Brasília, DF, em
janeiro de 2020, AD.
Caros companheiros de jornada em busca da vida
interior,
Compartilho alguns pensamentos sobre a necessidade
de vivermos a Presença de Deus momento após momento, em nossa vida comum.
Santificação da Vida Comum
- Colossenses 3:17
“E tudo o que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do
Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.”
- Colossenses 3:23-24
“Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor e não
para as pessoas, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a
Cristo, o Senhor, que vocês estão servido.”
- 1ª aos Coríntios
16:14
“Façam todas as coisas com amor.”
APROXIMAÇÃO
Como
filhos de Deus, somos chamados a viver uma vida completa, santa e plena de
sentido, valor e significado. Essa é a essência do seu propósito para nós,
sermos um povo e família que reflete e vive o amor do Pai.
Ocorre
que muitas vezes pensamos que isso significa viver e fazer grandes e
maravilhosas coisas para Deus. Ouvimos muitas histórias de sucesso pessoal e ministerial
medido em números de exposição midiática e de resultados financeiros, relatos de
“start up” espirituais, de movimentos impactantes, lendas e mitos de homens e
mulheres, fortes, empreendedores, motivadores, quase sobre-humanos.
Assim,
criamos expectativas e alimentamos sonhos tremendos sobre nós mesmos, sobre
nossas famílias, profissões, ministérios. Imaginamos e buscamos viver vidas
perfeitas, assumimos uma visão desencarnada da espiritualidade que nos afasta
da vida humana que fomos de fato chamados a viver a cada dia de nossa jornada.
Esquecemos
que, com a vinda de Jesus, Deus assumiu a forma e o viver humanos, e não os
homens foram chamados a viver como deuses!
Embalados
pelos ventos da modernidade que prometem sucesso e realização a todos por meio
de métodos tidos como “científicos” (em moda, no momento, a tal neurociência e
o paradigma do empreendedor individual de sucesso), pelos quais criam ilusões
emocionais sobre si mesmos e sobre a vida real, muitos cristãos passam a fazer
“planejamentos estratégicos” com suas vidas, tentam se tornar empreendedores do
próprio sucesso.
Estabelecem
alvos elevados para suas realizações pessoais e mesmo espirituais, elegem
prioridades, traçam propósitos, metas, planos e projetos, escolhem indicadores
de eficiência, e aderem aos novos gurus e profetas da religião humanista deste
século: os tais “coachs”, “influencers”, blogueiros, famosos, subcelebridades
etc., gospeis ou incircuncisos, que impressionam com seus gritos e frases de
efeito, seus truques motivacionais, suas estrambóticas peripécias cênicas, suas
performances extravagantes nas redes sociais, suas palavras impactantes,
frases, mantras e jargões hipnóticos e, principalmente, com suas piruetas e
contorcionismos conceituais.
Oferecem
com notável descaramento uma mescla de psicologia popular em linguagem
neurológica, pseudocientífica, misticismo frouxo de várias tonalidades, versões
enviesadas de cristianismo e de outras religiões, ufanismo, hedonismo,
materialismo, egocentrismo e tudo o mais o que configura a mentalidade secular
humanista. Os únicos que, de fato, ficam ricos e prosperam com o “método
poderoso” que anunciam, curiosamente, são eles mesmos, e os que se tornam seus
discípulos, franqueados ou piramidais!
Todavia,
ao importar os métodos do mundo, fatalmente importamos também, às vezes sem
sequer nos darmos conta disso, seus conceitos fundantes: sua visão do homem, da
vida, do sentido da existência, dos valores. Métodos nunca são neutros. São
fundados em crenças (científicas, ideológicas ou espirituais) e servem para
alcançar alvos coerentes com essas convicções essenciais. Alvos espirituais só são
alcançáveis por meios espirituais, assim será o fruto como o for a semente.
Infelizmente,
nesse “combo”, as pessoas também inevitavelmente importam os efeitos colaterais
dessa pretensa panaceia e as consequências inevitáveis dessa ilusão: a
ansiedade, a frustração, o vazio, o medo, as dúvidas, a tristeza e a depressão,
uma vez que, ao fim de tudo, não há como escapar da finitude da vida e da
futilidade de quaisquer conquistas que se tornarão simplesmente nada com a
morte.
Mas
permanece a questão colocada de início: o que significa viver essa vida plena e
completa em Deus e como podemos caminhar nessa direção? De que maneira a vida
com o Senhor pode ser vivida em histórias humanas comuns, por pessoas que
precisam trabalhar, cuidar da família, enfrentar as dificuldades econômicas e
sociais, as enfermidades e adversidades da existência e mais os desafios da
espiritualidade, da santidade, de ser discípulo, testemunhar a fé, anunciar o
Reino, fazer discípulos e edificar a Igreja?
