segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Lições do meu Quintal para os Tempos de Seca



Companheiros de jornada,

Caíram as primeiras chuvas em Brasília, depois do nosso longo período de seca. Durante os últimos meses, compartilhei o drama das plantas do meu quintal com a estiagem, sem poder ajudar adequadamente a todas.
Aprendi, todavia, com elas, algumas lições, que se tornaram claras para mim no sábado passado, enquanto varria folhas e galhos secos abatidos ao chão pelas águas da noite anterior. São diferentes estratégias adotadas pelas plantas para travessar longos períodos de falta de chuva, que podem ser úteis para nós quando temos que passar pelas nossas próprias estações áridas.
A primeira estratégia nos é oferecida pelas grandes árvores, como os eucaliptos e mangueiras. Essas têm raízes profundas e praticamente não sofrem com a seca, já que conseguem atingir a água pura e fresca do lençol freático que corre no subsolo.
A primeira lição para nós é: aprofunde-se. Assim como sempre há água e alimento nas camadas mais profundas da terra, igualmente há no Espírito que habita em nós toda a virtude de Deus e todos os recursos para a produção do fruto espiritual. Temos que lançar as raízes de nossa vida nEle, desenvolvendo um relacionamento íntimo e constante com o Senhor. Como fazemos isso? Por meio da oração, meditação, adoração, contemplação, serviço, obediência e confissão, disciplinas que são caminhos para mais perto de Deus, para uma espiritualidade autêntica e poderosa. Quando vivemos dessa forma, temos sempre alimento e vida, independentemente das circunstâncias e das intempéries.
Outras plantas adotam um procedimento diferente: elas acumulam água durante o período de chuvas para sobreviver durante a seca. Os cactos e algumas árvores do cerrado fazem isso.
Penso aqui na importância de bem aproveitarmos o que Deus já nos tem dado, de guardar no coração as lições aprendidas, as experiências, as vitórias, a graça recebida. Essa memória da atuação do Senhor em nós, sempre atualizada pelo Espírito Santo, pode nos sustentar e alimentar nos períodos difíceis. São diversos os Salmos nas Escrituras compostos para fazer sempre presente as grandes ações do Pai a nosso favor. Podemos compor nosso próprio saltério com cânticos acerca dos feitos de Deus em nossa vida e na vida dos irmãos com quem caminhamos.
Algumas árvores atravessam o período de falta de chuvas perdendo as folhas e, dessa forma, diminuindo sua demanda por água e nutrientes. Elas passam a viver do essencial. Essa é a tática, por exemplo, do nosso flamboyant.
Que grande e valiosa lição essa! Viver do essencial, contentar-se com o que se tem, aprender que poucas coisas são necessárias, na verdade, disse Jesus, uma apenas: Ele mesmo! Devemos nos simplificar, nos desembaraçar do supérfluo. Viver das petições ensinadas por Jesus no Pai Nosso: pão, perdão, proteção contra as tentações e contra o mal, viver o Reino de Deus, fazer Sua vontade, santificar o Seu Nome.
         Finalmente, há plantas que assumem uma postura mais radical: elas praticamente morrem durante a seca e renascem, de suas sementes, quando chegam as chuvas, como acontece com a grama comum.
         Aqui também podemos aprender algo: há coisas que devemos deixar morrer em nossas vidas, renunciar completamente a elas. Podem ser bens, haveres, sonhos, sentimentos, questões que não devem chegar à próxima estação. Caso sejam da vontade do Senhor, haverão de renascer no futuro, oportunamente, talvez de uma maneira hoje inimaginável para nós: “o que os olhos não viram nem os ouvidos ouviram...”.
         Creio que precisamos utilizar todas essas estratégias para nos prepararmos para os momentos de estiagem que eventualmente tivermos que atravessar, conscientes de que é o próprio Senhor quem nos conduz a eles e quem nos sustenta durante toda a jornada, até que seja produzido o fruto que Ele quer para nós.
         Que a suficiente graça de Jesus seja com todos.

         Brasília, primeiros dias da primavera de 2012, AD.

         Fernando Sabóia Vieira

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Um Pouco de Dietrich Bonhoeffer

A Comunhão Diária

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"O início do dia dos cristãos não deve ser logo carregado e perturbado com as muitas preocupações do dia de trabalho. No limiar do novo dia ergue-se o Senhor que o fez. Todas as trevas e a confusão da noite, com seus sonhos, somente recuam perante a clara luz de Jesus Cristo e sua Palavra que desperta. Diante dele foge toda inquietude, impureza, preocupação e medo. Por isso, calem-se cedo de manhã todos os pensamentos e palavras vãs, e o primeiro pensamento e a primeira palavra pertençam àquele ao qual pertence toda a nossa vida. "Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará" (Efésios 5:14)."
"... Há pessoas que levantam cedo por causa de inquietação e ansiedade. Isto a Escritura define como inútil: "É inútil que madrugueis, e que atraseis o vosso deitar para comer o pão com duros trabalhos (Salmo 127:2). E também há pessoas que levantam cedo por a mor a Deus. Esse era o costume das pessoas na Bíblia."

Dietrich Bonhoeffer, "Vida em Comunhão", Sinodal, 6a edição, 2006.



Sonetos de Fim de Tarde

I

chega de drama, de trama
já jogaram tudo na lama
agora ninguém mais engana
é só bagaço, caldo e cana

coragem para ler as mensagens
que deixam os astros de passagem
que exalam as plantas nas folhagens
as vozes dos profetas nas paisagens

mas não era o momento
libertou-se de todos o pensamento
a beleza fluiu com dor e incerteza

e agora só se ouviu o grande lamento
daqueles que não viram o tempo
da leveza, da canção e da gentileza

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III

o sentido do recomeço e prantos
a morte de tantas palavras e cantos
uma incerta preguiça e esperanças
o dia, a tarde, o tempo e andanças

incuravelmente romântico
razoavelmente acordado
desatinadamente quântico
educadamente calado

o movimento de tudo e a voz
o silêncio de tudo e a paz
os segredos da vida fugaz

o tempo, as águas, o giro veloz
quando tudo já estava vertido
em imensas taças de vinho antigo


Fernando Sabóia Vieira
de "A Explosão de Silêncio"