sexta-feira, 29 de abril de 2016

Simplicidade


Simplicidade

Fernando Sabóia Vieira – isn/bsb/2016

 
         Aos companheiros de jornada em busca da vida interior, em especial aos que já se encontram, como eu, na estação das chuvas serôdias,
 

         A simplicidade não é um traço de personalidade ou um estilo de vida. A simplicidade é uma virtude cristã que tem como fonte e como modelo a expressão humana de Deus – o Verbo encarnado - e que deve ser manifestada existencialmente no caráter e no comportamento. A simplicidade se revela nos pensamentos, nos sentimentos, nas vontades, nas palavras, nas escolhas e nos comportamentos. Ela é a forma de que se revestem as coisas e as realidades mais essenciais, verdadeiras, belas, significativas, boas e profundas – espirituais, portanto.

Principalmente, a simplicidade é uma virtude da espiritualidade requerida dos discípulos de Jesus. É uma condição do coração, uma característica da piedade, do ser para Deus e para a realidade espiritual que tudo abrange na Criação.

         A simplicidade é uma marca distintiva da vida do Mestre, de seus discípulos e apóstolos e de todos os santos da Igreja, e é característica de toda expressão verdadeira de santidade.

         A negação da simplicidade se configura nos excessos da concupiscência em todos os seus aspectos, na artificialidade das aparências, na futilidade dos símbolos vazios de status e de glória humana efêmera, na cobiça, na soberba e em tudo o que conduz à perda do senso do significado e do valor do ser humano e da realidade que o cerca.

Ser simples não é negar a complexidade e multiformidade da vida e da realidade, mas é, estando imersos nisso, não perder a percepção da unidade e da essencialidade que tudo permeiam como marca do Criador e que conferem a cada ser e a cada elemento criado valor, significado e sentido à própria sua existência.

         Assim, buscar a simplicidade é buscar perceber e viver as coisas como elas são, em sua realidade mais singular, despidas de excessos, de artificialidades, de transitoriedades e de aparências, em sua essencialidade, realidade, valor e significado atribuídos por Deus, que tudo criou com significado e propósito.

     Devemos reconhecer que somos escravos da concupiscência do ter, do ser e do viver, em cuja natureza está o excesso, que rouba o sentido, o significado e a essência de tudo que existe. A simplicidade devolve tais qualidades a cada ser ou coisa criada.

A concupiscência transforma as necessidades legítimas em cobiça, os sentimentos naturais em vícios perniciosos e a busca dos elementos vitais da existência em uma imensa guerra de desejos e paixões. Com isso, ela nos deixa sempre vazios e carentes, nunca satisfeitos, mas aprisionados por esses apetites e ambições que não podem jamais ser atendidos. A simplicidade restaura a correta noção do que é necessário, do que é precioso e eterno e, assim, nos liberta das cadeias das inclinações da carne, do medo e da efemeridade.

         A modernidade coloca essa questão em contornos dramáticos. Nela, a complexidade, a diversidade e a multiplicidade das possibilidades de ter e de se projetar num mundo virtual se destacam para dar aparência de virtude aos excessos da concupiscência. O espírito desta geração é a cobiça, a aparência, a extravagância, o supérfluo, a ostentação, o desperdício. A simplicidade nos leva a reconhecer que grande parte das coisas pelas quais sofremos, lutamos, nos gastamos, entramos em questões, discussões e conflitos são desnecessárias, inúteis e mesmo perniciosas à vida espiritual.

Tudo o que nos é oferecido como objeto de desejo e consumo pela publicidade e pela indústria do entretenimento visa despertar, estimular e exacerbar a cobiça, a concupiscência e a sensualidade. Nesse comércio, as verdadeiras mercadorias são as almas das pessoas, que resultam contaminadas e distorcidas por um sistema construído para roubá-las de sua vocação eterna.

       Uma expressão mais direta da simplicidade tem a ver com a dimensão do ter, com a maneira como nos relacionamos com os bens materiais.

