A Oração do
Reino
O Diálogo Reestabelecido
“Precisas
de um templo para orar? Ora em ti mesmo. Sê um templo de Deus e Ele ouvirá tuas
orações.”
Santo
Agostinho
Brasília, em março de
2020,AD.
Queridos
companheiros de jornada em busca da vida interior,
O diálogo
interrompido no Jardim do Éden, quando o Senhor falava livremente com Adão e
Eva no frescor das tardes, foi retomado com a manifestação da Palavra que se
fez carne e habitou entre nós. Contudo, os anos de silêncio e de comunicação
distorcida fizeram com que os homens não mais soubessem como participar dessas
conversas com o Pai de maneira a permitir o fluir do Verbo Eterno, da palavra
“viva e eficaz”, que nos revela, ilumina, transforma.
Assim foi
que os discípulos de Jesus, vendo a intensidade e qualidade de Sua comunhão com
o Pai, logo lhe pediram: “Senhor, ensina-nos a orar“. (Lucas 11:2-4). Não se
tratava de buscar instruções sobre uma prática religiosa. Como judeus, eles
sabiam muito bem recitar as orações dos ritos da lei mosaica. Mas percebiam que
na vida do Filho do Homem essa comunicação com o Pai tinha uma dimensão muito
diferente. Era uma conversa contínua, poderosa, reveladora, capaz de fazer fluir
a Presença e a vontade de Deus.
“Senhor,
ensina-nos a orar”. A instrução de Jesus sobre oração no Sermão do Monte não
tinha o propósito de transmitir um método ou um novo ritual litúrgico. Muito ao
contrário. Todo o contexto de suas palavras aponta para a nova dimensão de
relacionamento entre Deus e os homens proporcionada pela chegada do Reino,
especialmente com a recuperação da condição de filiação divina perdida com a
Queda. Diversas vezes o Senhor se refere ao acesso que os discípulos têm agora ao
Pai celestial, e destaca a repercussão desse status em tudo o que somos,
vivemos, fazemos, sentimos, desejamos, falamos, experimentamos – “perfeitos,
como perfeito é o Pai celeste”.
O
AMBIENTE DA ORAÇÃO
“Fecha a porta do teu
quarto”, diz Jesus. A oração, como uma conversa íntima, precisa ser resguardada
da ostentação piedosa para que não se torne uma prática religiosa vazia. Quando
vamos a orar, vamos em busca de relacionamento pessoal, de contato de alma, de
aproximação de coração. Não podemos fazer disso uma obra espiritual por meio da
qual buscamos algum mérito diante dos homens ou mesmo de Deus. Como escreveu
Bonhoeffer, é necessário que pratiquemos a justiça do Reino escondidos até de
nós mesmos!
Jesus
nos ensina a orar ao Pai “que está em secreto” e que “vê em secreto”. Deus só
pode ser encontrado intimamente “em secreto”, onde Ele está, porque a Presença
d’Ele que buscamos não é geográfica (nesse sentido Ele está sempre em toda
parte!), mas pessoal e comunicativa. Da mesma maneira, é claro que Deus vê
todas as coisas, mas Ele recompensa de modo especial as que Ele vê “em
secreto”.
E
qual seria essa recompensa que podemos esperar dessas nossas conversas
particulares com o Pai? Lembro-me aqui de Bernard de Clairvaux, quando diz que
Deus tem bênçãos e graças ricas e variadas para dar aos que O buscam, mas a
dádiva mais preciosa que Ele quer nos oferecer é Ele mesmo! Esse, penso, é o
bem inestimável da intimidade com o Senhor: estar com Ele, estar n’Ele, ser
preenchido e atravessado pela Presença, conhecer e pertencer a Ele. Nas
palavras do Apóstolo, “ser encontrado nele”!
O
ESPÍRITO DA ORAÇÃO
Os
gentios também tinham seus rituais religiosos e oravam aos seus deuses.
Contudo, como não conheciam a Deus como Pai, oravam – e ainda oram - com
ansiedade, cheio de conflitos, tentando convencer a divindade a quem dirigem
suas petições fazendo da oração uma prática piedosa, sacrificial, ou esotérica,
repetindo exaustivamente fórmulas e palavras místicas.
A oração
não deve ser apenas uma descarga emocional, uma experiência de conforto
psicológico, emocional ou religioso. A oração é uma experiência espiritual que
atinge todo o nosso ser – razão, emoção, vontade. Ela só é possível porque Deus
deseja esse encontro e a ele nos convida, e é Ele mesmo, por meio de Seu
Espírito atuando em nosso ser, quem conduz o diálogo.
