sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

HISTÓRIAS

Irmãos queridos,

“o que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais ... contaremos às vindouras gerações...” (Asafe, um grande contador de histórias de Israel)

Deus nos tem chamado para ouvir histórias e para contar uma história.

Ouvir histórias. Ouvir as histórias dos dramas humanos, frutos da terrível maldição que se abateu sobre nossa raça. São histórias de medo, solidão, traição, inveja, ódio, cobiça, amor, coragem, esperança, beleza, encontros, perdas, saudades. Sempre inesperadas, sempre pungentes, sempre inéditas, sempre a mesma história, contada com personagens, línguas, lugares diferentes.

De fato, tantas histórias humanas contam uma única história: a história do abandono do lar paterno (às vezes mesmo sem abandonar a “religião”), da vida dissoluta ou ressentida, que são as duas formas de pecar contra a bondade do Pai; depois a angústia, a privação, a perda; às vezes o arrependimento e a busca de um caminho de volta, às vezes o puro desespero. Sempre muitas feridas, muitas desilusões, muitos males.

Entretanto, ouvindo tantas histórias, somos chamados a contar uma história. A história do Deus Pai que, fazendo-se homem, assumiu, Ele mesmo, todos os personagens, de todos os dramas humanos, todos os abandonos, todas as fugas, todas as maldições, todas as feridas. Chorou todas as lágrimas, sentiu todas as fomes, todas as sedes e dores, percorreu o imenso Caminho da humilhação, do sacrifício e da volta ao lar. Uma história que se tornou incontáveis histórias, em todos os lugares, línguas e raças, as histórias de cada um de nós.

Queridos, o Reino de Deus é o encontro das muitas histórias humanas com a história de Deus, é a história de Deus se tornando as histórias de muitos homens. Proclamar o Reino é promover o encontro das histórias humanas com a história de Deus, é recontar a cada homem sua própria história como a história de todos os homens e contar a ele a história de Deus como a sua história.

A comunhão em Cristo acontece quando contamos uns aos outros nossas histórias e, reconhecendo que nossas muitas histórias são uma mesma história, nos tornamos parte das histórias uns dos outros e todos nos entrelaçamos na história de Deus.

Nesse próximo ano, século, milênio (talvez), a nós nos caberá continuar ouvindo as histórias humanas e continuar contando a história de Deus, escrita em nossas próprias vidas.

Mas para contar a história de Deus, é preciso aprender a ouvir as histórias humanas. Para ouvir as histórias humanas, é preciso conhecer, de coração, a história de Deus. Ouvir e contar são a mesma coisa: significam exercer a mais incompreensível das virtudes do Deus Eterno, Todo Santo e Todo Poderoso: a misericórdia.

Queridos, que o Senhor continue escrevendo Sua História, a história de Sua graça, nas histórias das vidas de vocês, e que nós possamos ouvir as histórias uns dos outros, as histórias dos homens e seguirmos compartilhando a história de Deus, até o dia em que Ele mesmo protagonizará o último ato neste grande palco que pisamos todos os dias, e que chamamos de Terra.


Fernando Sabóia, de "O Livro dos Perplexos".

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cântico dos cânticos

Há um único cântico
Que encerra todos os cânticos
E notas e tons
Que expressa todas as harmonias
E sentimentos e sons

Quero encher a minha vida
Com essa canção
Com a palavra mais querida
Com a melhor oração

Só um nome, Teu nome, Jesus
É a canção
E a melodia
E a oração
E a harmonia
Que tudo desperta
Que tudo eleva
Que minha alma liberta
E minha vida enleva


Fernando Sabóia
de "Versos no Altar"

sábado, 25 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal do Tio Horácio Dídimo

RENOVAÇÃO


Quando vejo a estrela azul
Começa tudo de novo:
O Menino no presépio,
Deus no meio do seu povo.

E no meio desse povo
Estamos eu e você;
Quando vejo a estrela azul
Aumenta meu bem-querer.

Quando vejo a estrela azul
Passam anjos e pastores,
Passam reis nos seus andores.

Quando vejo a estrela azul
Rezo, canto, danço e louvo:
Começa tudo de novo.

Horácio Dídimo



REVELAÇÃO


Quando vejo a estrela azul
Brilhando por um instante
Descanso em águas tranquilas
E em pastagens verdejantes

Minha alma se fortalece,
Minha vida se transforma,
Uma mesa é preparada
E meu cálice transborda.

Quando vejo a estrela azul
Em todo seu esplendor
Sei que tudo vai mudar,

Sei que tudo já mudou,
Que o Senhor é meu pastor
E nada me faltará.


Horácio Dídimo


* Sonetos Renovação e Revelação(cf.Salmo 23/22),música de Mauro Augusto, do
livro A Estrela Azul e o Almofariz. Fortaleza:UFC, Casa de José de Alencar,
1998,p.29-30.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

HUMILDADE: A Glória da Criatura


Andrew Murray

“Eles depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, pois Tu criaste todas as coisas, e por Tua causa vieram a existir e foram criadas”. Ap. 4:10-11

Deus criou o universo com o único propósito de fazer a criatura co-participante de Sua perfeição e felicidade e, para tanto, nela imprimiu a glória do Seu amor, sabedoria e poder. Ele queria se revelar nas coisas criadas e se revelar por meio delas, comunicando-lhes o quanto elas pudessem receber de Sua própria bondade e glória. Mas essa comunicação não seria algo dado de uma vez por todas à criatura, algo que ela pudesse possuir por si mesma, não seria uma certa vida e bondade das quais ela pudesse dispor. De modo algum. Ao contrário, uma vez que Deus é Aquele que é sempre vivo, sempre presente, sempre atuante, Aquele que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder, e no qual todas as coisas existem, o relacionamento da criatura com Deus somente poderia consistir numa dependência absoluta, incessante e universal. Tão certo como Deus uma vez tudo criou por Seu poder, também é certo que Ele tudo mantém a cada momento pelo mesmo poder. A criatura precisa tão somente considerar a origem e o início da existência para reconhecer que desde lá ela deve tudo a Deus. Assim, como criatura, seu principal cuidado, sua mais elevada virtude, sua única felicidade, agora e por toda eternidade, é apresentar-se como um vaso vazio no qual Deus pode habitar e manifestar Seu poder e bondade.

A vida que Deus concede não é distribuída de uma vez por todas, mas continuamente, a cada momento, pela incessante operação do Seu imenso poder. Humildade, o lugar da completa dependência de Deus é, pela própria natureza das coisas, o primeiro dever e a mais elevada virtude da criatura, e a raiz de cada virtude.

E, assim, o orgulho, ou a perda dessa humildade, é a raiz de todo pecado e de todo mal. Foi quando os anjos agora caídos começaram a olhar para si mesmos com auto complacência que foram levados à desobediência e precipitados da luz celestial para as trevas exteriores. Do mesmo modo, foi quando a serpente insuflou o mesmo orgulho, o desejo de ser igual a Deus, no coração de nossos primeiros pais que eles também decaíram de seu elevado estado para a derrocada em que o homem se encontra agora. Nos céus e na terra, o orgulho, a auto exaltação, é a porta, o nascimento e a maldição do inferno.

Disso se segue que nossa redenção não poderia consistir em outra coisa senão na restauração da “humildade perdida”, do relacionamento original e verdadeiro da criatura com seu Deus. Por isso Jesus veio trazer a humildade de volta à terra, para nos tornar participantes dela e por meio dela nos salvar. Nos céus, Ele se humilhou para se tornar homem. A humildade que vemos nEle, ela já O tinha nos céus, ela O trouxe, Ele a trouxe de lá. Aqui na terra ele “a si mesmo se humilhou e se tornou obediente até a morte”. Sua humildade conferiu valor a sua morte e assim se tornou a nossa redenção. E agora, a salvação que Ele oferece não é nada diferente e nem nada menos do que a transmissão de Sua própria vida e morte, de Sua própria disposição e espírito, de Sua própria humildade, como o solo e a raiz do Seu relacionamento com Deus e com Sua obra redentora. Jesus Cristo assumiu o lugar e preencheu o destino do homem, como criatura, por meio de Sua vida de perfeita humildade. Sua humildade é nossa salvação. Sua salvação é nossa humildade.

