Companheiros de jornada em busca da vida interior,
Consideramos o caminho desde a renúncia até o encontro com o Senhor, com seus desafios, tentações e perigos.
Agora, queremos apontar algumas iluminações e experiências que nos alcançam à medida que perseveramos na jornada em busca da comunhão íntima com Jesus, e que produzem em nossa vida o fruto preciosíssimo – a joia rara – do contentamento.
São revelações, visitações de Deus, intervenções Suas na nossa vida peregrina que vão forjando em nós a Sua Semelhança, fazendo crescer a intimidade com Ele e nos dando a convicção crescente de que estamos no caminho certo, sob a direção do Seu Espírito.
Como o texto ficou relativamente longo, vou apresentá-lo em três partes.
Parte 1
O RECONHECIMENTO SOBRENATURAL DA PRESENÇA
“Deus, na verdade, estava nesse lugar, e eu não sabia.”
Jacó não sabia. Supunha ser aquele lugar deserto, como deserta estava sua alma. Ele não tinha, naquele momento, pátria, nome ou direção. Estava completamente só, pensava. Jacó não sabia, mas Deus estava ali.
Ao longo da jornada em busca da vida interior, depois de termos passamos pela estreita porta da renúncia e seguimos o apertado caminho do discipulado de Jesus, tudo pode nos parecer, por vezes, árido e solitário. Em muitos momentos, cremos que ninguém nos vê nem nos ouve. Sentimo-nos como Jacó, sem nome, pátria ou caminho. A alma deserta.
Então, num instante, numa circunstância da vida, numa encruzilhada do caminho, uma luz se acende, os céus se abrem e percebemos que Deus estava ali, que Sua Presença nos precedera e que Ele enche todas as coisas, em todo espaço e por todo o tempo. Apenas, como Jacó, nós não sabíamos.
Agora, ao longo da jornada, somos cada vez mais conscientes da Presença, atentos a ela, mais expectantes de sua manifestação.
Quando repentinamente, inesperadamente, desafiando o olhar comum e mesmo contrariando as aparências somos despertados para o reconhecimento de que o Senhor está presente, somos tomados de temor, de paz, de alegria, imersos em Sua maravilhosa glória.
Ele está em mim, está nas plantas, nos céus, nas ruas, nas casas, nos carros, em todas as coisas criadas, visíveis e invisíveis para mim. Ele cuida de mim. Sustenta-me. Ama-me.
Sua Presença me enche de contentamento, de uma profunda e serena confiança. E vou, como Jacó, construindo altares às margens das minhas estradas desertas para me lembrar e testemunhar que Ele é o Deus presente.
A SURPREENDENTE SUFICIÊNCIA DA GRAÇA
“... e colherá diariamente a porção para cada dia ...”
Frequentemente pensamos que precisamos de muitas coisas, que temos necessidades complexas e difíceis de serem atendidas. Também nos incomodamos grandemente quando o futuro nos parece incerto, pouco promissor ou muito ameaçador.
Ouvimos o chamado de Jesus, a tudo renunciamos e O seguimos, mas acompanhados, por vezes, da sensação de que vivemos uma vida de carências e privações. E somos, nas vicissitudes da caminhada, nos momentos decisivos de crise, surpreendidos pela suficiência de Sua Graça.
Não é essa uma experiência trivial. O que ela tem de dolorosa e solitária tem de profundidade e de comunhão com o Senhor. É o momento de Sua visitação providencial, provedora e, contra todas as nossas expectativas, suficiente.
O povo hebreu no deserto não sabia como seria alimentado. Nem a multidão que acompanhava Jesus às margens do lago de Genezaré. Nem nós. Parecem-nos tão escassos os recursos e tão improvável que tão poucos suprimentos possam socorrer tão grandes carências e necessidades. É quando temos a maravilhosa experiência de que a Graça que vem em nosso auxílio diariamente é poderosa e suficiente, porque é o encontro existencial, encarnado, com o Senhor da Graça.
A visitação da Graça, nosso reconhecimento de sua suficiência, nos enche de contentamento, não apenas com o que recebemos, mas, ainda mais, com o Senhor que assim demonstra por nós o Seu amor.
O CHAMADO IRRENUNCIÁVEL DA VIDA ETERNA
“Também pôs a eternidade no coração do homem...”
Fomos feitos para viver eternamente. Embora o mundo a nossa volta e o nosso próprio corpo nos indiquem o contrário, há em nós o eco de um chamado para a vida. Assim que a doença mortal do homem é o desespero (Kierkegaard). Quando alguém chega ao ponto de desistir da Vida – não desta existência, mas da Vida – coloca-se na situação mais letal de todas.
Mesmo sem chegar a esse extremo, podemos ser tentados a renunciar cotidianamente à Vida, se não como existência, mas como alegria e celebração. As dificuldades e perigos da caminhada neste mundo, e mesmo as durezas e provações da jornada espiritual podem nos fazer esquecer que a Vida é um dom precioso. Fomos criados, chamados a uma existência consciente, repleta de valores, de potencialidades e de significado. Somos seres únicos e especiais.
Pode parecer paradoxal, mas é a mesma jornada que se inicia com a renúncia a única que, afinal, valoriza plenamente a Vida, pois a renúncia nos proporciona o encontro com Aquele que é a Vida. Quando estamos n’Ele, não importa a circunstância, temos a vida porque Ele também está em nós.
Não podemos explicar como viemos a existir neste mundo. Não podemos hoje compreender como passaremos à próxima dimensão. Mas podemos celebrar o dom precioso da Vida e nos encher da esperança e do contentamento que ela carrega em si mesma, no seu eterno presente.
Fernando Sabóia Vieira