Simplicidade
Fernando Sabóia Vieira – isn/bsb/2016
Aos companheiros de jornada em busca da vida
interior, em especial aos que já se encontram, como eu, na estação das chuvas
serôdias,
A simplicidade
não é um traço de personalidade ou um estilo de vida. A simplicidade é uma virtude
cristã que tem como fonte e como modelo a expressão humana de Deus – o
Verbo encarnado - e que deve ser manifestada existencialmente no caráter e no
comportamento. A simplicidade se
revela nos pensamentos, nos sentimentos, nas vontades, nas palavras, nas escolhas
e nos comportamentos. Ela é a forma de que se revestem as coisas e as realidades
mais essenciais, verdadeiras, belas, significativas, boas e profundas –
espirituais, portanto.
Principalmente, a simplicidade é uma virtude da espiritualidade requerida dos
discípulos de Jesus. É uma condição do coração, uma característica da piedade,
do ser para Deus e para a realidade espiritual que tudo abrange na Criação.
A simplicidade
é uma marca distintiva da vida do Mestre, de seus discípulos e apóstolos e de
todos os santos da Igreja, e é característica de toda expressão verdadeira de
santidade.
A negação da simplicidade se configura nos excessos da concupiscência em todos
os seus aspectos, na artificialidade das aparências, na futilidade dos símbolos
vazios de status e de glória humana efêmera, na cobiça, na soberba e em tudo o
que conduz à perda do senso do significado e do valor do ser humano e da
realidade que o cerca.
Ser simples não é negar a complexidade e
multiformidade da vida e da realidade, mas é, estando imersos nisso, não perder
a percepção da unidade e da essencialidade que tudo permeiam como marca do
Criador e que conferem a cada ser e a cada elemento criado valor, significado e
sentido à própria sua existência.
Assim, buscar a simplicidade é buscar perceber e viver as coisas como elas são, em
sua realidade mais singular, despidas de excessos, de artificialidades, de
transitoriedades e de aparências, em sua essencialidade, realidade, valor e
significado atribuídos por Deus, que tudo criou com significado e propósito.
Devemos
reconhecer que somos escravos da concupiscência do ter, do ser e do viver, em
cuja natureza está o excesso, que rouba o sentido, o significado e a essência
de tudo que existe. A simplicidade
devolve tais qualidades a cada ser ou coisa criada.
A concupiscência transforma as necessidades
legítimas em cobiça, os sentimentos naturais em vícios perniciosos e a busca
dos elementos vitais da existência em uma imensa guerra de desejos e paixões.
Com isso, ela nos deixa sempre vazios e carentes, nunca satisfeitos, mas aprisionados
por esses apetites e ambições que não podem jamais ser atendidos. A simplicidade restaura a correta noção do
que é necessário, do que é precioso e eterno e, assim, nos liberta das cadeias
das inclinações da carne, do medo e da efemeridade.
A modernidade coloca essa questão em
contornos dramáticos. Nela, a complexidade, a diversidade e a multiplicidade
das possibilidades de ter e de se projetar num mundo virtual se destacam para
dar aparência de virtude aos excessos da concupiscência. O espírito desta
geração é a cobiça, a aparência, a extravagância, o supérfluo, a ostentação, o
desperdício. A simplicidade nos leva
a reconhecer que grande parte das coisas pelas quais sofremos, lutamos, nos
gastamos, entramos em questões, discussões e conflitos são desnecessárias,
inúteis e mesmo perniciosas à vida espiritual.
Tudo o que nos é oferecido como objeto de
desejo e consumo pela publicidade e pela indústria do entretenimento visa
despertar, estimular e exacerbar a cobiça, a concupiscência e a sensualidade.
Nesse comércio, as verdadeiras mercadorias são as almas das pessoas, que resultam
contaminadas e distorcidas por um sistema construído para roubá-las de sua
vocação eterna.
Uma expressão mais direta da simplicidade tem a ver com a dimensão do ter, com a maneira como nos
relacionamos com os bens materiais.