Em conseqüência a vida dos salvos, dos santos, deve necessariamente trazer esse selo de libertação do pecado, de completa restauração de seu estado original, de uma relação com Deus e com os homens completamente marcada por uma humildade presente em tudo. Sem isso não pode haver um real habitar na presença de Deus, ou experiência do Seu favor e do poder do Seu Espírito. Sem isso não pode haver fé, alegria ou poder interior. Humildade é o único solo no qual as graças criam raízes. A ausência de humildade é suficiente explicação para todo defeito e fracasso. Humildade não é apenas uma graça ou virtude entre outras: ela é a raiz de todas, porque só ela assume a correta atitude diante de Deus e permite que Ele, como Deus, faça tudo.

Deus nos fez seres racionais, de modo que quanto mais verdadeira for nossa compreensão da real natureza e absoluta necessidade de um preceito, mais pronta e completa será nossa obediência a ele. O chamado a humildade tem sido tão pouco considerado na Igreja porque sua verdadeira natureza e importância têm sido muito pouco compreendidas. A humildade não é algo que nós trazemos até Deus, ou que Ele concede. Ela é, simplesmente, a consciência da nossa completa nulidade que surge quando vemos como, verdadeiramente, Deus é tudo, e por meio da qual abrimos caminho para Deus ser tudo.

Quando a criatura percebe que essa é sua verdadeira nobreza e consente em ser, com sua vontade, sua mente e seus afetos, o recipiente, o vaso no qual a vida e glória de Deus devem operar e se manifestar, ela vê que a humildade consiste em simplesmente reconhecer sua real posição como criatura e conceder a Deus o lugar que Lhe é devido.

Nas vidas dos cristãos mais dedicados, daqueles que professam e buscam santidade, a humildade deve ser a principal marca de sua retidão. Muitas vezes ouvimos dizer que não é assim que acontece. Não seria uma razão para isso o fato de que no ensino e no exemplo da Igreja a humildade nunca teve o lugar de suprema importância que lhe pertence? E, mais ainda, se deve à negligência dessa verdade, de que por mais forte que seja o pecado como explicação para a necessidade da humildade, há uma motivação ainda mais ampla e poderosa, aquela que faz os anjos, fez Jesus e faz o mais santo dos homens nos céus tão humildes: a de que a primeira e principal marca do relacionamento da criatura, o segredo de sua bem-aventurança, é a humildade e nulidade que deixa Deus livre para ser tudo.

Tenho certeza de que muitos cristãos hão de confessar que sua experiência foi muito parecida com a minha nesse aspecto, no sentido de ter por muito tempo conhecido ao Senhor sem se dar conta de que humildade e mansidão de coração devem ser as características distintivas do discípulo como o foram do Mestre. E, além disso, que essa humildade não é algo que nos virá por si mesma, mas deverá ser tornada o objeto de nosso especial desejo, de oração, de fé e de prática. Ao estudarmos a Palavra, vemos claras e freqüentemente repetidas instruções que Jesus deu a Seus discípulos sobre esse ponto e o quão tardios eles foram em compreendê-lo. Vamos logo, ao início de nossas meditações, admitir que não há nada tão natural para o homem, nada tão insidioso e oculto à vista, nada tão difícil e perigoso como o orgulho. Percebamos que nada a não ser uma espera determinada e perseverante em Deus e em Cristo nos revelará o quão carentes estamos da graça da humildade e o quão impotentes somos para obtê-la. Estudemos o caráter de Cristo até que nossas almas se encham de amor e admiração por Sua humildade. E vamos crer que quando estivermos quebrantados sob a consciência de nosso orgulho e da nossa incapacidade de lançar fora o orgulho, Jesus Cristo, Ele mesmo, virá repartir também essa graça da humildade, como parte de Sua maravilhosa vida em nós.

Humility, Chapter 1, by Andrew Murray.

Disponível em www.ccel.org

Tradução de Fernando Sabóia Vieira

Há uma versão em português dessa obra, publicada com o título “Humildade, a Beleza da Santidade”, pela Editora dos Clássicos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Orações do Cotidiano

Oh, Senhor cada manhã, Senhor!

Cada manhã é Tua voz que me desperta

Com Teu chamado para viver o dia

Que Tu preparaste.


Só tenho que abrir os olhos para ver

Cada manhã

Que tudo já está em Ti,

Exceto eu mesmo:


Eu preciso, cada manhã,

No primeiro pensamento

Na primeira palavra

No primeiro desejo

Escolher estar em Ti

Para viver este dia que Tu preparaste.


Assim, o que quer que me traga hoje a vida

De dor e alegria, de encanto e provação

Eu sei que em Ti tenho tudo

Para viver este dia

Que Tu preparaste para mim.


Dezembro 2010, aD.

Fernando Sabóia

sábado, 18 de dezembro de 2010

Orações do Cotidiano

Day by Day

Oh most merciful redeemer, friend and brother,
may we know Thee more clearly
love Thee more dearly
and follow Thee more nearly
day by day.
Amen.

Richard of Chichester (sec. XIII)

Dia a Dia

Oh muitíssimo misericordioso redentor, amigo e irmão,
que nós Te vejamos mais claramente
Te amemos mais ternamente
e Te sigamos mais proximamente
dia a dia.
Amém.

Ricardo de Chichester (séc. XIII)

Essa oração do século XIII foi usada como letra de uma das canções do musical Godspell, da Broadway, nos anos 70.

http://www.youtube.com/watch?v=BU13C3vSwcs

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Orações do Cotidiano

Dá-me a Ti mesmo

Senhor, por Tua Bondade, dá-me a Ti mesmo, pois Tu és suficiente para mim, e somente em Ti eu posso ter todas as coisas. Juliana de Norwich

domingo, 12 de dezembro de 2010

Orações do Cotidiano

Tenho apenas hoje

Minha vida é um breve instante,
uma hora que passa,
minha vida é um momento
que eu não tenho o poder de reter.

Tu sabes, meu Senhor,
que para Te amar aqui nesta terra
eu tenho apenas hoje.

Thérèse de Lisieux

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Orações do Cotidiano

Rendo-me completamente a Tua divina vontade


Toma, Senhor, toda a minha liberdade,
a minha memória, o meu entendimento,
e a minha completa vontade.

Tu me deste tudo o que eu tenho,
tudo o que eu sou,
e tudo eu entrego a Tua divina vontade.

Dá-me apenas Teu amor e Tua graça,
com isso sou rico o bastante
e não tenho mais nada a pedir.

Amém.

Inácio de Loyola

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Honestidade e Sinceridade

"Irmãos, arrancai o pecado de vossos corações. Bater no peito e continuar pecando é como dar uma demão de verniz sobre nossos pecados."Sto Agostinho

domingo, 5 de dezembro de 2010

Busca de Deus

"Fizeste-nos, Senhor, para ti mesmo, e nosso coração permanece inquieto enquanto não encontra descanso em Ti." Sto. Agostinho

sábado, 4 de dezembro de 2010

Graça de Deus

"Deus não te manda coisas impossíveis. Ao mandar o que assim te parece, te admoesta para que faças o que podes e peças o que não podes." Sto. Agostinho

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O ENGANO DO PECADO

Caros,

Esse assunto me tem voltado ao espírito. Creio ser necessária uma constante reflexão sobre os perigos envolvidos com o engano do pecado.
Escrevi no ano passado sobre isso, mas como se trata de um texto relativamente longo (19 páginas) estou colocando aqui no blog apenas a "Introdução" comprometendo-me a enviar o arquivo completo a quem desejar.

