terça-feira, 8 de junho de 2010

UM POUCO DE JOHN DONNE (1572-1631)

MEDITAÇÃO XVII


NUNC LENTO SONITU DICUNT, MORIERIS

Agora esse sino que dobra suavemente por outrem me diz,
Tu certamente morrerás.


Quiçá aquele por quem esse sino dobra esteja tão mal que não saiba que é por ele que toca. E, quiçá, eu possa me achar tão melhor do que de fato estou que aqueles que estão próximos a mim, e vêem meu estado, fizeram com que tocasse por mim, e eu não me dou conta disso.
A igreja é católica, universal, e assim são todas as suas ações, tudo o que ela faz pertence a todos. Quando ela batiza uma criança, essa ação me concerne, pois aquela criança está doravante conectada àquela cabeça que é também a minha cabeça, e inserida naquele corpo do qual eu sou membro.
E quando ela enterra um homem, essa ação me concerne; toda a raça humana tem um autor, e compõe um só volume. Quando um homem morre não é rasgado um capítulo do livro, mas traduzido para uma linguagem melhor, e cada capítulo deve ser assim traduzido. Deus utiliza vários tradutores. Algumas partes são traduzidas pela idade, algumas por enfermidades, algumas por guerras, algumas pela justiça, mas a mão de Deus está em cada tradução, e sua mão recolherá novamente todas as folhas dispersas, pois aquela biblioteca onde cada livro deve estar se abre para outra. Assim, o sino que convoca para um sermão chama não apenas o pregador, mas também a congregação, de modo que o sino nos chama a todos, mas muito mais a mim, que cheguei tão perto da porta por meio dessa enfermidade.
Havia uma contenda muito antiga (na qual piedade e dignidade, religião e estima estavam misturadas) sobre qual das ordens religiosas deveria primeiro convocar para orações pela manhã, e foi determinado que seria aquela que mais cedo despertasse. Se nós compreendêssemos corretamente a dignidade desse sino que nos convoca para oração vespertina, ficaríamos felizes em tomá-lo como nosso, levantando-nos prontamente, ao seu chamado, para que ele seja nosso tanto quanto daquele por quem de fato toca. O sino toca para aquele para quem pensa tocar e, embora possa silenciar novamente, ainda assim, daquele minuto em diante, a partir daquela ocasião que lhe sobreveio, ele está unido a Deus. Quem não dirige os olhos ao sol que nasce? Mas quem os afasta de um cometa quando ele se despedaça? Quem não inclina os ouvidos a qualquer sino que toque em qualquer ocasião? Mas quem pode afastá-los daquele sino, que está fazendo um pedaço dele mesmo sair deste mundo?

Homem algum é uma ilha, completo em si mesmo, todo homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um torrão de terra for varrido pelo mar, a Europa é menor, do mesmo modo que se um promontório o fosse, do mesmo modo que se a casa de um dos teus amigos ou a tua o fosse. A morte de qualquer homem me diminui, porque estou envolvido na humanidade e, por isso, nunca procure saber por quem o sino dobra, ele dobra por ti.

Também não podemos chamar a isso um clamor por miséria, ou de um empréstimo de miséria, como se não fôssemos nós miseráveis o bastante por nós mesmos e precisássemos buscar mais na casa ao lado, tomando sobre nós a miséria de nossos vizinhos. Essa seria, verdadeiramente, uma cobiça desculpável se o fizéssemos, pois aflição é um tesouro e um homem jamais tem suficiente dele. Nenhum homem tem aflição bastante, ao ponto de não ser provado, de amadurecer e ser aperfeiçoado por Deus por meio daquela aflição.
Se um homem carrega um tesouro em blocos ou barras de ouro e não leva nada cunhado em moeda corrente, seu tesouro não vai cobrir seus gastos de viagem. A tribulação é um tesouro por natureza, mas não é moeda corrente no seu uso, exceto pelo fato de que, por ele, nos aproximamos cada vez mais de nosso lar. O outro pode também estar doente, doente de morte, e essa aflição permanecer nas suas entranhas, como ouro numa mina, e não ter qualquer utilidade para ele, mas esse sino que me fala de suas aflições escava e aplica aquele ouro a mim, caso eu, considerando o perigo que o outro corre, contemple o meu próprio, e me ponha em segurança recorrendo ao meu Deus, que é nossa única segurança.

Disponível em www.luminarium.org
Tradução: Fernando Sabóia Vieira


Um comentário:

  1. Gílson Vasconcelos Dobbin4 de abril de 2011 às 08:49

    Recomendo a todos a leitura do belo romance de Ernest Hemingway, Por quem os sinos dobram. O filme também é interessante, mas, como diriam as traças, o livro é melhor.

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