segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sejam Servos Uns dos Outros

Caros,

Temos meditado nesses últimos dias sobre servir. Compartilho um texto que escrevi há algum tempo sobre o tema. Está incompleto, mas pode servir como um início de reflexão.

SEJAM SERVOS UNS DOS OUTROS

João 13:1-17 - Jesus lava os pés de seus discípulos

I – Prelúdio

O momento era dramático. O cenário e os humores bem refletiam isso. Noite da última ceia, na sala emprestada, que ficaria conhecida como Cenáculo, o traidor à espreita, véspera da paixão e morte de Jesus.
O Senhor podia antever a crise por que passariam os discípulos logo em seguida: tentação, medo, perseguição, dúvida, angústia, frustração.
Mas Jesus podia ver além. Ele sabia que a Igreja, a família de Deus, o povo escolhido para habitar a nova Jerusalém, estava sendo gerada naqueles homens. Era crucial prepará-los para o que viria, adverti-los sobre as várias tentações e ataques que seriam desferidos contra a Igreja.
Havia, naquele momento, uma preocupação no coração de Jesus: o ataque mais insidioso e letal contra a Igreja seria sempre aquele desferido a partir de dentro, inserido nos espíritos de seus líderes.
Hoje, estavam ali diante dEle, homens humildes, inseguros, assustados com a dimensão que as coisas estavam tomando. Entretanto, em pouco tempo, Jesus sabia, seriam homens cheios do poder de Deus, que teriam as experiências mais fantásticas da história.
Jesus podia ver neles os que viriam depois deles, e todo o caminho que Sua Igreja haveria de percorrer em sua peregrinação terrena.
Conhecendo a natureza humana, Jesus sabia que a grande tentação da Igreja seria sempre a mesma que levara Lúcifer à rebelião e Adão à desobediência: a soberba.
A Igreja seria perseguida, oprimida, odiada, mas triunfaria, cresceria e adquiriria poder, riquezas, dons espirituais e seculares. Das ruínas de Jerusalém e dos escombros do Império Romano, ela despontaria como vitoriosa contra espíritos e armas, cultos e credos, e, ao longo da história humana, assistiria ao surgimento e queda de tantos outros portentos mundanos.
Como aqueles homens, e seus sucessores, reagiriam à tentação da soberba, inoculada pelo contato com o poder material e espiritual? Continuariam mansos, humildes, tementes, dependentes de Deus e uns dos outros, ou permitiriam que seus corações, em algum momento, fossem contaminados por essa doença degenerativa da natureza humana?
Já havia surgido, mais de uma vez, entre eles, a questão que está sempre presente em qualquer ajuntamento humano: quem é o maior? Quem tem a preeminência? Se Jesus era o Senhor, quais seriam seus ministros e auxiliares privilegiados?
Tal questão, fatalmente, ressurgiria sempre e assaltaria quotidianamente a comunhão dos irmãos e a vida da Igreja.
Ainda mais que poderia ser que, pelo poder e graça que seriam concedidos aos homens, pelos sinais e prodígios que seriam operados, pelas vidas transformadas, a Igreja crescesse e chegasse às cidades importantes, tornando-se rica e abastada.
Talvez Césares, e reis após eles se convertessem, e os cristãos assumissem posições de destaque nos governos, nas universidades, nas ciências, na economia.
Nessa noite de trevas espirituais tal pensamento pareceria delírio aos discípulos, mas bem poderia acontecer que quando Roma caísse, como caem todos os impérios humanos, a Igreja, organizada, rica, cheia de recursos humanos, materiais e espirituais, senhora de espíritos, inteligências e consciências, detentora das chaves dos céus, se tornasse a instituição mais poderosa da terra, dominando sobre reinados, tesouros, terras e armas.
Poderia ser, então, que seus líderes, enlevados pela grandiosidade da obra, assumissem, de algum modo, como seu, o poder, e passassem a usar roupas distintivas dos demais homens, a ostentar títulos repletos de adjetivos, a aceitarem das demais pessoas, honras, destaques, temor, bajulação, até mesmo por suas virtudes.
Quem sabe não teriam a idéia de construírem lugares suntuosos, tão diferentes da pobre sala em que estavam reunidos agora, dedicando-se a solenidades complicadas e cheias de rituais, ao invés do simples compartilhar de uma refeição, de um repartir de pão e vinho?
Talvez até mesmo alguém ousasse dar seu próprio nome a instituições, serviços, ministérios, fazendo seguidores, promovendo sua sabedoria e doutrina, seus livros e projetos, esquecidos de que só há um nome diante do qual os outros devem se curvar.
Quem sabe o mover da história levasse, até mesmo, os cristãos a fundarem nações, e uma dessas se tornasse, a seu tempo, o maior império da história, com poder de, literalmente, destruir o próprio planeta, dominando os recursos naturais, tecnológicos e bélicos?
Poderia ser, então, que líderes cristãos, embalados pelo sucesso de sua pregação, pelo encantamento das multidões, pelo magnetismo dos carismas, pelo fascínio dos milagres, se tornassem estrelas da mídia, comprando jornais, rádios, televisões, escrevendo “best sellers”, anunciando-se em “out doors” pelas cidades.
Poderia mesmo chegar o dia em que se medisse o sucesso de um ministério cristão pelo seu orçamento, pelo número de pessoas envolvidas e prestígio de seus líderes perante os detentores do poder secular, os ricos e famosos do mundo.
Jesus já havia falado com eles muitas vezes sobre a necessidade de serem servos. Havia dito claramente que, no Reino, ao contrário do mundo, maior é o que serve, e não o que é servido. Havia dado exemplos, contado parábolas, mostrado uma vida de serviço.
Sabia, no entanto, Jesus, que as palavras adquirem, ao longo do tempo, sentidos diferentes. Também são interpretáveis ao sabor das inclinações da alma humana ou distorcidas pelos sofismas dos entendidos.
Assim, poderia ser que palavras tão comuns naquele momento para os discípulos, como escravos (servos), despenseiros (mordomos), diáconos (obreiros, ministros, servidores), termos que indicavam, claramente, tarefas simples, posição humilde, submissão, se tornassem títulos e adjetivos incrustados em portas de gabinetes, impressos em cartões de visita e currículos profissionais.
Jesus já havia demonstrado uma vida de servo: ouvia, ensinava, alimentava, curava, orava, dava, acolhia, distribuía, sem descanso, sem medida, sem restrições. Agora, nesse momento crucial, Ele precisava fazer algo que gravasse essa lição profundamente nos espíritos e nos corações daqueles homens e da Igreja.
Eles tinham que entender que a obra a ser continuada dependia, dramaticamente, de que eles assumissem uma postura de servos, permanecessem humildes, dependentes, vasos de barro vazios, canais, instrumentos, ainda que em meio das maiores riquezas e demonstrações de poder.
Cada vez que qualquer deles, ou de seus sucessores, pretendesse ser algo mais, quebraria a comunhão, comprometeria o testemunho, permitiria que o humanismo, a carnalidade, o personalismo, a soberba, enfim, atingisse a Igreja por dentro.
Deus não encontra limites, para cumprir seu propósito, na criação, nos poderes infernais, nas contingências históricas ou na fragilidade humana. No entanto, a obra da Igreja deve repousar sobre homens que tenham corações de servos, mansos e humildes, para que a vida de Jesus se reproduza neles e deles seja multiplicada.
Assim, Jesus, naquela noite, os marcou com algo dramático, chocante, quase escandaloso.
(A CONTINUAR)

Fernando Sabóia Vieira, de “Crônicas do Reino”

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