Hebreus 3:12-13

I – INTRODUÇÃO

As Escrituras nos advertem seriamente quanto ao perigo do “endurecimento” (sklerosis) que é causado pelo “engano do pecado”.
O pecado, quando é claro, expresso e reconhecido tem tratamento pela confissão e pelo perdão. O sangue de Jesus derramado na cruz é a solução suficiente, definitiva e acessível pela fé.
No entanto, temos que nos precaver contra o “engano” do pecado, que pode nos impedir de perceber sua presença e sua malignidade, nos mantendo distantes da possibilidade de perdão e de cura.
O engano é uma representação falsa da realidade, na mente e no coração. Quando estamos enganados, temos como válidas idéias, percepções e imagens que não correspondem aos fatos da vida ou às verdades de Deus.
Se permanecermos no engano, aos poucos vamos perdendo a capacidade de reconhecer a realidade, confundindo-a com aquela falsamente percebida por nós.
É como se tivéssemos uma tela de cinema diante dos olhos que nos impedisse de ver a vida real por trás dela.
Se isso acontece com respeito ao pecado, o que ocorre é que nossa consciência moral vai se esclerosando, endurecendo, perdendo a sensibilidade e a capacidade de nos alertar quanto à distinção entre o bem e o mal, até ficar totalmente cauterizada e perder sua funcionalidade
Nesse estado, não mais conseguimos discernir a qualidade moral de nossos pensamentos, sentimentos, palavras e atos.
Isso, no entanto, não acontece sem graves danos para o indivíduo, pois os conflitos morais não resolvidos se tornam distorções no caráter, violações nos relacionamentos e desequilíbrios psíquicos e emocionais.
Somos seres morais e essa é uma dimensão fundamental de nossas vidas. Há, hoje, toda uma operação do engano montada para tentar negar esse fato e levar os homens a não reconhecerem como válidos os valores fundamentais da pessoa.

A expressão “engano do pecado” pode ter um duplo sentido:

1) O pecado é um engano e ele nos endurece, nos cega, impede de vermos a realidade, nos oferece uma realidade ilusória.
O pecado cria na mente e no coração do homem uma ilusão, um mundo irreal no qual não existe um Deus santo perante o qual temos que prestar contas de nossos atos, pensamentos e palavras.
Assim, só o que resta é o predomínio da busca do prazer e da satisfação nessa vida efêmera e sem sentido e o desespero. Mas as pessoas, enganadas pelo pecado, vivem como se suas vidas fizessem sentido, iludindo-se de várias formas.

2) Nossos enganos (falsas representações da realidade) nos levam a não reconhecermos o pecado e a vivermos envolvidos com ele ao ponto de endurecermos a consciência e de perdermos a capacidade de discernir e de nos arrependermos.
A realidade chega à nossa mente por meio dos nossos sentidos físicos e espirituais. Vemos, ouvimos, sentimos e processamos essas informações com base em nossos conceitos, valores e crenças. Ao fazermos isso utilizamos maneiras de pensar que herdamos e aprendemos ao longo da vida.
Assim, um determinado pensamento, sentimento ou ato passa por vários filtros até formamos um entendimento sobre sua natureza moral. Quando estamos enganados, podemos não ver, sentir ou compreender o pecado como pecado, mas atribuir ao fato um outro conceito ou valor.

Em qualquer dos casos, há a necessidade de nos exortarmos uns aos outros, pois, se estivermos enganados, vamos precisar de algum tipo de ajuda externa para sermos advertidos e despertados.
A igreja desempenha um papel fundamental nisso por meio dos relacionamentos e vínculos. Pessoas próximas a mim podem perceber meu engano e me advertir.
Nesse passo, é importante explicitar dois fundamentos iniciais e o propósito que deve governar tudo o que dizemos ou fazemos.

Os dois fundamentos são os seguintes:

1) O que é o pecado. Dito de forma simples, o pecado é a separação entre Deus e o homem provocada pela desobediência deste, produto da sua soberba e do seu desejo de independência. Vale dizer, pecado é toda desobediência humana a um mandamento de Deus que provoca a quebra da comunhão com o Criador.

2) O pecado mata. Existe uma sentença de Deus contra o pecado. Não podemos ser levianos ou superficiais quando se trata disso. Jamais um engano no diagnóstico fez desaparecer a enfermidade. Assim, falsos conceitos sobre o pecado não impedem suas conseqüências nefastas.

O propósito em tratar essa questão deve também ficar claro.
Reconhecer e apontar o pecado com clareza tem o propósito de despertar do engano e levar cada um a reconhecer sua real posição diante de Deus e a avaliar áreas da vida que podem estar sendo contaminadas pela presença não percebida do mal.
Não tem como objetivo condenar, discriminar ou rejeitar o pecador, mas, sim, salvá-lo, comunicar-lhe a graça e o amor de Deus, despertando-o para sua verdadeira situação espiritual.
Trata-se de uma exortação e exortar significa isso: corrigir, animar, encorajar, pôr-se ao lado para estimular e ajudar a abandonar o erro e a seguir a verdade, a prosseguir na caminhada por veredas retas e elevadas.
Esse é um ministério da igreja e um serviço que temos que prestar uns aos outros.

Fernando Sabóia, BsB, 2009, de "O Engano do Pecado".

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Em Deus e Para Deus

"Deus é o grande desconhecido e não será encontrado se não for buscado, dada Sua imensidão. Ele satisfaz a quem O busca na medida da sua capacidade de receber e dá ao que O encontra mais capacidade para que tenha que seguir buscando-O." Sto Agostinho

terça-feira, 30 de novembro de 2010

QUAL SUA PRIORIDADE PARA 2011?

Qual é nosso primeiro dever como discípulos de Jesus? Qual obrigação, acima de todas, deve ocupar nosso tempo, inteligência e esforço? Quando organizamos nossas agendas e priorizamos projetos e tarefas, o que deve vir antes de tudo o mais?
Temos que agradecer aos adversários de Jesus por algumas de suas perguntas provocativas e maliciosas, pois deram ao Mestre a oportunidade de respostas maravilhosas e eternas.
Numa ocasião, trouxeram a Ele uma questão que era intensamente debatida entre fariseus e intérpretes da lei: qual, dentre as centenas de mandamentos a serem cumpridos, era o maior?
A resposta de Jesus não foi “fazer” qualquer coisa, mas “amar” a Deus e ao próximo, antes de qualquer coisa. Ora, todo judeu sabia Deuteronômio 6:4-9 de “cor e salteado”. Mesmo assim, foram surpreendidos pelas palavras do Senhor, pois, havia muito tempo, vinham substituindo o coração da lei por regras e preceitos.
Nós, cristãos modernos, herdamos uma consistente cultura bíblica que nos faria dar a essa pergunta a resposta “correta”, indicada por Jesus. No entanto, se a tivéssemos que responder não com palavras, mas com a vida, talvez nossa surpresa fosse ainda maior do que a dos contemporâneos do Senhor: a despeito de sabermos qual é o maior mandamento, raramente esse saber se reflete em nossas prioridades e em nossa agenda. Estamos quase sempre muito focados no “fazer” muitas e importantes coisas, envolvidos em projetos e realizações, mesmo para Deus.
Assim nós, em nossa modernidade, tecnológicos, empreendedores, práticos, treinados em estratégias e na busca de resultados, podemos, muito bem, cair na antiga falácia de enchermos a vida com o “fazer coisas”, mesmo excelentes e em prol do Reino de Deus, e nos esquecermos de que o “amar” deve vir antes do “fazer’.
Talvez alguns, treinados no pensamento teológico, resolvam esse dilema em trinta segundo e com meio versículo, argumentando que “fazer” é “amar”, que “fazer” a vontade de Deus é “amar” a Deus.
Certamente. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama...” Mas, mesmo assim, não podemos inverter ou modificar a ordem de prioridade estabelecida por Jesus: primeiro e maior é “amar”!
Sem “amar”, “fazer” não tem qualquer sentido ou valor ou substância. Isso nos diz, com todas as palavras, Paulo em sua Carta aos Coríntios. O amor não é apenas a motivação correta para o “fazer”, mas é sua própria essência: quando não amamos, não podemos “fazer” nada no Reino de Deus, o nosso “fazer” permanecerá no domínio terreno, humano, secular, sem qualquer influência ou repercussão na dimensão espiritual.
Além disso, se “amar” implica “fazer”, “fazer” não implica “amar”, ou seja, pode-se muito bem fazer coisas “excelentes” sem amar. Também o “fazer” jamais poderá exaurir tudo o que está contido em “amar”, porque amar nos leva ao eterno, ao espiritual, aos infinitos de Deus.
Amar será sempre muito mais do que “fazer”. Envolve todo nosso ser, nossa fidelidade, nosso destino, nossa razão para viver cada dia.
É o amor que define quem você é: “o homem é aquilo que ele ama: se amamos o mundo, somos mundo; se amamos a Deus, somos divinos” (Sto. Agostinho).
Se há quem diga que, biologicamente, você é “o que você come”, espiritualmente pode-se afirmar que você é “o que você ama”. Deus é, Ele mesmo, o único alimento capaz de satisfazer a alma, e o único modo de tê-lO é amando-O.
Assim que amar a Deus é o primeiro dever e a necessidade mais elementar de toda pessoa, o que, no entanto, não pode ser alcançado se Ele mesmo não se revelar e não nos amar primeiro.
E Ele o fez.
Creio que o grande desafio para a igreja nesta nossa geração, tão próxima da descrição de Paulo sobre os homens dos últimos dias - amantes de si mesmos, dos prazeres, do dinheiro, sem afeição natural, inimigos de Deus, que busca o sucesso material e a felicidade individual acima de tudo - é formar uma comunidade de homens e mulheres que amem ao Senhor acima de todas as coisas, e que vivam de acordo com esse amor.
Agora, se Jesus poderia esperar alguma adesão ao considerar o amor a Deus o maior dos mandamentos, certamente não esperaria o mesmo com relação ao fato de considerar o amor ao próximo como “semelhante” ao amor a Deus e torná-los, juntos, o fundamento e o princípio estruturante da lei, dos profetas e do Reino.
Mas não há amor a Deus sem amor aos homens, nos quais Ele imprimiu Sua imagem; e não pode haver amor aos homens sem amor a Deus, fonte de todo amor. Quem rejeita os homens, rejeita com eles o Seu Criador; quem rejeita Deus rejeita, necessariamente, Suas criaturas. Um e outro caminho conduzem, seguramente, ao inferno.
Antes, pois, de fazermos qualquer coisa pelos homens ou de lhes apresentar qualquer mensagem, é imprescindível que aprendamos a amá-los como o Senhor os ama e a nos darmos a eles como o Senhor se deu por nós e por eles também.