É
nesse contexto que propomos aqui uma abordagem mais integrada e vivencial da
espiritualidade, que não seccione a vida em vida espiritual e vida natural, mas
que possa nos dar uma perspectiva de Deus, de Sua Presença e propósito em tudo
o que fazermos a cada hora do dia que temos que viver concretamente, em nossa
existência normal, em nossas atividades ordinárias. Por isso escolhemos para
essa reflexão o título de “Santificação
da Vida Comum”.
A
SANTIFICAÇÃO DA VIDA COMUM
Santificar
a vida comum significa ver o sentido eterno das coisas efêmeras. Não
necessariamente viver grandes experiências, mas dar sentido e valor a cada uma,
especialmente às mais comuns, que constituem nossa vida real cotidiana. A vida
que de fato nós vivemos, não aquela com que sonhamos, com que nos iludimos.
A
essência do sentimento de vazio e da ansiedade que adoece o homem moderno está
na perda do sentido, do valor e do significado das lutas da vida comum que
somos obrigados a viver. Suas raízes mais profundas estão na própria natureza
humana: criados para uma vida com Deus, com os irmãos e conosco mesmos, mas
condenados a uma vida exilada de Deus, dos outros e de nós mesmos.
A
proposta de Jesus contra a ansiedade no Sermão do Monte aponta para as
preocupações da vida comum: o alimento, o vestuário, o dia de amanhã. São essas
inquietações que tiram nosso olhar do cuidado do Pai e levam nossa alma a vagar
em lugares áridos do medo, da frustração, da insegurança, do vazio existencial.
No
livro do Eclesiastes encontramos um testemunho contundente sobre esse vazio de
valor e de significado que envolve toda a existência e todas as atividades e conquistas
humanas “debaixo do sol” – nada tem sentido eterno, a vida é uma imensa ironia.
O Pregador narra sua busca vã por sentido nas riquezas, nos prazeres e até
mesmo na sabedoria, experimentando, ao final, o ceticismo, a tristeza e o
desânimo que tanto caracterizam os homens modernos.
Vemos
que as raízes mais profundas da ansiedade humana se revelam nessas tentativas
de preencher o vazio existencial diante do inevitável desfecho da morte.
Fazendo ou não fazendo, permanecemos inquietos e ansiosos quanto aos frutos de
nossas escolhas, os riscos e custos envolvidos nos negócios da vida, o caos da
existência, as opressões e dificuldades, a insegurança do dia de amanhã.
O
fato é que não podemos tornar nossa vida – aquela que, de fato, nós vivemos,
não aquela angelical em busca da qual muitas vezes nos desgastamos e nos
iludimos – algo como uma odisseia, uma olimpíada, um supercampeonato, um “master chef”, algum tipo de “reality show” que, na verdade, tem muito
de “show” e nada de “reality”!
Temos
uma vida comum para viver, e ela nos ocupará a maior parte do nosso tempo e é
ela que determinará o sentido e o valor de nossa existência, momento após
momento, e nos dará plenitude de espírito, alma e corpo, a despeito de
quaisquer projetos grandiosos em que eventualmente possamos estar envolvidos.
A
cada dia, vamos acordar de manhã, tomar banho, fazer o café, cuidar da casa,
dos filhos, ir à rua, trabalhar, ir ao mercado, pagar as contas, lidar com o
caos da vida, enfrentar as dificuldades, a carestia, os perigos. Vamos nos
relacionar com pessoas, boas ou nem tanto, sob o sol e a chuva, compartilhando
os espaços, o ar, a água, a cidade, o país, o planeta.
Podemos ter pelo menos duas
maneiras negativas de considerar essa vida comum: uma, tê-la como um incômodo e
uma interferência nos nossos planos e sonhos de vivermos uma vida plena e
feliz, repleta de intensas experiências pessoais, espirituais, emocionais etc.; outra, podemos nos perder nas tarefas, rotinas e obrigações
impostas por essa realidade e vivê-la alienadamente, assumindo sua falta de
sentido.
Os textos bíblicos citados
ao início nos chamam, todavia, a algo muitíssimo diferente. Eles nos exortam a
darmos sentido, valor e significado espiritual e eterno a cada ato, momento,
gesto, tarefa e experiência da vida comum, momento após momento.
