quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

SANTIDADE DA ALMA





Uma Carta Aberta aos Aflitos de Alma

         Caros companheiros de jornada em busca da vida interior,

         Tem sido minha convicção, nos últimos anos, que um dos maiores desafios da Igreja nesses nossos dias, no cumprimento de sua missão, é lidar com os ansiosos, desanimados, abatidos, deprimidos e aflitos de alma. Recebê-los, acolhê-los, apoiá-los, consolá-los, animá-los. Corrigir suas más posturas, seus sentimentos distorcidos, suas ideias corrompidas, e suas condutas inadequadas com graça e verdade, com gentileza e firmeza, com afeto e com a por vezes indispensável dor.
         Não tenho em mente apenas aqueles que já se encontram em estados profundos de ansiedade e depressão, de sofrimento e de desesperança. Penso, igualmente, nos que cotidianamente se deparam com dúvidas, aflições, temores, perigos e inseguranças, que experimentam perdas, decepções e frustrações em qualquer idade ou fase da vida. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que vivem num mundo caótico, enganoso, difícil de compreender e que experimentam essa humana existência com suas maravilhosas potencialidades e sua inescapável angústia, com suas conquistas e derrotas. Não excluo desse contingente, por essa condição, os já convertidos. Ao contrário, esses nos confrontam de modo particular, com suas perguntas e perplexidades. Honestamente, estou incluído, pessoalmente, nesse grupo de irmãos e irmãs que lutam diariamente para viver sua fé de forma autêntica, saudável e criativa.
         Jesus disse: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas.”.
         Esse é, de fato, um texto difícil de acomodar com nosso ensino e prática. Jesus não está, aqui, convocando “pecadores ao arrependimento”. Ele está convidando os quebrados de alma, os cansados e sobrecarregados ao alívio propiciado por Sua companhia.
         Ao expormos essa passagem do Evangelho, nós logo destacamos que “jugo” – a canga de madeira a que se atrelava uma junta de bois para o serviço no campo- significa “governo” e que se trata, portanto, de uma convocação ao arrependimento, à obediência e à submissão ao Reino de Deus, ou seja, a Sua vontade expressa em Seus mandamentos.
         Certamente que essa ideia está contida nessas palavras de Jesus e tem amplo apoio no Novo Testamento. Mas, nessa passagem de Mateus, ela é subjacente, está implícita. Não é esse o ponto central. “Jugo” significa também compartilhamento, ajuda, consolo, caminhar ao lado para fortalecer, ensinar, animar. Creio ser esse o sentido aqui empregado pelo Senhor: o convite para dividir com Ele o peso da caminhada, para repartir as lutas e dramas da vida, para estar em Sua companhia. Essa interpretação também tem amplo apoio nas Escrituras, quando descrevem o ministério sofredor e carregador do Messias, o qual tomou sobre Si as nossas dores, culpas, castigos e sofrimentos.
         E qual será o resultado desse compartilhar de jugo com Jesus? O fruto dessa união será uma profunda transformação interior. Ao caminhar com Ele, aprendemos a ser mansos e humildes de coração. E é essa mudança que leva a alma ao descanso, pois substitui a ansiedade, os conflitos e os temores por um correto relacionamento de dependência e confiança com o Deus Criador. Na comunhão com Ele, temos o necessário suporte de amor, de fé e de esperança para enfrentar os danos do pecado, o caos da vida e a angústia da existência.
         Não foi esse convite um episódio isolado na vida do Mestre. Por todo o relato dos Evangelhos encontram-se histórias de Seu coração compadecido e cheio de misericórdia pelos aflitos e oprimidos de alma, por aqueles a quem via como “ovelhas sem pastor”, antes de ver como pecadores destinados à condenação. Pedro, discípulo e apóstolo, O chama, por essa razão, de “bispo e pastor de almas”.
         Não estou dizendo que Jesus oferecia apenas conforto de alma, a exemplo de muitos que estão por aí oferecendo bem-estar psicológico como se fosse salvação e prazer emocional como se fosse santidade. Mas é incontestável que Seu evangelho do Reino de Deus e Seu pastoreio divino sossegam, descansam, restauram e santificam a alma, tornando plena a vida dos filhos de Deus, regenerados pelo Espírito Santo.