A descoberta desse amor misericordioso e altruísta é a revelação suprema de Deus, o princípio e o fim de todas as coisas, a razão por que fomos criados e existimos, o motivo do envio do Filho, a essência do Seu esvaziamento, serviço e morte na cruz. É o centro da vida da igreja, da família de Deus. Tudo o mais, a liturgia, o ensino, os relacionamentos devem ter nesse amor sua origem, sua substância, seu propósito e seu alvo.
Quando ouvimos ou lemos antigas histórias sobre os homens e mulheres que se retiraram para lugares desertos, lá pelo século III, fugindo da perversão das cidades decadentes e de uma religião vazia, opressiva e hipócrita, em busca de uma santidade e comunhão com Deus que satisfizesse a fome e a sede da alma, logo apontamos os desacertos de tal atitude.
Que Jesus não nos quis tirar do mundo, que temos que ser sal e luz, que não é o ascetismo que conduz à salvação... Essas críticas, certamente procedentes, levam, no entanto, mais em conta as distorções posteriores do movimento monástico do que o espírito desse primeiros retirados.
Deixando as questões teológicas de lado, o que é, talvez, difícil para nós cristãos modernos, urbanos e habituados aos confortos da nossa reluzente civilização entendermos é o grau de radicalidade da renúncia ao mundo desses homens e mulheres, que abandonaram, muitos deles, bens, prestígio, prazeres, carreiras e famílias, embriagados por um amor ao Senhor que superava qualquer razão, medo, dor ou alegria.
Corremos o risco de fazer a eles a mesma crítica que foi feita àquela mulher que “desperdiçou” um perfume precioso aos pés de Jesus. Sinceramente, a mim me constrange o exemplo desses irmãos e irmãs do passado, quando me vejo com tantas dificuldades para renunciar a algumas horas de conforto, a algo dos recursos a mim confiados pelo Senhor, a espaços na minha vida e no meu coração para acolher aos aflitos, para servir aos homens.
Irmãos queridos, amar ao Senhor acima de todas as coisas, de todo coração, alma, razão, entendimento, força, vontade, sentimento, disposição: eis nosso primeiro dever, nossa prioridade número um, o projeto no qual concentrar o melhor de nós mesmos e de nossos recursos. Amar ao próximo com a si mesmo é a expressão concreta e necessária do nosso amor a Deus, sua encarnação.

Qual sua prioridade para 2011?

Que o amor de Deus, nosso Pai, a consolação do Espírito Santo e a Graça de Jesus sejam com todos.

Fernando Sabóia, bsb, nov/dez 2010, AD.





sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Graça de Deus

"Frequentemente duvido de minha consciência. Mas estou sempre certo da misericórdia de Deus." Sto Agostinho

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O VALOR DAS ADVERSIDADES

É bom para nós passarmos, algumas vezes, por testes e problemas, pois eles sempre nos lembram que estamos em provação e que não devemos colocar nossa esperança em coisas terrenas. É bom para nós, algumas vezes, sofrermos contradições, sermos julgados mal pelos homens, mesmo agindo corretamente e com boa intenção. Essas coisas nos ajudam a nos humilharmos e a nos protegermos da vanglória. Quando os homens não nos dão nenhum crédito por nossa aparência externa, quando eles não pensam bem de nós, então somos mais compelidos a procurar Deus, que vê nossos corações. Assim, um homem deve se apegar tão firmemente a Deus a ponto de não necessitar das consolações das pessoas.
Quando um homem de boa vontade é afligido, tentado e atormentado por maus pensamentos, ele se dá perfeita conta de que sua maior necessidade é Deus, sem o qual nada de bom pode ser feito. Entristecido por suas misérias e sofrimentos, ele lamenta e ora. Ele se enfada de continuar vivendo e deseja a morte que pode libertá-lo e uni-lo a Cristo. Então, ele entende que a perfeita segurança e a completa paz não podem ser encontradas na terra.

Thomas à Kempis (1380 - 1471)
A Imitação de Cristo", Livro I, Capítulo XII
traduzido de http://www.ccel.org/ccel/kempis/imitation.html por Fernando Sabóia.

Cansaço - Fernando Pessoa

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque ouço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei..."

sábado, 20 de novembro de 2010

Temor de Deus

"A palavra de Deus nos ensina a não temer, mesmo que tenhamos medo, e a temer mesmo quando não temos medo. Temamos, pois, para não temer." Sto Agostinho

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma Palavra para os Pais

Diante dos extensos manuais modernos sobre como fazer as coisas, o Novo Testamento tem relativamente poucas instruções específicas para os pais sobre a educação e formação dos filhos.
Temos, basicamente, os textos de Efésios 6:4, Colossenses 3:21; 1a a Timóteo 3:4-5 e Tito 1:6.
Por outro lado, nós, pais modernos, temos que enfrentar os amplos desafios envolvidos na criação de filhos em nossa complicada e pervertida geração.
Creio que esse propósito está razoavelmente bem delineado para nós, e poderia, talvez, ser resumido nas seguintes frases:

- formar os filhos para o Reino de Deus;
- transmitir a imagem de Deus para eles na versão masculina, tanto para os filhos quanto para as filhas;
- transmitir e ensinar a eles as verdades absolutas de Deus;
- exercer sobre eles a autoridade de pais, trazendo o governo de Deus sobre suas vidas;
- transmitir e ensinar a eles o amor de Deus;
- tudo isso sem irritá-los nem desanimá-los, isto é, sem produzir rebeldia nem apatia;
- apontar para eles caminhos na vida e encaminhá-los nas decisões que devem tomar
- levá-los à maturidade como pessoas e como cooperadores no propósito de Deus.

