
MUNDO”
Olhar para Jesus e seguir a Ele de perto. Só assim podemos
atravessar esses períodos de aridez e desânimo. Ele é o pastor que nos
refrigera a alma, nos alimenta e nos conduz para os lugares de descanso, ainda
que através dos vales da sombra da morte. É Sua presença e direção que nos
consola, elimina todos os temores e nos enche de esperança de vitória e de
abundância (Salmo
23).
Ele é o Rei que convoca os cansados e aflitos para que se
submetam ao Seu governo e assim encontrem repouso para suas almas (Mateus 11:28-30). O Seu Reino é repleto de paz, de alegria e do amor do
Pai.
É Jesus mesmo quem convida. Ele vive e reina. Vamos até
Ele.
///fsv
Anexo
AINDA CONTRA O DEMÔNIO DO MEIO-DIA
Alguns tópicos para estudo e aprofundamento acerca do tema.
Outros
fundamentos
A vitória de Jesus.
O propósito eterno de Deus – Sua paternidade.
O reino em primeiro lugar - valores.
A família de Deus: comunhão e não companhia.
O poder curador da Palavra
Uma
terapêutica da alma: princípios
Conduzida pelo Espírito.
Fundada no propósito de Deus.
Operada pela Palavra.
Considera a pessoal integral e seus relacionamentos.
Centrada na cruz.
Por meio da fé.
Fé e ciência:
cooperação e limites recíprocos
///
fsv
O pecado causou uma ruptura em várias áreas do homem que antes eram governadas por Deus. A ruptura com o próprio Deus, trouxe a solidão. A ruptura com nós mesmos, pois o pecado nos torna alguém que não deveríamos ser. A ruptura com a eternidade, trouxe o desespero e a desesperança da finitude e a ruptura com a submissão, que trouxe um governo das nossas vidas pela pessoa menos indicada para governa-la.
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