O que me preocupa é que, a despeito de todo esse testemunho das Escrituras, nós, cristãos, muitas vezes, com palavras e atitudes, estamos dizendo aos cansados e sobrecarregados de alma uma de duas coisas: ou estamos clamando “convertei-vos, pecadores miseráveis” ou os estamos despedindo vazios com o conselho “ide aos psicólogos, médicos e terapeutas curar vossa alma”.
         Há, como penso, algo fora de lugar aqui. Jesus chamou para Si esses aflitos e cansados de alma. Deus sabe que eu sou um desses, que por Sua Graça atendi ao chamado. Sem Ele, como encontrar alívio e descanso? A proposta de Deus para o homem em Jesus não é a de apenas resgatá-lo da condenação do pecado e curá-lo, mas a de fazer dele nova criatura, gerá-lo novamente, santificá-lo, torna-lo Sua imagem para, enfim, glorificá-lo e revestí-lo de imortalidade. 
         Assim, ao invés de seguir o mundo e enviar os cansados e sobrecarregados à procura de uma “cura de alma” alheia ao propósito espiritual para o qual fomos criados, acredito que devemos ter como desafio e como alvo repercutir o convite de Jesus e buscar algo muito mais profundo e coerente com a vontade de Deus: a santificação da alma.
         Um corpo saudável não é um corpo sem doenças, mas um corpo cujos sistemas fisiológicos e cujas faculdades estão em plenas condições de funcionalidade, apto para as atividades e tarefas normais da vida. Do mesmo modo, uma alma santa, “saudável”, não é aquela que tão somente foi curada de suas feridas e traumas, que foi redimida do pecado e libertada da sua escravidão, mas, sim, aquela que tem suas faculdades e potencialidades plenamente vivificadas, desenvolvidas e energizadas pelo Espírito Santo, aquela que foi transformada em sua natureza para ser semelhante ao Seu Criador.
         O texto de 1ª aos Tessalonicenses 5:23 tem sido frequentemente utilizado para apoiar uma visão tripartida do ser humano – corpo, alma e espírito. No entanto, o que Paulo expressa de modo enfático é que Deus deve santificar – conservar íntegro e irrepreensível – o homem todo, completamente, integralmente, cada uma de suas partes, em todos os aspectos de sua existência.
         “Hagiazo holoteles”, “santifique em tudo”, poderia ser traduzido como “santificação holística”, resgatando-se uma excelente palavra bíblica.

         O tema da santificação tem sido, não raro, abordado mais em seus aspectos negativos e relacionados ao corpo, preconizando-se a renúncia aos atos pecaminosos e o afastamento do mundo. Não se tem tão frequentemente enfatizado o sentido positivo e abrangente da santificação, como a aquisição de virtudes e a transformação do ser interior, isto é, a dimensão própria da alma.
         Quando falamos em santificação da alma estamos nos referindo à transformação do homem interior – seus pensamentos, ideias, sentimentos, valores, conceitos, vontades – e ao desenvolvimento pleno de suas faculdades – inteligência, imaginação, contemplação, fé, amor, determinação.
         Nossa convicção é a de que Deus nos quer dar uma existência plena, santa em todos os aspectos, frutífera e proclamadora. Assim, evitamos falar estritamente em “cura” da alma, pois cremos que o propósito do Senhor vai muito além. Referimo-nos à santificação da alma, entendida em seu sentido mais abrangente – holístico.
         Estamos nos propondo, na exploração desse tema, a fazer o seguinte percurso:

  • ·         Considerar o que compõe essa dimensão interior do ser humano, analisando os termos bíblicos relacionados com alma, coração, mente, e espírito;
  • ·         Pensar como se caracteriza, em termos bíblicos, uma alma santa;
  • ·         Buscar elementos para discernir os diversos estados de alma, considerada a corrupção do pecado;
  • ·         Identificar os pecados mais próprios da alma;
  • ·         Traçar caminhos para a santificação da alma.


Queremos abordar esses tópicos como matérias para estudo, meditação, e discussão, conscientes de sua complexidade. Esperamos, em breve, poder compartilhar o que temos pensado sobre cada um deles.
Finalmente, devo destacar que não escrevo na condição de profissional ou de especialista em qualquer das diversas disciplinas e ramos do conhecimento que disputam espaços nessa área. Escrevo como cristão e como companheiro de jornada daqueles que tem buscado viver uma vida cristã autêntica, integral e transformadora.
Em especial, escrevo como quem compartilha as aflições, sobrecargas e cansaços de alma com tantos outros nesse caminho e que tem encontrado, mercê da preciosa Graça de Jesus, socorro e descanso em tempos oportunos.
         Que a Graça de Jesus seja com todos

         Brasília, janeiro de 2013, AD.
         Fernando Sabóia Vieira