“Não
façam como os gentios”, diz Jesus. “Vocês têm um Pai nos céus”. Deus é nosso
Pai. Em Seu Ser infinito, Ele reúne amor, autoridade e santidade. Nas conversas
conosco, Ele quer revelar Seu caráter e Seu propósito. Nele temos nossa
verdadeira identidade, nossa origem e nosso destino.
Como Ele
conhece nossas necessidades, que podem, aliás, ser muito diferentes dos nossos
desejos, nos achegamos a Ele sem ansiedades e sem conflitos. Ao contrário,
acalmamos nossa alma com a certeza de que o Pai nos conhece, nos protege e nos
supre. Quando colocamos nossas petições diante d’Ele é para expressar nossa
confiança e nosso desejo de dependermos d’Ele, e para que Ele se manifeste
concretamente em nossas vidas.
Uma vez
que a oração é uma experiência espiritual é não psicológica ou emocional, ela
bem pode ser uma passagem pelo deserto, uma travessia de lugares áridos e
desérticos, quer por conta de situações e circunstâncias da vida, quer por
condições da nossa alma. Mas especialmente em tais ocasiões é que a oração se
revela poderosa e transformadora.
PREPARAÇÃO
Como
encontro pessoal e íntimo, a oração requer um ambiente adequado, tanto exterior
quanto interior. Ele é uma experiência de comunicação, de diálogo, de Presença
de Deus, como acontecia com Adão e Eva ao frescor das tardes.
“Fecha a
porta do teu quarto” significa não apenas a busca de um lugar de solitude,
longe dos olhares das pessoas e das perturbações do mundo exterior, mas também
um convite ao recolhimento. Pouco adiantará fecharmos a porta do quarto se
trouxermos para dentro do recinto, reverberando e acolhidos na nossa alma,
todos os barulhos, ruídos, conflitos, discussões, desejos, conceitos, emoções e
pensamentos que tumultuam nosso cotidiano.
Quando
vamos nos encontrar com alguém a quem especialmente amamos, concentramos nossa
atenção e cuidado na antecipação desse momento, e nos enchemos de expectativa e
de pensamentos sobre a pessoa querida, nos lembrando de suas características,
virtudes e qualidades e de quão preciosa ela é para nós. Do mesmo modo
precisamos nos preparar para essas conversas com o Pai.
Um dos
fundamentos da oração do Reino é a certeza de que Deus já sabe. Não temos que
convencê-lo de nada. Ao contrário. Muitas vezes, nós é quem não sabemos quem
somos e do que necessitamos. Mas nos aproximamos d’Ele com confiança porque Ele
mesmo, nosso Pai, nos convida para essa conversa.
Lembrando,
Richard Foster, orar é mudar. Se não estivemos dispostos a mudar, não iremos
muito longe na experiência da oração. Não se pode estar na Presença de Deus sem
ser transformado, sem refletir no rosto o brilho de Sua glória.
A ORAÇÃO
DO SENHOR
Ao
meditarmos sobre a oração que Jesus nos ensinou, é útil lembrar que ela nos
ajuda a compreender alguns eixos fundamentais que devem orientar nossa vida: o
da verticalidade, ou seja, a atenção às “coisas do alto”; o da integralidade,
que nos indica que o Senhor quer atingir nossa pessoa inteira; e o da
simplicidade, que nos leva a discernir o que é essencial e necessário do que é
superficial e supérfluo.
Propomos,
a seguir, um breve roteiro de meditação no Pai Nosso. É muito importante que o
espírito dessa oração nos acompanhe em tudo o que fazemos e dizemos, e em todas
as nossas petições e súplicas ao Senhor.
a) “Pai
nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome”
Lembramos
aqui nossa condição de filhos, de pertencentes à família de Deus. Essa é nossa
identidade individual e também coletiva.
Deus é transcendente,
infinito, habita “o alto e santo lugar”, todo perfeito e todo poderoso. É a
Ele, o Criador de todas as coisas, a quem nos dirigimos.
O seu
nome é santo, separado de todo mal. É esse nome que levamos, como filhos, e
esse nome deve ser sempre honrado e preservado. Ele é o nosso amor, nosso temor
e nosso Deus.
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b) “Venha a nós
o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como nos céus”
Muitas
vezes oramos buscando ver a realização do nosso próprio reino, dos nossos
conceitos e ideias. Queremos prevalecer sobre os demais e ver as coisas sendo
feitas à nossa maneira. Queremos impor nossas preferências, resolver nossos
conflitos e ansiedades à nossa maneira.
