terça-feira, 18 de junho de 2013

A Ansiedade inevitável e a Paz incompreensível


Fernando Sabóia Vieira, Bsb, jun/13, AD.

 

“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.

E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.”

Filipenses 4:6-7

 

         O texto diz para não andarmos ansiosos. O que significa aí essa expressão, andar? Ela quer dizer permanecer, se manter, prolongar-se nesse estado. É natural que experimentemos ansiedade, é, na verdade, praticamente inevitável, neste mundo caótico e hostil em que vivemos, que em alguns momentos estejamos ansiosos. Mas não devemos andar ansiosos. A ansiedade não pode se tornar uma condição constante, algo habitual em nossa vida, ao ponto de moldar nossa personalidade e nosso caráter: não podemos nos tornar pessoas ansiosas.

Quando isso acontece com alguém, quando a ansiedade impregna seu ser, a pessoa sempre encontrará um motivo, real ou não, para continuar ansiosa, com graves danos a si mesma e aos outros com quem se relaciona.

         Ansiedade significa ter a mente dividida, confusa, perdida no mundo das inseguranças, das possibilidades, dos medos, do que pode ou não acontecer. A alma ansiosa perambula por lugares áridos, tudo temendo, tudo esperando, constantemente fora de casa, do santuário onde deve morar: o santuário da comunhão com a Presença íntima de Deus, que habita no Seu templo que somos nós! Ali, somente ali, a alma encontra descanso, alimento, identidade e significado.

         Assim, o grande dano causado pela ansiedade é que ela retira nossa atenção de onde devemos sempre estar focados. Deixamos de olhar para o Senhor e de perceber o sentido espiritual de tudo o que nos acontece e nos dispersamos no caos e nas trevas que aparentemente nos cercam.

         Em Mateus 6:22-24 encontramos as seguintes palavras de Jesus:

 

         “São os olhos as lâmpadas do corpo. Se os teus olhos forem bons (puros, simples), todo o te corpo será luminoso. Se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Caso a luz que há em ti sejam trevas, quão grandes trevas serão!”

 

A palavra aqui traduzida por “bons” significa, literalmente, puros, no sentido de simples, sem contaminação, sem mistura. Ter olhos bons, ou puros, então, quer dizer olhar para uma única coisa, ter um único foco, manter a atenção numa única coisa, que deve ser Deus e a realidade do Seu Reino espiritual: “olhando, firmemente, para o Autor e Consumador da nossa fé”.

Nossa sociedade moderna sofre de um grave e profundo transtorno de déficit de atenção. Como está constantemente procurando alívio para sua falta de valores e de sentido para a existência, distrai-se, se dispersa na diversão que lhe é multiforme e abundantemente oferecida pelas mídias. Nós, pessoas modernas, especialmente aqui no Ocidente, temos profunda dificuldade em nos concentrarmos, em focarmos nas coisas essenciais, verdadeiras, simples e profundas que constituem o mundo espiritual.

O “olhar” significa a maneira de considerar, de compreender e apreender a realidade que nos cerca. Nós não podemos escolher os estímulos externos nem controlar as circunstâncias da vida, mas podemos decidir sobre o que trazemos para dentro de nós e sobre como interiorizamos essas coisas, à semelhança com o que fazemos em relação aos alimentos para nosso corpo. Não temos que comer tudo o que se oferece a nós a cada momento. Do mesmo modo, precisamos aprender a alimentar a alma com o que vai santifica-la e vivificá-la.

Esse é um dos sentidos da expressão “guardar o coração”, de onde “procedem as fontes da vida”.

Se não tivermos um “olhar puro”, contaminaremos nosso coração com pensamentos e sentimentos confusos e distorcidos, e nos encheremos de trevas espirituais. Passaremos a ser dominados por medos, paixões, mentiras, preconceitos, ignorância, obsessões, prisões emocionais e mentais.

Tudo isso vai produzir ansiedade e se esse estado se prolonga na alma esta se desagrega, se fratura, perde sua identidade pessoal e significado, podendo cair no desânimo em qualquer de suas formas: pânico, desespero, apatia, depressão.

         É fundamental que desenvolvamos em nossas vidas as disciplinas espirituais que buscam o controle dos pensamentos e dos sentimentos. Hoje em dia, muitos ensinam a considerar tudo o que brota do íntimo da pessoa como natural e aceitável. Pode até ser mesmo natural, mas considerando que temos uma natureza dominada pelo pecado, nem tudo que vem do nosso íntimo agrada a Deus. De fato, Jesus disse que é do coração que procedem as contaminações que comprometem toda a vida espiritual.

A Palavra nos indica, por exemplo, no que pensar:

 

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Filipenses 4:8).

“Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (Colossenses 3:2).