Tarefa essa não pequena, especialmente se consideramos que vivemos numa sociedade avessa a autoridade, avessa à verdade, violenta, competitiva, egoísta, hedonista, materialista.
Uma sociedade que desafia abertamente o Cristianismo, seus fundamentos e valores, que interfere cada vez mais nas famílias e na formação das pessoas, inclusive por meio da autoridade legal do Estado, que desafia a identidade masculina e seu papel na família e nas relações sociais.
Uma sociedade que impõe uma pauta de questões a serem tratadas pelos pais com seus filhos, muitas vezes introduzindo precocemente temas e incutindo valores e comportamentos hostis ao Reino de Deus.

Uma sociedade dominada pela mídia e pela tecnologia, que torna as pessoas solitárias e individualistas, apesar da ilusão de relacionamento criada pelas chamadas redes sociais, e prisioneiras do entretenimento, da sensualidade e das informações selecionadas para elas.

Penso que também temos tido excelente revelação e ensino acerca dos princípios e estratégias que devemos adotar para cumprir nossa tarefa como pais, tais como:

- ser exemplos em tudo, para que nossos filhos nos imitem;
- ser muito firmes no ensino, na admoestação e na disciplina, para que sejam bem formados;
- exercer com determinação e graça nossa autoridade, para que se submetam a nós e a Deus;
- orar constantemente por eles, para que sejam transformados e ganhem entendimento das coisas espirituais;
- mantê-los o mais possível longe do mundo, para que se convertam ao Reino e sejam santos.

Essas direções não devem ser jamais abandonadas ou enfraquecidas, se queremos atingir o propósito de Deus em nossas casas.

No entanto, penso que algumas dificuldades podem surgir na prática, na dinâmica e na diversidade das experiências de vida.

Primeiro, não conseguiremos ser perfeitos no exemplo, no ensino e na formação dos nossos filhos. Se nossos filhos dependessem disso para serem santos e viverem a plenitude de Deus não haveria esperança para eles (pelo menos não para os meus!). Colocar todo o peso dos “fracassos” em sua formação sobre os pais não me parece uma avaliação justa e corajosa do que tem ocorrido, por vezes, com os jovens filhos de discípulos.
Há pais que se esforçaram e se esforçam para viver uma vida cristã autêntica e criar seus filhos na disciplina e admoestação do Senhor e que, a despeito disso, enfrentam dificuldades com eles e os vêem tropeçarem. Esses, como penso, não precisam de um peso extra de culpa, para além do que já lutam e sofrem.
Certamente todos nós, e eu em primeiro lugar, honestamente, precisamos melhorar em muito quanto a esses aspectos. Sem dúvida que muitos jovens não têm tido correto exemplo e ensino de seus pais cristãos e esses são responsáveis diante de Deus por isso. Mas a Bíblia diz que os filhos não herdam a justiça e nem a iniquidade dos pais. Cada um responde diante do Senhor por si mesmo (Equeziel 18).
Isso não diminui a responsabilidade dos pais, mas significa que não podemos estabelecer uma relação direta e unívoca entre santidade e acertos dos pais e santidade dos filhos, nem entre erros dos pais e fracassos dos filhos.
Há pais abomináveis que têm filhos santos, e pais santos cujos filhos rejeitam a fé e se tornam réprobos.
Também não podemos encarar o ensino que temos recebido e aplicado como perfeito, completo e garantidor de resultados. Imperfeitamente conhecemos e imperfeitamente profetizamos. É o Espírito quem traz, dia após dia, entendimento e revelação sobre a vontade do Senhor. É preciso depender dEle sempre e não nos confiarmos em métodos ou formulações didáticas.
Cremos que a Bíblia, e só ela, contém o suficiente e necessário para uma vida piedosa, na forma como foi escrita, inspirada e vivificada pelo Espírito Santo. Nosso ensino e doutrina acerca das verdades bíblicas deve ser constantemente revisto e reavaliado, sob pena de o alçarmos ao patamar da revelação escrita e deixarmos de atender ao Senhor.
Talvez a idéia de que tivéssemos encontrado um ensino acabado e perfeito e orientações claras e suficientes sobre a criação de filhos, como se fossem um manual de regras e instruções para fazer tudo dar certo, seja uma das explicações para nossas perplexidades presentes. Talvez tenhamos respondido com regras e fórmulas prontas a situações para as quais deveríamos ter buscado, em oração e quebrantamento, discernimento e orientação divina.

Penso também que não se pode criar seres humanos em cativeiro, nem mesmo numa dourada gaiola espiritual, pois foram dotados pelo Criador de livre arbítrio. Foram feitos para amar, e amar é escolher. Se não tiverem a possibilidade de errar, jamais poderão ser verdadeiramente santos nem amar ao Senhor.
Jesus não retirou Sua igreja do mundo, mas está ao lado dela para que nele cumpra o propósito de Deus. Nossa missão não é nos protegermos das más influências do presente século, mas levar aos homens da nossa geração a mensagem poderosa e transformadora do Reino.

Um outro aspecto que merece, a meu ver, reflexão, é que não podemos ter uma expectativa exagerada sobre nossos filhos. Eles não serão perfeitos, mas lutarão contra o pecado dada dia, como todos nós, ainda que tenham sido ensinados desde cedo no caminho do Senhor.
Acho que a expectativa dos pais, tornada, não raro, exigência, de que seus filhos sejam perfeitos torna-se, para muitos filhos de cristãos, um fardo pesado e verdadeiro tropeço para suas vidas espirituais. Muitos acabam desenvolvendo uma espiritualidade rasa, de fachada, para agradaram seus pais e não comprometerem o testemunho e o ministério deles, sem espaço para exporem suas lutas, dificuldades e defeitos.
É nesse sentido também que, penso, devemos entender a exortação para não desanimar os filhos. A palavra nesse texto é apatia, e significa a ausência de vontade, de impulso de vida. Vemos, por vezes, filhos quietos, obedientes, dóceis... mas absolutamente apáticos, sem brilho, sem vigor, sem determinação sem sonhos.
Por outro lado, expectativas e exigências exageradas provocam irritação e rebeldia, especialmente quando falta a liberdade necessária para expor as dificuldades e debilidades.

Diante disso, quero propor uma outra leitura da nossa tarefa de pais, que não exclui, de modo algum, a anterior, antes a afirma.

Quero sugerir que atentemos para os seguintes alvos e princípios:

- que nossa primeira preocupação seja levar nossos filhos a conhecerem e amarem profundamente ao Senhor, e não a reproduzirem um determinado comportamento e a repetirem maquinalmente uma dogmática;
- que eles sejam desafiados a que experimentem Deus por si mesmos, e não estimulados a se conformarem com as experiências de seus pais e líderes;
- que busquemos dar a eles condições e espaços para fazerem suas escolhas livres do jugo do mundo e não lhes impondo outro nosso;
- não decidir por eles o que lhes couber decidir, ainda que com o risco de que eventualmente cometam erros;
- levá-los a que vivam uma fé humana, encarnada, e não uma espiritualidade irreal, mística, religiosa a nosso modo;
- que vivam uma fé contemporânea, não anacrônica, vivendo e proclamando o Reino no século XXI;
- é fundamental permitir que expressem seus conflitos e dúvidas;
- que sejam incentivados a desenvolver suas potencialidades como seres humanos e a com elas honrarem ao Senhor que os criou;
- aceitar que eles sejam quem são, não criar expectativas exageradas e nem condicionar nosso amor e aceitação a qualquer realização ou desempenho deles.

