terça-feira, 19 de abril de 2016

Chuvas Serôdias


Chuvas Serôdias 

“Alegrai-vos, pois, filhos de Sião, regozijai-vos no SENHOR, vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva; fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia”. Joel 2:23

 
 I

 um dia
quando o tempo e a lida
tiverem cumprido seu paciente labor
outro me tomará pela mão e me levará
para onde não quero ir

mas o que faço agora,
neste tempo crepuscular,
neste longo entardecer
de labuta e guerras
não acabadas?
 

qual o momento
de me deixar levar
e qual o momento
de ainda sair e lutar?


II

 
nuances
aproximações
transições

sugestões
possibilidades
tentativas

quem já viu todas as cores
pode perceber os matizes,
quem já ouviu todos os sons
pode sentir os sub tons,
quem viveu entre partidas e chegadas
pode sentir as aproximações

transite, se arrisque
deixe perguntas sem respostas,
caminhos por andar
e emoções por sentir:
quem sabe tudo, emburrece,
quem já andou tudo, atrofia o corpo
quem já sentiu tudo, definha a alma


III
 

espere

ser perguntado
ser chamado
ser escolhido

orbite 

nem o primeiro
nem o último
nem adiantado
nem atrasado

educado 

sempre bata à porta
antes de entrar
e nunca entre
sem ser convidado

IV

 
que as chuvas tardias
encham os frutos hesitantes
da plenitude da terra
e do sol...

que as chuvas tardias
fluam nos rios
alegrem os jovens nas núpcias
e façam nascer
as crianças geradas no inverno...

que as chuvas tardias
molhem meus cabelos
grisalhos
e lavem meu rosto e meus olhos
cansados
das lágrimas e da poeira...

que as chuvas tardias
renovem as lembranças
das coisas belas que vi e que amei...

 
V

 
talvez as chuvas tardias
possam suavizar os caminhos
endurecidos
pisados por tantos passos
perdidos
onde não passam mais
palavras amenas
nem emoções plenas

talvez as chuvas tardias
possam ainda despertar
as sementes adormecidas
esquecidas
na pressa dos tempos e da vida
ressecadas
na agrestia das estações e das saudades

talvez as chuvas tardias
dessa safra sofrida
sejam também as chuvas temporãs
do novo ciclo da terra e da alma
exaurida, fecundada, renovada
para produzir os frutos da plenitude
ao alvorecer do Dia Eterno

 
Fernando Saboia Vieira

 

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