 

Igualmente, o que sentir:

 

“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão de longanimidade” (Colossenses 3:12).

“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5).

 

Esse é um tema que merece uma discussão adequada em outro espaço, mas quero apenas deixar duas indicações para os interessados.

Uma, a lembrança de que o domínio próprio é fruto do Espírito Santo e de que, assim, podemos e devemos ser aperfeiçoados nisso, pois Ele está em nós.

A outra é uma dica dos antigos mestres da igreja. Quando temos dificuldade com algum pensamento ou sentimento impuro ou inadequado, que insiste em nos assaltar, o melhor a fazer é não dar atenção a ele, não lutar contra ele, mas ignorá-lo e voltar a mente e o coração para o que deve ser objeto de nossa meditação e busca. O caso é que quando nos esforçamos para não pensar ou não sentir, alimentamos esse pensamento ou sentimento.

Imagine-se tentando prestar atenção em uma aula quando há um barulho externo. Quanto mais você prestar atenção no ruído, mais ele ocupará sua mente. Se, ao contrário, você focar no professor, logo não prestará mais atenção no barulho externo. Talvez você tenha que fazer isso várias vezes, voltando-se de novo para a aula, mas com o tempo se disciplinará.

Quando Deus é nosso único foco, é Aquele para quem constante e repetidamente se dirige nosso olhar, somos iluminados por Sua luz, e podemos ver todas as coisas, inclusive aquelas que escapam à percepção do homem natural.

Prosseguindo como texto de Filipenses 4:6-7, Paulo nos diz que, ao contrário de andarmos ansiosos, devemos fazer “conhecidas diante de Deus” todas as nossas petições, “pela oração e pela súplica, com ações de graças”.

Deus conhece, de fato, todas as coisas, mas nem todas as coisas estão “conhecidas diante dele”, isto é, apresentadas, submetidas, expostas, entregues a Ele.

Quando nós levamos nossas petições a serem conhecidas diante de Deus nós podemos nos desapegar delas, nos despendemos delas, somos delas libertados. Deixamos todas aquelas situações nas mãos de quem tem o poder para resolvê-las, de quem nos ama e cuida de nós muito melhor do que nós mesmos. E, assim, encontramos a paz da submissão e da confiança.

Muitas vezes somos nós mesmos que retemos conosco nossas preocupações e ansiedades. Fazemos isso porque elas dizem respeito a “tesouros” do nosso coração, coisas que queremos, sonhos, expectativas, difíceis de entregar ou renunciar.

Quando as colocamos diante de Deus, deixamos tudo por conta do Seu cuidado e estamos nos dispondo a aceitar Sua vontade, que pode não ser igual a nossa.

O texto diz “pela oração e pela súplica”. Orar e suplicar são diferentes. Uma envolve mais a mente, a outra mais o coração. Quando oramos, utilizamos a razão, a argumentação, somos propositivos, descritivos. Quando suplicamos, expressamos nossos sentimentos, nossas emoções, nossos temores e expectativas.

Assim, devemos orar e suplicar, colocar todo nosso ser diante de Deus, pois essa é a postura da fé, que inclui a totalidade do que somos: razão, sentimento, inteligência, emoção, corpo, alma e espírito. Essa é a maneira como poderemos obter a paz de mente e também de coração!

Devemos nos lembrar, no entanto, de que, “a oração não muda Deus, mas transforma o homem que ora” (Kierkegaard). Quando oramos, expressamos nosso estado de filiação a Deus e vamos sendo moldados à Sua imagem, como filhos.

Assim, podemos não saber o que Deus vai fazer, mas sabemos quem Ele é, e é essa consciência potencializada pela fé que produz a paz que excede todo entendimento e que nos transforma em pessoas não ansiosas, mas espirituais. O resultado a ser buscado na oração e na súplica deve ser sempre esse encontro existencial com o Pai.

Como sabemos que nossa oração e súplica atingiram esse ponto? Sabemos que chegamos nesse santuário de adoração íntima quando, em meio a nossos pedidos e clamores, fluem as ações de graças, o louvor, a adoração.

Tendo colocado diante do Senhor nossas petições, embora não possamos compreender todas as coisas e ainda que não vejamos, de imediato, resultados externos, mas, no entanto, tendo sido tomados pela consciência da Presença soberana de Deus e do Seu amor, louvamos e agradecemos por Ele ser quem Ele é e por Ele nos tornar quem devemos ser, independentemente de tudo o mais.

Paulo não diz que nossas petições serão atendidas, mas nos assegura paz de mente e de coração! Paz na mente porque ainda que não tenhamos todas as respostas temos confiança no Deus que sabe todas as coisas; paz no coração porque o Seu amor lança fora todo o medo.

FSV/13.