Como fazer isso? Também não creio que aqui haja uma resposta pronta ou um manual de tarefas capaz de dar conta de tudo.
Penso, no entanto, que nosso caminho como pais terá que passar ao menos pelos seguintes pontos:

- teremos que amar profundamente o Senhor e deixar que esse amor marque nossa vida de modo evidente e claro, nos bons e maus momentos;
- é essencial mostrar autenticamente quem somos para que nossa vida represente algo que pode genuinamente ser imitado;
- ter pelos nossos filhos a mesma graça e compaixão que muitas vezes expressamos em relação aos filhos das outras pessoas e aos pecadores em geral;
- temos que nos lembrar constantemente de que filhos de cristãos não são “mini santos” nem “anjos”, mas descendentes de Adão e Eva, sujeitos às mesmas fraquezas e pecados que os demais;
- também não se deve fazer das crianças “mini adultos”, fazendo-os repetir palavras que não entendem e gestos que eles apenas imitam dos mais velhos;
- muitos pais se enganam vendo os filhos citarem versículos, orarem e pregarem como adultos e não percebem que eles estão apenas imitando os mais velhos para agradar aos pais, e não expressando uma maturidade que ainda não podem ter pela tenra idade;
- que nossos filhos amem o Senhor como crianças, se são ainda crianças, como adolescentes, se são adolescentes, como jovens, se são jovens;
- acho fundamental que as crianças tenham espaço para brincar e sonhar, que os jovens possam expressar sua vitalidade e criatividade, não sendo reprimidos por um mundo já pronto, pré-fabricado para eles, onde se espera que eles apenas se “encaixem”;
- temos que ter cuidado para não colocar pesos excessivos sobre eles, sobrecarregando-os com regras, julgamentos e culpas e levando-os à irritação e ao desânimo;
- é preciso respeitar a humanidade dos filhos, suas idades e limitações, seus conflitos e crises, mesmo com o Reino e com a fé, para que, de fato, se convertam;
- vamos sempre nos lembrar que os pais não substituem o Espírito Santo;
- jamais nos esquecermos de orar e de proclamar o Reino para eles;
- buscar expressar a paternidade de Deus, repleta de graça e misericórdia, sem o que não se pode chegar à santidade.

Só conheço duas sínteses que dão conta dos muitos paradoxos envolvidos na vida com Deus: a profecia e a poesia.
Assim, como profecia, proponho a leitura e meditação de Isaías 54.
Como poesia, ouso compartilhar uma de minha autoria.

Graça seja com todos

Fernando Sabóia Vieira
Brasília, em agosto de 2010, aD.


Poema para o Pai e para os pais

“Certo homem tinha dois filhos...o filho mais novo...partiu para uma terra longínqua...” Lucas 15:11-13

O filho partiu
e o Pai permaneceu lá.
Moído de compaixão e de saudades,
Ele estava lá.

Todos os dias,
os olhos envelhecendo
na curva do Caminho,
Ele estava lá.

Não podia ir buscá-lo,
pois a distância não era
a dos passos,
senão a do coração.

Mas Ele estava lá.

Um dia, talvez, por vergonha,
medo ou necessidade,
por tristeza ou saudade,
ele havia de se lembrar
de que o Pai estava lá,
e acharia o Caminho
de volta.

E Ele estaria lá.

Os pais não precisam ser
homens excepcionais.
Apenas precisam aprender,
com o Pai,
a estarem lá,
sem distâncias no coração,
com a esperança renovada
na persistência do amor.

O lar não é um lugar.
O lar é um abraço.

Brasília, em 13 de agosto de 2000, AD, dia dos pais.
Fernando Sabóia

Esperança

"Não há motivo para tristeza duradoura onde há certeza de felicidade eterna." Sto Agostinho

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Onde Orar

"Precisas de um templo para orar? Ora em ti mesmo. Sê um templo de Deus e Ele ouvirá tuas orações." Sto Agostinho

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sejam Servos Uns dos Outros

Caros,

Temos meditado nesses últimos dias sobre servir. Compartilho um texto que escrevi há algum tempo sobre o tema. Está incompleto, mas pode servir como um início de reflexão.

SEJAM SERVOS UNS DOS OUTROS

João 13:1-17 - Jesus lava os pés de seus discípulos

I – Prelúdio

O momento era dramático. O cenário e os humores bem refletiam isso. Noite da última ceia, na sala emprestada, que ficaria conhecida como Cenáculo, o traidor à espreita, véspera da paixão e morte de Jesus.
O Senhor podia antever a crise por que passariam os discípulos logo em seguida: tentação, medo, perseguição, dúvida, angústia, frustração.
Mas Jesus podia ver além. Ele sabia que a Igreja, a família de Deus, o povo escolhido para habitar a nova Jerusalém, estava sendo gerada naqueles homens. Era crucial prepará-los para o que viria, adverti-los sobre as várias tentações e ataques que seriam desferidos contra a Igreja.
Havia, naquele momento, uma preocupação no coração de Jesus: o ataque mais insidioso e letal contra a Igreja seria sempre aquele desferido a partir de dentro, inserido nos espíritos de seus líderes.
Hoje, estavam ali diante dEle, homens humildes, inseguros, assustados com a dimensão que as coisas estavam tomando. Entretanto, em pouco tempo, Jesus sabia, seriam homens cheios do poder de Deus, que teriam as experiências mais fantásticas da história.
Jesus podia ver neles os que viriam depois deles, e todo o caminho que Sua Igreja haveria de percorrer em sua peregrinação terrena.
Conhecendo a natureza humana, Jesus sabia que a grande tentação da Igreja seria sempre a mesma que levara Lúcifer à rebelião e Adão à desobediência: a soberba.
A Igreja seria perseguida, oprimida, odiada, mas triunfaria, cresceria e adquiriria poder, riquezas, dons espirituais e seculares. Das ruínas de Jerusalém e dos escombros do Império Romano, ela despontaria como vitoriosa contra espíritos e armas, cultos e credos, e, ao longo da história humana, assistiria ao surgimento e queda de tantos outros portentos mundanos.
Como aqueles homens, e seus sucessores, reagiriam à tentação da soberba, inoculada pelo contato com o poder material e espiritual? Continuariam mansos, humildes, tementes, dependentes de Deus e uns dos outros, ou permitiriam que seus corações, em algum momento, fossem contaminados por essa doença degenerativa da natureza humana?
Já havia surgido, mais de uma vez, entre eles, a questão que está sempre presente em qualquer ajuntamento humano: quem é o maior? Quem tem a preeminência? Se Jesus era o Senhor, quais seriam seus ministros e auxiliares privilegiados?
Tal questão, fatalmente, ressurgiria sempre e assaltaria quotidianamente a comunhão dos irmãos e a vida da Igreja.
Ainda mais que poderia ser que, pelo poder e graça que seriam concedidos aos homens, pelos sinais e prodígios que seriam operados, pelas vidas transformadas, a Igreja crescesse e chegasse às cidades importantes, tornando-se rica e abastada.
Talvez Césares, e reis após eles se convertessem, e os cristãos assumissem posições de destaque nos governos, nas universidades, nas ciências, na economia.
Nessa noite de trevas espirituais tal pensamento pareceria delírio aos discípulos, mas bem poderia acontecer que quando Roma caísse, como caem todos os impérios humanos, a Igreja, organizada, rica, cheia de recursos humanos, materiais e espirituais, senhora de espíritos, inteligências e consciências, detentora das chaves dos céus, se tornasse a instituição mais poderosa da terra, dominando sobre reinados, tesouros, terras e armas.
Poderia ser, então, que seus líderes, enlevados pela grandiosidade da obra, assumissem, de algum modo, como seu, o poder, e passassem a usar roupas distintivas dos demais homens, a ostentar títulos repletos de adjetivos, a aceitarem das demais pessoas, honras, destaques, temor, bajulação, até mesmo por suas virtudes.
Quem sabe não teriam a idéia de construírem lugares suntuosos, tão diferentes da pobre sala em que estavam reunidos agora, dedicando-se a solenidades complicadas e cheias de rituais, ao invés do simples compartilhar de uma refeição, de um repartir de pão e vinho?
Talvez até mesmo alguém ousasse dar seu próprio nome a instituições, serviços, ministérios, fazendo seguidores, promovendo sua sabedoria e doutrina, seus livros e projetos, esquecidos de que só há um nome diante do qual os outros devem se curvar.
Quem sabe o mover da história levasse, até mesmo, os cristãos a fundarem nações, e uma dessas se tornasse, a seu tempo, o maior império da história, com poder de, literalmente, destruir o próprio planeta, dominando os recursos naturais, tecnológicos e bélicos?
Poderia ser, então, que líderes cristãos, embalados pelo sucesso de sua pregação, pelo encantamento das multidões, pelo magnetismo dos carismas, pelo fascínio dos milagres, se tornassem estrelas da mídia, comprando jornais, rádios, televisões, escrevendo “best sellers”, anunciando-se em “out doors” pelas cidades.
Poderia mesmo chegar o dia em que se medisse o sucesso de um ministério cristão pelo seu orçamento, pelo número de pessoas envolvidas e prestígio de seus líderes perante os detentores do poder secular, os ricos e famosos do mundo.
Jesus já havia falado com eles muitas vezes sobre a necessidade de serem servos. Havia dito claramente que, no Reino, ao contrário do mundo, maior é o que serve, e não o que é servido. Havia dado exemplos, contado parábolas, mostrado uma vida de serviço.
Sabia, no entanto, Jesus, que as palavras adquirem, ao longo do tempo, sentidos diferentes. Também são interpretáveis ao sabor das inclinações da alma humana ou distorcidas pelos sofismas dos entendidos.
Assim, poderia ser que palavras tão comuns naquele momento para os discípulos, como escravos (servos), despenseiros (mordomos), diáconos (obreiros, ministros, servidores), termos que indicavam, claramente, tarefas simples, posição humilde, submissão, se tornassem títulos e adjetivos incrustados em portas de gabinetes, impressos em cartões de visita e currículos profissionais.
Jesus já havia demonstrado uma vida de servo: ouvia, ensinava, alimentava, curava, orava, dava, acolhia, distribuía, sem descanso, sem medida, sem restrições. Agora, nesse momento crucial, Ele precisava fazer algo que gravasse essa lição profundamente nos espíritos e nos corações daqueles homens e da Igreja.
Eles tinham que entender que a obra a ser continuada dependia, dramaticamente, de que eles assumissem uma postura de servos, permanecessem humildes, dependentes, vasos de barro vazios, canais, instrumentos, ainda que em meio das maiores riquezas e demonstrações de poder.
Cada vez que qualquer deles, ou de seus sucessores, pretendesse ser algo mais, quebraria a comunhão, comprometeria o testemunho, permitiria que o humanismo, a carnalidade, o personalismo, a soberba, enfim, atingisse a Igreja por dentro.
Deus não encontra limites, para cumprir seu propósito, na criação, nos poderes infernais, nas contingências históricas ou na fragilidade humana. No entanto, a obra da Igreja deve repousar sobre homens que tenham corações de servos, mansos e humildes, para que a vida de Jesus se reproduza neles e deles seja multiplicada.
Assim, Jesus, naquela noite, os marcou com algo dramático, chocante, quase escandaloso.
(A CONTINUAR)