É em nossa vida cotidiana, nas escolhas que
fazermos e em nossa disposição de coração em cada situação que tornamos
concreta nossa consagração ao Senhor, nosso reconhecimento do Seu governo sobre
nós, nossa gratidão e nosso amor a Ele e às pessoas a quem Ele ama.
Não é “espiritualizar tudo” no sentido de uma
generalização religiosa que retira toda a substância concreta dessa expressão e
produz novamente o vazio, numa desconexão com a existência encarnada que temos
que viver, mas, sim, santificar tudo a
Ele, compreendendo que esse tudo que deve ser feito “em nome do Senhor”, “de
todo o coração”, “para Ele” e “com amor” significa cada ato, cada momento, cada
ação, cada parte do nosso ser, sentir e agir.
Vivemos apenas um momento
e uma experiência de cada vez. Nossos olhos só focam um ponto e nosso
pensamento só pode se concentrar em uma ideia de cada vez. É nessa
particularidade que vivemos e pensamos concretamente e é nela que devemos
expressar nossa espiritualidade, momento após momento. É nessa atenção
recolhida a cada tarefa que está diante de nós que encontramos a comunhão
contínua com o Pai e a percepção de sua constante Presença.
A multifuncionalidade tão
valorizada na sociedade moderna é desumanizante. Exila a alma, faz com que ela
esteja sempre a vagar, a se dispersar e a se gastar por lugares distantes, onde
consome todas as suas energias vitais. Nunca atenta ao presente, àquilo que é
chamada a viver, fazer, suportar, experimentar momento após momento.
Um foco de visão, de
pensamento, de sentimento, de atenção e de amor de cada vez. É essa atitude que
nos integra e que pode tornar o ideal real. Alguém já disse que é muito mais fácil
amar a humanidade do que amar o próximo: a humanidade é uma abstração, um
conceito; o próximo é concreto, não idealizado. Não se pode hoje reviver o passado
nem antecipar o dia de amanhã. Apenas temos para viver o dia que se chama Hoje.
Os nossos projeto e sonhos
mais caros precisam ser construídos a cada dia: cada aula do curso até a
formatura, cada dia de trabalho para cumprir uma carreira, cada interação com
os filhos para formá-los, cada momento com as pessoas para amá-las, cada
respirar para adorar a Deus e para experimentar o dom precioso da vida e a
graça que Ele concede e torna concreta instante após instante.
Somos chamados para amar e
servir a Deus a cada dia em cada atividade ou tarefa, mesmo e principalmente aquelas
da nossa vida comum. Não somos chamados a viver como anjos, mas como seres
humanos. As parábolas de Jesus quase sempre se referiam a situações vividas pelas
pessoas no seu cotidiano, no trabalho, em casa, na comunidade. É nelas que o
Reino deve ser manifestado.
O importante é não nos
dividirmos, mas nos integrarmos. Não fazer e orar ao mesmo tempo, mas tornar,
cada um por sua vez, a tarefa oração e a oração serviço. Não é estar aqui como
o pensamento e atenção em outro lugar, mas viver inteiramente o momento e a
experiência que o Senhor nos proporciona, seja no trabalho, seja nos cuidados
comuns da vida, seja nas conversas triviais da convivência humana.
Não tente fazer o café e
orar ao mesmo tempo. Possivelmente, não será um bom café nem uma oração
adequada. Se a você cabe a tarefa de fazer o café você deve se esmerar nisso e
confiar que Deus está naquele momento cuidado dos anseios do seu coração! Faça o
café de todo o coração, com amor, como para o Senhor! Essa é sua oração e
serviço num só gesto.
PRINCÍPIOS DE
SANTIFICAÇÃO DA VIDA COMUM
·
Tudo e cada coisa em nome de Jesus, dando por Ele
graças a Deus (Colossenses 3:17).
·
Tudo e cada coisa de todo o coração, como para Ele.
(Colossenses 3:23-24).
·
Tudo e cada coisa com amor (1ª aos Coríntios 16:14).
Esses princípios tornados práticas nos mantêm na
Presença de Deus, dos outros, de nós mesmos e nos dispõem ao tão necessário recolhimento
que nos leva à paz, à alegria e ao contentamento.
Eles também tratam imensamente nosso caráter,
forjando humildade, nos dispondo ao serviço, levando-nos à dependência de Deus.
Vivendo por eles encontramos o sentido e o propósito
do nosso viver mesmo em meio às lutas e apesar do caos das circunstâncias.
Caros, antes de mudarmos nossas agendas, vamos
buscar mudar nosso coração.
Que a suficiente e poderosa graça de Jesus seja com
o espírito de vocês.
Brasília, janeiro/fevereiro de 2020, AD.
Fernando Saboia Vieira
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