sexta-feira, 12 de março de 2010

Meditação e Oração

UM POUCO DE MADAME GUYON (1648-1717)

Um Caminho Curto e Fácil para Oração

Capítulo II – O Método de Orar

Há dois caminhos para se levar uma alma a orar, os quais devem ser percorridos por algum tempo: um é Meditação, o outro é Leitura acompanhada de Meditação.
A Leitura Meditativa consiste em escolher alguma importante verdade prática ou especulativa, sempre preferindo a prática, e proceder da seguinte forma: qualquer que seja a verdade escolhida, ler apenas uma pequena porção dela, buscando prová-la e digeri-la a fim de extrair sua substância. Não seguir adiante enquanto a passagem ainda tiver sabor ou conforto. Quando não mais sentir isso, pegue o livro novamente e proceda do mesmo modo, raramente lendo mais do que meia página de cada vez, pois não é a quantidade lida, mas a maneira de ler que traz benefícios.
Os que lêem rápido não têm maior ganho do que teria uma abelha que apenas tocasse a superfície da flor, ao invés de penetrar nela e extrair sua doçura. Muita leitura é melhor para temas escolásticos do que para verdades divinas. De fato, para obtermos verdadeiros ganhos de livros espirituais devemos lê-los como descrito acima, e estou certa de que se esse método for seguido logo estaremos habituados a ele e teremos uma mais plena disposição para orar.
Meditação, que é o outro método, deve ser praticada em ocasião própria e não no tempo da leitura. Eu creio que a melhor maneira de meditar é a seguinte: quando por um ato vivo de fé você se colocar na Presença de Deus, relembre alguma verdade na qual haja substância e alimento; detenha-se nela gentil e suavemente, não para empregar a razão, mas apenas para acalmar e fixar a mente: você deve observar que o seu principal exercício deve ser sempre a Presença de Deus e, assim, seu propósito deverá servir mais para tranqüilizar a mente do que para exercitar o entendimento.
Desse procedimento se seguirá, necessariamente, que a fé viva num Deus imediatamente presente no mais íntimo da nossa alma produzirá uma desejosa e veemente pressão no sentido de nos voltarmos para dentro de nós mesmos e uma restrição a que nossos sentidos vagueiem para fora.
Servirá para eliminar rapidamente de nós inumeráveis distrações, para remover para longe objetos externos e para nos trazer para junto do nosso Deus, o Único que deve ser encontrado no centro do nosso ser, que é o Santo dos Santos onde Ele habita. Ele mesmo prometeu "vir e fazer seu tabernáculo naquele que fizer sua vontade" (João 16:23).
Santo Agostinho acusa-se a si mesmo de desperdiçar tempo por não ter desde o princípio buscado a Deus em oração dessa maneira.
Quando estivermos, desse modo, totalmente introvertidos e acolhedora e completamente penetrados por uma percepção viva da Presença Divina; quando todos os nossos sentidos estiverem recolhidos e atraídos da periferia para o centro e a alma estiver doce e silenciosamente envolvida com as verdades lidas, não em raciocínios, mas se alimentando delas e animando a vontade pela afeição, ao invés do entendimento pelo estudo; quando, digo, as afeições estiverem nesse estado, o qual, por mais difícil que possa a princípio parecer, é atingível, como demonstrarei mais adiante, então devemos permitir que essas afeições repousem docemente e que pacificamente bebam daquilo que elas experimentaram. Pois uma pessoa pode desfrutar o sabor da mais fina carne na mastigação e mesmo assim não receber qualquer nutrição dela, se ela não interromper essa ação e engolir a comida. Assim, quando nossas afeições estiverem enternecidas, se nós tentarmos levá-las mais adiante extinguiremos sua chama, e a alma será privada de seu alimento. Devemos, portanto, em quietude e repouso, com reverência, confiança e amor, engolir o alimento bendito que saboreamos. Esse método é de fato altamente necessário e vai dar mais progresso à alma em curto tempo do que qualquer outro em muitos anos.
Eu mencionei que nosso principal e imediato exercício deve consistir na contemplação da Presença Divina. Nós devemos também estar extremamente diligentes e atentos em recolher nossos sentidos dispersos, como o mais fácil método de superar as distrações, uma vez que uma contestação e uma oposição diretas apenas servem para aumentá-las e irritá-las, enquanto que, mergulhando profundamente num sentido e percepção de um Deus presente, e simplesmente nos voltando para dentro, nós imperceptivelmente lutamos de forma muito vantajosa contra elas.
É conveniente advertir os iniciantes contra vagar de uma verdade para outra, de objeto em objeto. A maneira correta de penetrar em cada verdade divina, de desfrutar seu total conforto e de imprimi-la no coração é permanecer nela enquanto seu sabor durar.
Embora o recolhimento seja difícil no começo, por causa do hábito adquirido pela alma de estar sempre fora de casa, quando forçada ela vai a isso se acostumando, e logo ficará perfeitamente dócil e se sentirá deliciada. Tal é o sabor e a sensação que se experimenta da Divina Presença, e tal é a eficácia daquelas graças que Deus dispensa, cuja única vontade em relação a Suas criaturas é comunicar a Ele mesmo para elas.

Madame Guyon, "A Short and Easy Method of Prayer", in Christian Classics Ethereal Library - www.ccel.org.

Tradução: Fernando Sabóia Vieira

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