terça-feira, 13 de julho de 2010

UM POUCO DE DIETRICH BONHOEFFER (1906-1945), 3º Texto

Fraternidade cristã não é um ideal, mas uma realidade divina


Apenas través de Jesus Cristo alguém é irmão de outrem. Sou irmão de outra pessoa através daquilo que Jesus Cristo fez para mim e em mim; a outra pessoa se tornou meu irmão através daquilo que Jesus Cristo fez nela e para ela. O fato de sermos irmãos exclusivamente através de Jesus Cristo tem um significado imensurável. O irmão com o qual lido na comunhão não é aquela pessoa honesta, ansiosa por fraternidade e piedosa que está diante de mim, mas é a pessoa redimida por Cristo, justificada, chamada para a fé e para a vida eterna. Nossa comunhão não pode ser baseada naquilo que a pessoa é em si, sua espiritualidade e piedade. Determinante para nossa fraternidade é aquilo que a pessoa é a partir de Cristo. Nossa comunhão consiste unicamente no que Cristo fez por nós dois.
E isso não é assim apenas no início, como se, no decorrer do tempo, algo fosse acrescentado a essa comunhão, mas assim será para todo o futuro e em toda a eternidade. Só tenho e terei comunhão com outra pessoa através de Jesus Cristo. Quanto mais autêntica e profunda for nossa comunhão, tanto mais todo o resto ficará em segundo plano, com tanto mais clareza e pureza Jesus Cristo, única e exclusivamente ele e sua obra se tornarão vivos entre nós. Temos uns aos outros apenas através de Cristo, mas através de Cristo nós de fato temos uns aos outros, inteiramente para toda a eternidade.
Isso acaba de antemão com todo o desejo sombrio por mais. Quem deseja mais do que Cristo estabeleceu entre nós não procura fraternidade cristã, busca quaisquer experiências extraordinárias de comunhão que não pode encontrar em outra parte, traz desejos confusos e impuros para dentro da fraternidade cristã. É exatamente neste ponto, na maioria das vezes logo de início, que a fraternidade cristã corre o maior perigo, o envenenamento mais íntimo, ou seja, confundir fraternidade cristã com um ideal de comunhão piedosa, misturar o anseio natural do coração piedoso por comunhão com a realidade espiritual da fraternidade cristã.
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Numerosas vezes, toda uma comunhão cristã faliu porque vivia de um ideal. Justamente o cristão sério, aquele que pela primeira vez entra em contato com uma comunhão de vida cristã, muitas vezes trará consigo uma determinada imagem do tipo de vida em comum cristã e se empenhará em colocá-la em prática. No entanto, é a graça de Deus que logo levará tais sonhos ao fracasso. A grande decepção com os outros, com os cristãos em geral e, se correr tudo bem, também conosco mesmos, precisa nos vencer, tão certo como Deus quer nos levar ao conhecimento de uma verdadeira comunhão cristã. Em sua imensa graça, Deus não permite que vivamos, nem por poucas semanas, em um sonho, que nos entreguemos àquelas experiências embriagadoras e a essa euforia que nos assalta como um êxtase. Pois Deus não é o Deus de emoções, mas da verdade. Somente a comunhão que passa pela grande decepção, com seus maus e desagradáveis aspectos, começa a ser o que ela deve ser diante de Deus, começa a apossar-se na fé da promessa recebida. Quanto mais cedo a pessoa e a comunidade passarem por esta decepção, tanto melhor para ambas.
Uma comunhão que não suporte e não sobreviva a uma tal decepção, que se agarre a seu ideal quando ele é para ser destruído, perde na mesma hora a promessa de comunhão duradoura, e se desmanchará mais cedo ou mais tarde. Qualquer ideal humano, introduzido na comunhão cristã, impede que a comunhão possa existir. A pessoa que ama mais seu sonho de uma comunhão cristã do que a própria comunhão cristã, destruirá qualquer comunhão cristã, mesmo que pessoalmente essa pessoa seja honesta, séria e abnegada.
Deus odeia as fantasias, pois elas tornam a pessoa orgulhosa e pretensiosa. Quem idealiza uma imagem de comunhão exige de Deus, das outras pessoas e de si mesmo que ela se torne realidade. Entra na comunhão cristã colocando exigências, estabelece uma lei própria e a partir dela julga os irmãos e até mesmo Deus. Comporta-se com rigidez, como uma acusação viva para todos os demais no círculo de irmãos. Age como se precisasse primeiro criar a comunhão cristã, como se seu ideal fosse unir as pessoas. Tudo o que não acontece de acordo com sua vontade é considerado como fracasso. Lá onde essa pessoa vê seu ideal ser destruído, ela vê a comunhão se quebrando. Assim, primeiro ela se torna acusadora de irmãos, então de Deus, e, por fim, acusadora desesperada de si mesma.
Não entramos na comunhão com exigências, mas com gratidão e como agraciados, porque Deus já colocou o único fundamento de nossa comunhão, porque há muito, mesmo antes de entrarmos na comunhão com outros cristãos, Deus já nos uniu com eles num só corpo em Jesus Cristo. Agradecemos a Deus pelo que fez por nós. Agradecemos a Deus por ele nos dar irmãos que vivam sob seu chamado, seu perdão e sua promessa. Não nos queixamos por aquilo que Deus não nos dá, mas agradecemos pelo que ele nos dá diariamente.



“Vida em Comunhão”
Sinodal, 1997.

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