Caros companheiros de jornada em busca da vida interior,
Estive meditando sobre o texto de Filipenses 2:5-11, especialmente quanto à exortação do Apóstolo no sentido de que devemos imitar a atitude de esvaziamento (kenosis) voluntário do Verbo Eterno: “... a si mesmo se esvaziou ...”.
Esse esvaziamento auto imposto não visa apenas o se desvencilhar do princípio maligno da soberba, raiz de todo o mal que nos contaminou a raça desde Adão. Mas esvaziar-se, essencialmente, para que o Espírito Santo possa fluir e nos encher intimamente da Presença.
Deus habita em nós pelo Seu Espírito, que é vento, sopro, hálito, movimento, fonte que jorra, rio que corre, chama que se propaga. É dinâmico como a vida que Ele gera e sustenta. Ser cheio do Espírito – da Presença – é um processo contínuo de se esvaziar e ser preenchido. Essa plenitude da Presença, comunhão e ação de Deus em nós e através de nós é o propósito eterno para o qual fomos criados.
Para isso, além de refrear os impulsos da carne, é necessário também dominar as faculdades naturais da alma, de modo a livrá-la de suas limitações e torná-la apta a receber a iluminação e o poder divinos.
Reconhecer a fraqueza física e psicológica da natureza humana decaída, mortificar o corpo e renunciar às próprias capacidades é o caminho indispensável para que o Espírito possa se manifestar mais livre e plenamente. Essa é a dinâmica da kenosis. Não se trata de uma mera prática ascética neutra moralmente, mas de uma disciplina que envolve, momento após momento, escolha entre o santo e o profano, o pecado e a santidade, o ego e o Espírito.
No entanto, em cada situação de pressão, de demanda, de ameaça ou de tentação nossa reação imediata é no sentido de atender aos impulsos instintivos e, secundariamente, de ativar as faculdades comuns da alma: vamos dos instintos de preservação, emoções e comportamentos aprendidos para o pensamento, a memória, a reflexão e a inteligência.
Tudo isso compõe a face externa e ativa da alma e deixa muito pouco espaço para a ação íntima do Espírito Santo, que atua na dimensão da fé, da eternidade, da revelação, da união com Deus. É necessário bloquear o exterior para que o interior possa fluir. Esvaziar-se.
Esvaziar-se dos próprios sentimentos, apegos, conceitos, razões, desejos, virtudes e capacidades. Recolher-se e se encontrar com a Presença interior do Senhor. Buscar a direção do Espírito que habita dentro de nós.
Inclinar-se para o Espírito, andar no Espírito, ser guiado pelo Espírito, consolado pelo Espírito, instruído pelo Espírito, fortalecido pelo Espírito. Onde tudo isso acontece? No homem interior. Através do nosso espírito vivificado pela Presença, são ativadas faculdades e capacidades espirituais da alma, amortecidas pelo pecado. Como isso acontece? Esvaziando-nos de nós mesmos para sermos preenchidos por Ele.
Vemos claramente essa dinâmica na vida de Jesus, especialmente no Evangelho de João. O Senhor deixa claro que, como homem, esvaziava-se de sua própria vontade para fazer, exclusivamente, a vontade do Pai. Assim, o Espírito fluía plenamente n’Ele.
O caminho da kenosis, do esvaziamento, é tanto um caminho contemplativo quanto um caminho prático. Tem raízes profundas em nossa identidade como criaturas feitas para refletir a glória de Deus e sermos adotados como filhos, e tem repercussões amplas nas nossas ações cotidianas.
Ter a mesma atitude, disposição mental, sentimento que houve em Jesus implica viver como Ele viveu: esvaziando-se de si mesmo, servindo, se dando ao propósito do Pai.
Que a graça de Jesus seja com todos.
Brasília, dezembro de 2011, aD.
Fernando Sabóia Vieira
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