Como seres biológicos, temos necessidades
físicas básicas a serem supridas e toda civilização humana tem sua origem na busca
do atendimento desses itens indispensáveis para a sobrevivência pessoal e
coletiva. No entanto, desde sempre, as
riquezas e o poder que elas conferem ocuparam na alma humana um lugar que
pertence a Deus apenas, se tornando objetos de buscas, de desejos, de guerra,
de segurança, de prazer como se pudessem conferir sentido e significado à
existência.
Embora o suprimento das necessidades
materiais e mesmo a prosperidade e riqueza possam ter sua fonte em Deus, em
Suas bênçãos, as Escrituras nos advertem, desde suas primeiras páginas, a não
colocarmos nossa confiança e esperança no acúmulo de bens. Fundamentalmente, a
cobiça e a avareza corrompem a alma humana e levam a pessoa a uma existência
desconectada de seu valor espiritual e de seu destino externo, portanto da
realidade.
A simplicidade
também deve ser manifestada de forma mais abrangente na maneira de viver, nas ambições, sonhos e projetos. Como virtude
cristã, ela é uma condição de coração, um aspecto necessário da santidade da
alma que se reconhece como criatura dependente do seu Criador e cuja existência
e propósito têm sentido apenas nEle. Assim, em verdade, as condições materiais
da vida nas quais a simplicidade se
revela não são mais do que consequências da simplicidade
que deve marcar a vida interior de
adoração e consagração a Deus.
A simplicidade
do viver nos livra dos desgastes,
conflitos e frustrações que necessariamente advêm da busca desenfreada por bens
e realizações que o Pregador do Eclesiastes define como “vaidade” e “correr
atrás do vento”. Nela, e apenas nela, podemos encontrar paz e contentamento com
o suprimento da providência divina, não nos dedicando à “loucura” de
acumularmos bens, notoriedade e feitos que de nada nos valerão quando for
“pedida a nossa alma”.
Mais profundamente, além da simplicidade do ter e do viver, podemos
considerar a simplicidade do ser, que
consiste na busca da essência, do significado, do valor e da transcendência da
nossa própria existência como pessoas humanas, criadas à imagem e semelhança de
Deus para uma vida eterna.
Vivemos tão intoxicados pelos excessos das
nossas paixões e dos estímulos que muitas vezes não mais discernimos o
necessário do supérfluo, o real do aparente, a essência da mera sensação e
acabamos nos tornando personagens de dramas e histórias que nos roubam a
própria integridade essencial do que somos segundo o propósito dAquele que nos
criou.
Muitas pessoas nesses nossos dias adoecem
na alma porque perderam a pureza e a simplicidade
do ser para Deus e, com elas, perderam a essencialidade e a integralidade
de sua própria pessoa. Abrigam sentimento, pensamentos, desejos, sonhos,
paixões e amores que lhes conferem identidade equivocada, contraditória e, ao
final, maligna no caráter, na atitude nos frutos.
Buscando ser o que nunca foram destinadas a
ser por seu Criador, tentando viver uma vida que não as leva ao encontro de sua
vocação espiritual e desgastadas na tentativa de conquistar o que não lhes dará
em absoluto o que necessitam, as pessoas de nossa geração se distorcem e se
perdem no que é a essência do pecado: a busca de uma vida independente de Deus.
A simplicidade
do ser para Deus nos devolve nossa verdadeira identidade, restaura a imagem
do Pai outrora distorcida e ofuscada por tantas artificialidades e excessos
produzidos pela nossa vã soberba de tentarmos ser algo diferente daquilo que
está na mente eterna do Criador. Encontramos nessa simplicidade a única coisa
necessária e essencial que nos define e nos destina: a adoração ao Senhor.
Caros irmãos, companheiros de jornada. A simplicidade deve ser marca de nossa
vida de imitação de Jesus e é virtude essencial a ser buscada e desenvolvida,
mormente nesses nossos dias de complexidade artificializada em quase todos os
aspectos da vida humana. E em especial para nós outros que já sentimos sobre
nós as abençoadas chuvas serôdias.
Sugiro explorar, como estudo bíblico e em
concreções, os aspectos da concupiscência do excesso, as dimensões da simplicidade, do ter, do viver e do ser e a simplicidade como imitação de Jesus.
Que a graça de Jesus seja com o espírito de
todos.
Fernando
Nenhum comentário:
Postar um comentário