Fernando Sabóia Vieira, de “Crônicas do Reino”

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pecado: Caminho para o Nada

"Toda corrupção leva o homem à própria destruição. Pecar é desmoronar o próprio ser e caminhar para o nada." Sto Agostinho

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Busca da Felicidade

"Deus é o bem perfeito, o sumo bem. Não devemos ser lerdos na busca desse bem nem por nosso empenho em conseguir outro maior. O primeiro é perigoso, o segundo inútil.
A busca de Deus é a busca da felicidade. O encontro com Deus é a própria felicidade."

Sto Agostinho

domingo, 31 de outubro de 2010

A Alegria de uma Boa Consciência

"Tem grande tranquilidade de coração aquele que não dá valor nem a elogios nem a críticas que partem dos homens. É facilmente contentado e pacificado aquele cuja consciência é pura. Você não é mais santo por ser louvado, nem mais sem valor, se acharem o que criticar em você. O que você é, isso você é, também não é com palavras que você poderá ser feito maior do que já é aos olhos de Deus ... Aquele que não busca ninguém de fora para testemunhar a seu favor, mostra que se entregou a Deus."

Thomas à Kempis (1380 - 1471)
"A Imitação de Cristo"

sábado, 30 de outubro de 2010

Contentamento

"Não ambiciones o supérfluo. Contenta-te com o necessário. Ambicionar o supérfluo é uma camuflagem da mendicância. Contentar-se com o necessário é a única riqueza verdadeira. ...
Se te contentas com o suficiente, verás que de pouco necessitas." Sto Agostinho

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Perto ou longe de Deus?

"Viver perto ou longe de Deus não uma questão de espaço, mas de afeto. Amas a Deus? Estás perto d'Ele. Se O esqueces, estás longe d'Ele. Sem sair do lugar, podes estar perto ou longe".
Agostinho

domingo, 24 de outubro de 2010

Jesus nos Chama ao Serviço do Reino

Leituras bíblicas:


João 15:1-17

Unidos ao Senhor e uns aos outros, como ramos de uma videira, somos alimentados pela seiva vital que flui da raiz pelo troco comum. Permanecer nEle é também permanecer totalmente ligados uns aos outros. Se vivermos desse modo, frutificaremos e seremos seus discípulos e seus amigos.

Efésios 4:1 a 5:2

A experiência comum da fé, do batismo, do senhorio de Jesus, da paternidade de Deus e da vida no Espírito nos une, nos torna um só corpo, no qual a diversidade de membros coopera, por meio das juntas e ligamentos, para o propósito único do amadurecimento, crescimento e aperfeiçoamento de cada um no serviço do reino.

1ª de Pedro 4:10-11

Dons são ferramentas para o serviço. A multiforme graça do Senhor equipa a igreja com múltiplas capacitações, que devem ser utilizadas no serviço uns aos outros.

Gálatas 5:13-15

Nossa liberdade em Cristo, para ser verdadeira, deve produzir amor e serviço, jamais a busca dos próprios interesses e do conforto pessoal. O amor a nós mesmos escraviza a nós e aos outros, a quem queremos fazer servos de nossas vontades. O amor a Jesus nos liberta a nós e aos outros, a quem nos oferecemos livremente como servos para fazer a vontade do Pai.

Romanos 12:1-21

Nossa completa consagração a Deus nos levará a uma renovação de entendimento e compreenderemos que estamos unidos a Ele para uma vida comum de amor, de serviço e de proclamação.


Irmãos queridos,


Nossa vida em Jesus está absolutamente ligada ao serviço. Não é possível viver em imitação ao Senhor, seguindo Seu exemplo e em obediência a Sua palavra, sem que isso se mostre concretamente como uma vida de serviço a Deus, aos irmãos e aos homens, pois o “filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua em resgate por muitos”.

Fomos chamados para servir. A proclamação do Reino de Deus não é um convite à aceitação de verdades abstratas, de uma ética ou doutrina puramente místicas, mas uma convocação a uma completa mudança de vida, a uma transformação de mente e de comportamento, reflexos diretos e necessários da nossa submissão ao senhorio de Jesus e da ação do Espírito Santo. Discípulos são servos. Eles têm uma missão, uma tarefa, um propósito que define e orienta sua existência neste mundo a partir de seu encontro com Jesus. Quando essa característica não é desde logo perceptível na vida de alguém, pode-se questionar a presença do Mestre naquela pessoa.

Pertencer à igreja implica servir. A essência do nosso vínculo como irmãos é o amor, e amar como Jesus amou significa servir como Jesus serviu. De outro modo, faremos da comunhão cristã uma mera associação humana baseada em sentimentos e preferências. Quando o serviço desaparece da vida da igreja, já não podemos ver nela a vida de Jesus fluindo, não haverá a ligação íntima com Ele que sempre produz fruto, não haverá discípulos verdadeiros, mas ramos sem ligação com a raiz da videira, que secarão e serão lançados fora.

O mesmo ocorre quando o serviço é apenas o cumprimento formal de tarefas organizacionais: não encontramos o coração do Mestre, o Seu Espírito inspirando, capacitando, vivificando, transformando pessoas e destinos, apenas uma estrutura em movimentação a custa de esforços meramente humanos.