Quantas
vezes nossa oração não está repleta das nossas vontades? Não é errado
expressarmos a Deus o que queremos, desde que estejamos sempre dizendo a Ele
que deve prevalecer a vontade d’Ele, e não a nossa, toda as vezes em que elas
estiverem em conflito.
Mas para
isso é necessário que busquemos e peçamos que Ele nos revele a Sua vontade e
que Ele também revele a verdadeira condição do nosso coração.
Se
pedimos que o Reino de Deus venha sobre nós, precisamos começar nos dispondo a
obedecer a vontade do Rei, sem o que nossa oração se tornará vazia e hipócrita.
Que o Seu
Reino venha e Sua vontade seja feita na minha vida inteira!
Venha o
seu Reino nos meus pensamentos, nos meus desejos, nas minhas vontades, nas
minhas ideias, nos meus relacionamentos, nas minhas palavras, nas minhas ações.
Quando
peço que seja feita a Sua vontade e medito sobre qual a vontade de Deus para
cada situação e para cada disposição pessoal minha, sou imediatamente
confrontado pela revelação de quanto sou mal, mesquinho, malicioso, egoísta,
soberbo e confuso. Mas continuo orando, agora com mais intensidade e
necessidade: seja feita, Senhor a tua vontade, e não a minha, venha o Teu
Reino, Jesus, e não o meu!
Venha,
Senhor, o Teu Reino e seja feita a Tua vontade neste meu dia, nesta minha
noite, em cada momento de minha vida!
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c) “O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje”
É do
Senhor que provém nosso sustento. Não do esforço do nosso trabalho ou do favor
de qualquer pessoa. N’Ele depositamos nossa confiança. Dependemos d’Ele, mas
como filhos dependem do Pai.
Pedir o
pão “de cada dia” expressa nossa contínua necessidade da provisão de Deus. Renunciamos
à busca de independência e de suficiência em nós mesmos ou em recursos
materiais. Nos lembramos de que se o Senhor não nos abençoar inútil será nosso
trabalho e nossas fadigas.
Ao orarmos
dessa maneira também somos chamados a refletir sobre o que de fato nos é
necessário e separar nosso coração das muitas coisas que por vezes desejamos e
buscamos, mas que não nos são essenciais ou nem mesmo importantes.
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d) “E perdoai as nossas dívidas, assim como nós
perdoamos os nossos devedores”
Necessitamos
diariamente de perdão tanto quanto de pão. Sem perdão nossa alma definha,
vítima de sua própria contaminação.
Como filhos
da Luz, precisamos andar na luz, como Ele na luz está.
O Senhor
disse que são os limpos de coração que verão a Deus.
Também somos
chamados a nos comprometermos em perdoar os que nos ofendem, uma vez que o
perdão é o canal pelo qual flui a graça de Deus, da qual tanto necessitamos. Jesus
reforçou esse ponto dizendo enfaticamente que se não perdoamos os que nos
causam danos também não seremos perdoados.
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e) “Não nos deixeis cair em tentação”.
As tentações
nos sobrevirão e não podemos ter a pretensão de a elas sermos capazes de resistir
sozinhos. Precisamos da graça e do poder do Espírito para discernir os perigos
do caminho, para escrutinar o nosso coração e para nos comunicar virtude e
santidade.
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f) “Mas livrai-nos do mal”
Somos
frágeis diante do mal que assola este mundo caído. Ações de pessoas escravas do
pecado, enfermidades, carestias, intempéries, guerras, injustiças, opressões.
O “mal”,
nessas palavras de Jesus, também significa o Maligno, o inimigo de nossa alma. Há
poderes espirituais tenebrosos em ação neste mundo e precisamos pedir
diariamente ao Senhor livramento.
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g) “Pois vosso é o reino, o poder e a glória para
sempre”.
Ao final
da oração voltamos ao início, e declaramos que a Ele pertencem o reino, o poder
e a glória para sempre. E nos incluímos nessa adoração e reconhecemos que
também nós pertencemos a Ele, que somos parte desse Reino, que sustentados por
esse poder e que vivemos para Sua exclusiva glória.
Finalmente,
irmãos e irmãs, essa não é uma oração para ser simplesmente aprendida e
repetida. Deve ser objeto de nossa meditação cotidiana e deve ser a inspiração
e o espírito de todas as nossas conversas com o Pai.
Mais
ainda, deve ser o estilo de vida que vivemos e que buscamos viver a cada dia,
em simplicidade, integridade e comunhão com nosso Pai que está nos céus e que
também está em secreto, que nos vê na nossa intimidade e que nos abençoa com
Sua Presença.
Que
a suficiente graça de Jesus seja com todos vocês.
Seu
conservo,
Fernando
Saboia Vieira