O VÉU DO TEMPLO E O VÉU DO CORAÇÃO
Queridos irmãs e irmãos, companheiros de jornada,
Na nossa jornada pascal deste ano, meditamos nos acontecimentos da última semana de Jesus aqui na Terra conforme relatados no Evangelho segundo Mateus.
Uma das questões do roteiro proposto para reflexão e compartilhamento se referia a um evento extraordinário ocorrido no Templo no momento exato da crucificação do Senhor: o véu do Santuário rasgou-se de alto a baixo!
Qual o significado desse fato para a humanidade e para nós?
Esse véu, segundo as instruções que Deus havia dado a Moisés para a construção do Tabernáculo e depois do Templo, separava o chamado Lugar Santo, onde eram oferecidos os sacrifícios de rotina, do Santo dos Santos, recinto fechado onde estava guardada a Arca da Aliança. Nesse lugar Santíssimo, Deus manifestava sua Presença viva, e não se podia simplesmente entrar nele.
Assim, esse véu do Templo simbolizava a separação entre Deus e o homem, provocada pelo pecado dos nossos primeiros pais.
Desde então, o maior privilégio que eles tinham, que era o acesso direto, pessoal e contínuo à Presença do Senhor, estava bloqueado por causa da culpa.
Desde então, o maior desejo e a busca mais intensa da alma humana, exilada, órfã, separada do seu Criador, é o reencontro com essa Presença viva do Pai.
No regime da Velha Aliança, uma vez por ano, o Sumo Sacerdote podia passar pelo véu e entrar no Santo dos Santos para oferecer sacrifício pelos pecados do povo.
Antes de entrar, todavia, ele precisava oferecer um sacrifício por seus próprios pecados, pois ele também estava sujeito à mesma condenação.
Por causa da justiça de Deus, não poderia haver acesso a Ele senão por meio do pagamento do preço do pecado, qual seja, a morte e o sangue derramado. Por causa da graça e misericórdia de Deus, Ele aceitava o sacrifício do animal como remissão pelo pecado do povo.
Mas isso era sempre provisório porque, como explica o autor da Carta aos Hebreus, não havia transformação pessoal daqueles que adoravam dessa maneira, e a cada ano o sacrifício tinha que ser repetido.
Quando Jesus morreu na cruz, esse véu foi rasgado pelo próprio Deus, “de alto a baixo”! Estava encerrado o regime da Velha Aliança, substituída agora por um sacrifício superior e eterno oferecido voluntariamente por alguém que não precisava pagar pelos seus próprios pecados – um cordeiro perfeito, sem defeitos –e que desse modo podia oferecer Sua vida pelas transgressões dos homens.
Em Hebreus encontramos a explicação para o simbolismo do véu rompido no Templo. A verdadeira separação entre Deus e os homens foi eliminada quando o verdadeiro véu foi lacerado: esse véu era carne de Jesus rasgada na cruz.
Esse foi o definitivo e suficiente sacrifício aceito por Deus para que a humanidade pudesse recuperar o acesso a Sua Presença.
Agora, diferentemente do que acontecia antes, os adoradores do Senhor seriam transformados, aperfeiçoados em suas naturezas humanas pela ação do Espírito Santo e pela contínua comunhão com o Pai diante do Trono de Sua graça.
Mas qual, então, nossa dificuldade em desfrutarmos desse acesso e da Presença do Senhor?
O fato é que há um segundo véu a ser removido, um véu que envolve o nosso coração!
Encontramos também no Velho Testamento um simbolismo desse outro véu. Quando Moisés voltava para junto do povo, após ter falado diretamente com Deus, seu rosto reluzia intensamente, resplandecendo a glória do Senhor, a tal ponto que as pessoas, por não poderem suportar tal brilho, pediam que ele encobrisse a face com um véu. Elas não estavam aptas a estar na Presença do Criador, nem mesmo por reflexo.
Paulo refere-se a esse relato das Escrituras para explicar que, para os que não conhecem Jesus, permanece sobre seus corações esse véu, que só é removido quando se convertem. No entanto, quando o véu é retirado, passamos a contemplar o Senhor, com o rosto desvendado, e somos transformados pelo resplandecer de Sua glória, na Sua própria Imagem.
Tozer, no seu livro “À Procura de Deus”, afirma que esse segundo véu é nossa natureza caída que ainda vive dentro de nós, não confessada e não submetida à cruz.
É a vida do eu voltado para si mesmo, manifestada especialmente naqueles pecados relacionados à nossasoberba, à nossa autopreservação e aos nossos próprios interesses, como o egoísmo, o exibicionismo, a autopromoção, a auto piedade, a auto justificação, autossuficiência etc.
Jesus declarou expressamente que são os “limpos de coração” os que verão a Deus!
Queridos companheiros, o primeiro véu está removido. Glórias a Deus Pai e ao Cordeiro que tira o pecado do mundo! O Senhor nos chama de volta à Sua Presença por meio do arrependimento e do Sacrifício de Jesus.
Quanto ao segundo véu, cabe a nós buscarmos em Deus, pelo arrependimento, confissão e súplica, pelo oferecimento de nós mesmos como sacrifício vivo, santo e agradável a Ele e pela renovação da nossa mente, que o Senhor também o renova, rasgando-o de “alto a baixo”.
Mas, como nos adverte Tozer, esse segundo véu é feito de um tecido vivo, da nossa própria carne, dos nossos desejos, fantasias e ilusões conosco mesmos e com o mundo. Assim, rasgá-lo será um processo doloroso muitas vezes, que envolverá da nossa parte renúncia e sacrifício, vergonha e sujeição, temores e súplica.
No entanto, o que nos aguarda além do véu é a experiência mais tremenda e gloriosa para qual fomos criados: a Presença do Deus vivo a nos iluminar, nos transformar, nos acolher, nos atravessar, nos conduzir ao Lar Eterno.
Caros, essa não é uma promessa apenas para o futuro. Já está à nossa disposição, ainda que de forma provisória e imperfeita:
Escreveu Paulo:
“Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então o veremos face a face. Agora, conheço em parte; então conhecerei como também sou conhecido”
Mas, mesmo assim, ainda que em parte e provisória, contemplar essa Presença, com o véu removido do rosto, é a experiência mais tremenda e gloriosa que alguém pode ter:
“E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”
Escrevi, ainda muito, muito jovem, para ser um cântico:
“De Glória em Glória
A graça do Senhor
Faz caírem nossas máscaras
Fantasias do coração
Seu amor rompe trancas de ferro
Despedaça ferrolhos de bronze
Temores da nossa alma
A graça do Senhor
Nos desvenda o rosto
Profundezas do nosso ser
Seu amor preenche os espaços vazios
Embalsama as feridas
Cura todo desamor
Na graça do Senhor
A comunhão do Espírito
Que nos liberta, nos santifica
Para contemplarmos Sua glória
Glória, rendamos glória
Deus nos transforma
De glória em glória
Na própria imagem
Da Sua glória
(De “Veredas no Deserto”, 1995)
Irmãos, que a suficiente e gloriosa graça de Jesus seja com cada um de vocês.
Seu conservo e companheiro de jornada,
Fernando Saboia Vieira
Brasília, em abril de 2020, AD
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