Como seres biológicos, temos necessidades físicas básicas a serem supridas e toda civilização humana tem sua origem na busca do atendimento desses itens indispensáveis para a sobrevivência pessoal e coletiva.  No entanto, desde sempre, as riquezas e o poder que elas conferem ocuparam na alma humana um lugar que pertence a Deus apenas, se tornando objetos de buscas, de desejos, de guerra, de segurança, de prazer como se pudessem conferir sentido e significado à existência.

         Embora o suprimento das necessidades materiais e mesmo a prosperidade e riqueza possam ter sua fonte em Deus, em Suas bênçãos, as Escrituras nos advertem, desde suas primeiras páginas, a não colocarmos nossa confiança e esperança no acúmulo de bens. Fundamentalmente, a cobiça e a avareza corrompem a alma humana e levam a pessoa a uma existência desconectada de seu valor espiritual e de seu destino externo, portanto da realidade.

         A simplicidade também deve ser manifestada de forma mais abrangente na maneira de viver, nas ambições, sonhos e projetos. Como virtude cristã, ela é uma condição de coração, um aspecto necessário da santidade da alma que se reconhece como criatura dependente do seu Criador e cuja existência e propósito têm sentido apenas nEle. Assim, em verdade, as condições materiais da vida nas quais a simplicidade se revela não são mais do que consequências da simplicidade que deve marcar a vida interior de adoração e consagração a Deus.

A simplicidade do viver nos livra dos desgastes, conflitos e frustrações que necessariamente advêm da busca desenfreada por bens e realizações que o Pregador do Eclesiastes define como “vaidade” e “correr atrás do vento”. Nela, e apenas nela, podemos encontrar paz e contentamento com o suprimento da providência divina, não nos dedicando à “loucura” de acumularmos bens, notoriedade e feitos que de nada nos valerão quando for “pedida a nossa alma”.

Mais profundamente, além da simplicidade do ter e do viver, podemos considerar a simplicidade do ser, que consiste na busca da essência, do significado, do valor e da transcendência da nossa própria existência como pessoas humanas, criadas à imagem e semelhança de Deus para uma vida eterna.

Vivemos tão intoxicados pelos excessos das nossas paixões e dos estímulos que muitas vezes não mais discernimos o necessário do supérfluo, o real do aparente, a essência da mera sensação e acabamos nos tornando personagens de dramas e histórias que nos roubam a própria integridade essencial do que somos segundo o propósito dAquele que nos criou.

Muitas pessoas nesses nossos dias adoecem na alma porque perderam a pureza e a simplicidade do ser para Deus e, com elas, perderam a essencialidade e a integralidade de sua própria pessoa. Abrigam sentimento, pensamentos, desejos, sonhos, paixões e amores que lhes conferem identidade equivocada, contraditória e, ao final, maligna no caráter, na atitude nos frutos.

Buscando ser o que nunca foram destinadas a ser por seu Criador, tentando viver uma vida que não as leva ao encontro de sua vocação espiritual e desgastadas na tentativa de conquistar o que não lhes dará em absoluto o que necessitam, as pessoas de nossa geração se distorcem e se perdem no que é a essência do pecado: a busca de uma vida independente de Deus.

A simplicidade do ser para Deus nos devolve nossa verdadeira identidade, restaura a imagem do Pai outrora distorcida e ofuscada por tantas artificialidades e excessos produzidos pela nossa vã soberba de tentarmos ser algo diferente daquilo que está na mente eterna do Criador. Encontramos nessa simplicidade a única coisa necessária e essencial que nos define e nos destina: a adoração ao Senhor.

Caros irmãos, companheiros de jornada. A simplicidade deve ser marca de nossa vida de imitação de Jesus e é virtude essencial a ser buscada e desenvolvida, mormente nesses nossos dias de complexidade artificializada em quase todos os aspectos da vida humana. E em especial para nós outros que já sentimos sobre nós as abençoadas chuvas serôdias.

Sugiro explorar, como estudo bíblico e em concreções, os aspectos da concupiscência do excesso, as dimensões da simplicidade, do ter, do viver e do ser e a simplicidade como imitação de Jesus.

Que a graça de Jesus seja com o espírito de todos.

Fernando

Nenhum comentário:

Postar um comentário