Somos servos uns dos outros, somos responsáveis uns pelos outros e devedores uns dos outros do amor de Jesus e da nossa justa cooperação no serviço do reino. Temos que ter consciência de que pertencemos uns aos outros.

Cuidado, irmãos. Não deixemos o mundo nos constranger com seus próprios padrões e valores. Renovemos nossas mentes transformando nosso entendimento. O espírito da maldição de Caim é máxima de sabedoria de vida nesta nossa geração: “acaso sou eu guardador de meu irmão?” Vale dizer, “cada um que cuide de sua própria vida. Eu cuidarei apenas de mim mesmo!”

Nossa responsabilidade com o serviço da igreja e com os irmãos tem expressão concreta e prática no nosso compromisso com os encontros, nos vários níveis de relacionamento e de integração. No Corpo de Cristo não há expectadores, mas apenas participantes. Sempre que nos encontramos, quer nos momentos informais, quer nas reuniões programadas, expressamos nosso vínculo e comunhão em Cristo, Sua Presença se torna viva e perceptível e o serviço deve ser uma conseqüência natural disso.

Quando os encontros e reuniões com os irmãos perdem a característica de serviço, de ministração mútua, de uso coletivo dos dons em favor de todos, tornam-se rituais pobres e sem poder, compromissos sociais enfadonhos e sem alegria. Perdem seu significado e relevância.

De modo especial, nosso compromisso com os irmãos a quem estamos mais proximamente vinculados é essencial para que a igreja cresça saudável e frutífera.

O crescimento saudável da igreja depende do compromisso e do serviço de cada um, na edificação dos irmãos e na proclamação do reino de Deus.

De igual modo, o crescimento saudável de cada um depende de sua própria participação comprometida no Corpo, pelos vínculos e relacionamentos que são os canais pelos quais receberá o alimento e a instrução de todos.

O serviço dá sentido concreto, natural, prático às nossas vidas espirituais. Sem ele, corremos o risco de nos iludirmos com uma espiritualidade desencarnada, puramente teórica, desobediente ao Senhor que se fez carne e viveu uma vida a serviço dos outros.

Por outro lado, o serviço dá sentido transcendente, eterno, às nossas vidas naturais e terrenas, livrando-nos de viver de modo fútil, voltados apenas para bens e alvos transitórios. Quando servimos ao Senhor e aos homens em Seu nome, mantemos a perspectiva do reino e propósito imutáveis de Deus, do sentido de nossa peregrinação em direção às moradas espirituais do Pai celeste.

Servir fortalece a comunhão com Deus, forma o caráter, retira o ego do centro da vida, exercita a autonegação, a humildade, a paciência e todas as virtudes do Mestre.

De especial valor é que a consciência de sermos servos nos mantém afastados da tentação do sucesso e da frustração do fracasso em projetos deste mundo, duas fontes de ansiedade e de enfermidade dos homens modernos.

Todas as vezes que nos afastamos do amor e do serviço aos outros, que nossas carências e necessidades nos parecem tão graves e urgentes, que nossos desejos e sonhos ocupam completamente nosso coração e nossa agenda conosco mesmos, já deixamos de seguir o Mestre, estamos andando em caminhos em que Ele não está e, ironicamente, nos afastando da única maneira de viver que pode nos fazer pessoas plenas, realizadas e felizes: a experiência do amor de Deus, nosso Pai.

Servir aperfeiçoa os dons, habilita para a obra e para a vida, dá experiências com o Senhor, nos coloca na constante dependência dEle. Mantém no coração a consciência da Presença de Jesus, a quem servimos quando servimos aos homens.

Sempre que pedimos dons, o Senhor nos apontará as pessoas a nossa volta, irmãos e incrédulos e nos perguntará se estamos dispostos a sermos servos deles, por amor.

O serviço é a encarnação do amor de Deus. Assim foi na vida de Jesus, assim deve ser na vida de seus discípulos. No derradeiro diálogo do Senhor com Pedro registrado nas Escrituras, o Mestre nos incluiu a todos quantos queremos ir após Ele quando vinculou nosso amor a Ele ao serviço dos irmãos, ao cuidado com o Seu rebanho.

Só o serviço nos coloca e nos mantém num correto uso dos bens e recursos materiais, porque nos deixa sempre na condição de mordomos, e não de donos. Quando servimos como nossos bens e recursos reconhecemos e demonstramos que não são de fato nossos, mas do Senhor, que nos são confiados para o Seu propósito. Quando com eles não servimos, roubamos do Senhor aquilo que a Ele pertence.

O verdadeiro discípulo recebe humildemente o serviço de seus conservos como graça do Senhor em sua vida. Sabe que necessita que outros lhe lavem os pés, o edifiquem, consolem e corrijam, que não é, de modo algum, capaz de viver sozinho e de prover as próprias necessidades.

Uma característica fundamental do servo de Deus é que ele busca sempre a glória do Seu Senhor, jamais a sua própria. Assim, o servo aceita e mesmo prefere o anonimato, porque não visa agradar aos homens e deles receber qualquer tipo de reconhecimento ou recompensa, nem agradar a si mesmo, enchendo-se de orgulho pelo desempenho pessoal, mas visa agradar unicamente Aquele a quem ama de todo coração, de toda alma, de todo entendimento e de toda força.

Por isso, servos de Jesus não murmuram, não reclamam, não julgam, mas adoram, celebram, cantam, louvam durante a tarefa, quanto mais quanto mais dura e custosa. Servir, não por acaso, é uma das raízes bíblicas para a palavra “adorar”.

Finalmente, o serviço é o caminho privilegiado para a amizade de Jesus: o Senhor escolhe Seus amigos dentre seus servos, ou melhor, faz amigos entre os discípulos que aprendem com Ele a servir, pois o serviço nos revela o coração de Deus, nos coloca em contato direto com Seu propósito, com as pessoas que Ele ama e a quem quer salvar.

Em suma:

A tarefa – proclamar o reino, fazer discípulos, edificar a igreja, amar ao Senhor, aos irmãos e aos homens, fazer o bem a todos, socorrer, consolar, libertar, curar, numa palavra, imitar a vida de serviço de Jesus.

O tempo: hoje, os campos estão prontos para a colheita, o Senhor em breve virá, o mundo agoniza no pecado e nas trevas, não sabemos o dia e a hora em que estaremos diante dEle para dar conta dos talentos que Ele nos confiou.

Os recursos: A vida de Jesus em nós, o poder do Seu Espírito, os dons, tudo quanto Ele nos tem dado de meios e talentos.

A estratégia: a Palavra, os relacionamentos, o funcionamento do Corpo, anunciar o reino a todos, orar por todos, servir a todos.

Os chamados ao serviço: eu e você.

Brasília, em outubro de 2010, aD.

Fernando Sabóia Vieira

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nosso flamboyant em outubro

UM POUCO DE TEREZA DE LISIEUX (1873-1897)

A ORAÇÃO É UM IMPULSO DO CORAÇÃO


Como é grande o poder da oração! Pode-se dizer que é como uma rainha que tem a todo o momento livre acesso à presença do Rei e pode dele obter tudo o que pedir. Para exercer esse poder não é de modo algum necessário ler em algum livro uma bela fórmula composta para a ocasião. Se assim fosse, ai, pobre de mim! Afora o Ofício Divino, que eu sou bem indigna de recitar, eu não tenho coragem de me por em busca de belas orações nos livros, isso me dá dor de cabeça. Existem tantas!... E, depois, elas todas são tão belas, cada uma mais do que as outras... Eu não saberia recitá-las, e, não sabendo como escolher, faço como as crianças que não sabem ler: simplesmente, digo ao Bom Deus tudo o que quero dizer a Ele, sem fazer belas frases, e Ele sempre me compreende... Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado aos céus, é um grito de reconhecimento e de amor, tanto em meio à provação quando em meio à alegria. Enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que me dilata a alma e me une a Jesus.

Thérèse de Lisieux, "La prière c'est un elan du coeur".

Tradução: Fernando Sabóia