domingo, 3 de abril de 2016

A Necessária Solitude

A Necessária Solitude

“… o que se dizia a seu respeito cada vez mais se divulgava, e grandes multidões afluíam para o ouvirem e serem curadas de suas enfermidades.
Ele, porém, se retirava para lugares solitários e orava.” (Lucas 5:15-16).


Caros companheiros de jornada em busca da vida interior,
Nessa pequena nota biográfica, Lucas destaca um movimento paradoxal na vida de Jesus ao início de seu ministério. À medida em que sua fama e popularidade cresciam, o Mestre buscava com mais intensidade lugares solitários onde pudesse orar. Isso não passou despercebido a seus discípulos, que talvez não entendessem bem, a princípio, tal atitude do Mestre, mas ficaram por ela impressionados ao ponto de a relatarem aos convertidos ao Caminho como característica e marca da vida do Senhor.
Podemos considerar, para nós mesmos, a partir de uma reflexão sobre tal aspecto marcante da vida de Jesus, que a intensidade das relações humanas na vida em sociedade tende a produzir solidão de alma e a nos conduzir a áridos e inóspitos desertos interiores, resultados da vaidade, do egoísmo, da inveja, da competição, dos conflitos e de todos os venenos inoculados pelo pecado no coração dos homens que os tonam inimigos uns dos outros, porque inimigos de Deus.
Num movimento inverso a esse, os lugares solitários podem nos dar oportunidade para experimentar a comunhão com Deus e o encontro conosco mesmos. Unidos a Deus, descobrimos nossa verdadeira identidade, sentido e significado e, assim, nos tornamos aptos a voltar à sociedade dos homens como enviados por Ele. Não mais como partes em conflito, mas como embaixadores da reconciliação, porque teremos sido nós mesmos pacificados de nossas guerras interiores e conquistados pelo Reino do Príncipe da Paz.
É a isso que chamamos de solitude. Não significa, essencialmente, isolamento ou solidão como ausência, mas a necessária distância dos homens e do caos da vida para que possamos recuperar o silêncio e a atenção à Presença e à Realidade. À Presença de Deus, que tudo permeia e que quer se unir a nós para falar conosco, cessadas as vozes que criam, de ordinário, tumulto no nosso mundo interior, e à Realidade espiritual que envolve tudo o que existe e dá sentido a tudo o que acontece. A solitude nos abre portais para a dimensão essencial da existência, nos conduz à única busca necessária, nos permite ouvir as palavras que nos são espirito e vida, nos coloca em comunhão e união com a Pessoa infinita, santa, perfeita e amorosa do Pai.
Nós, homens e mulheres modernos, temos pavor do estar só. Conquistamos e civilizamos os ambientes para a vida coletiva, iluminamos a noite, inventamos atividades, tarefas e diversões que nos permitem interagirmos, presencial ou virtualmente, todas as vinte e quatro horas do dia, com conhecidos e desconhecidos.
No entanto, continuamos assombrados pelas perguntas fundentes da nossa existência, para as quais a modernidade, a despeito de seu acúmulo de conhecimento, de suas soluções tecnológicas e de suas infindáveis formulações teóricas, não tem respostas. 
Embora tenhamos construído um mundo em que todo o pensamento e toda a dinâmica de vida tenham sido concebidos para nos levar a esquecer tais perguntas, elas nos surgem cotidianamente, nos relacionamentos e experiências pessoais, nas manifestações culturais, nas artes, nos noticiários, nas crianças, nos profetas santos e profanos que surgem nos guetos não colonizados pela nossa civilização.
Jesus fugia, por vezes, da agitação de um ministério popular e de crescente influência social e buscava lugares solitários onde pudesse orar. Na solidão do deserto, encontrava a companhia de Deus. Ali Ele aprofundava a consciência de Sua existência humana e a compreensão de Sua missão divina. Como homem, com as limitações de homem, experimentava a Presença de Deus e a comunhão com Ele.
Depois, podia voltar aos homens aos quais fora enviado para trazer a eles a Palavra ouvida na intimidade com Deus.
Vemos, assim, que a solitude, longe de produzir introspecção, nos leva definitivamente à missão. No entanto, a missão sem solitude pode facilmente se tornar nossa demanda pessoal e não a de Deus.
Irmãos queridos, por mais difícil que nos possa ser vivendo as vidas agitadas que vivemos, cheias até mesmo de intensas agendas e atividades relacionadas com a Igreja, busquemos nossos lugares solitários para que neles nossa alma possa desfrutar da necessária solitude e receber a vida da Fonte da Vida.
O que fazer nesses lugares, nesses momentos? Principalmente se aquietar e ouvir. Aprender a contemplar, a ser simplesmente tomado e enchido pela Presença. Conversar com toda a atenção voltada ao que Ele quer nos dizer. Deixar que Ele nos sonde e nos revele para nós mesmos, que Ele nos revele o Seu coração em relação a cada pessoa, cada luta, cada acontecimento, cada sentimento, cada pensamento e cada vontade que flutua em nossa alma.

Que a graça de Jesus seja com todos.
Ainda na caminhada, 


Fernando Saboia Vieira

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