quarta-feira, 30 de junho de 2010

Versos no Altar

Soneto para a Alma


!Oh noche que guiaste!;
!oh noche amable más que la alborada!;
!oh noche que juntaste
Amado con amada,
amada en el Amado transformada!

San Juan de La Cruz


A minha alma eu queria
Que me fizesse cantar
As canções que ela ouvia
Dos céus e anjos, no seu lar

Que me ensinasse a passear alado
Nas belas montanhas elevadas
Por onde ela caminha encontrada
Alegre, ao lado do seu Amado

Que desse às mãos e braços
Seus carinhos e abraços
Que unem os sentimentos

E aos doentes dão alento
E aos aflitos consolam
E os perdidos encontram


Junho de 2010
Fernando Sabóia

quarta-feira, 23 de junho de 2010

UM POUCO DE DIETRICH BONHOEFFER (1906-1945), 2º Texto

Caros,

"Discipulado" e "Vida em Comunhão", de Dietrich Bonhoeffer, são dois dos livros que mais marcaram minha vida. Considero esse texto sobre a graça insuperável.

Que a graça "preciosa" de Jesus seja com todos.

Fernando

A Graça Preciosa


A graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa.
Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo.
A essência da graça seria, ao que pensamos, a conta ter sido liquidada antecipadamente e para todos os tempos. Estando a conta paga, pode-se obter tudo gratuitamente. Por ser infinitamente grande o preço pago, são também infinitamente grandes as possibilidades de uso e dissipação. Que seria graça, se não fosse barata?
Graça barata significa a graça como doutrina, como princípio, como sistema; significa perdão dos pecados como verdade geral, significa o amor de Deus como conceito cristão de Deus. Quem lhe responde com um sim já tem o perdão dos pecados. A Igreja participa da graça já pelo simples fato de ter essa doutrina da graça. Nesta Igreja o mundo encontra fácil cobertura para os seus pecados dos quais não se arrepende e não deseja verdadeiramente se libertar. A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus.
Graça barata significa justificação dos pecados, e não do pecador. Como a graça faz tudo sozinha, tudo pode também permanecer com dantes. “A minha força nada faz”. O mundo continua sendo mundo, e nós continuamos sendo pecadores “mesmo na vida mais dedicada”. Viva, pois, o crente como vive o mundo, coloque-se, em tudo, em pé de igualdade com o mundo, e não se atreva – sob pena de ser acusado de heresia – a ter, sob a graça, uma vida diferente da que tinha sob o pecado! Que se guarde de se encolerizar contra a graça, de envergonhar essa graça grande e barata, e de instituir um novo culto do literalismo, tentando ter uma vida de obediência de acordo com os mandamentos de Jesus Cristo!
O mundo é salvo pela graça e, por isso, - por amor da seriedade dessa graça, para que não haja resistência a essa graça insubstituível! – que o crente viva como o resto do mundo! É certo que ele gostaria de realizar algo extraordinário e constitui, sem dúvida, um grande sacrifício não poder fazê-lo, mas ter que viver mundanamente. Contudo, há que fazer esse sacrifício, há que renunciar a uma vida que se distinga da do mundo. Tem que deixar a graça ser realmente graça, para não destruir ao mundo a fé nessa graça barata. Todavia, que o crente, no seu mundanismo, nessa renúncia necessária que tem de fazer por amor do mundo – não, por amor da graça! – continue consolado e seguro na posse dessa graça, que tudo opera sozinha! Por isso, que o crente não seja discípulo, antes se console com a graça!
Isto é graça barata como justificação do pecado, mas não justificação do pecador pronto à contrição, que abandona o pecado e se arrepende; não é o perdão que separa do pecado. A graça barata é a graça que nós dispensamos a nós próprios.
A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para a adquirir a qual o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o governo régio de Cristo, por amor do qual o homem arranca o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga as suas redes e o segue.
A graça preciosa é o evangelho que á que se procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater.
Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao homem, e é graça por, assim, lhe dar a vida; é preciosa por condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por tê-lo sido para Deus, por ter custado a vida de seu Filho – “fostes comprados por preço” – e porque não pode ser barato para nós aquilo que para Deus custou caro. A graça é graça sobretudo por Deus não ter achado que seu Filho fosse preço demasiado caro a pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. A graça preciosa é a encarnação de Deus.
A graça preciosa é a graça considerada como santuário de Deus, que tem que ser preservado do mundo, não lançado aos cães; e é graça como palavra viva, a Palavra de Deus que ele próprio pronuncia de acordo com o seu beneplácito. Chega até nós como gracioso chamado ao discipulado de Jesus; vem como a palavra de perdão ao espírito angustiado e ao coração esmagado. A graça é preciosa por obrigar o indivíduo a se sujeitar ao jugo do discipulado de Jesus Cristo. As palavras de Jesus: “O meu jogo é suave e o meu fardo é leve” são expressão da graça.
...
Houve, pois uma tripla intervenção da graça no caminho de Pedro, a mesma graça proclamada em três ocasiões diferentes; era, assim, de fato, a graça de Cristo e não a graça que Pedro atribuía a si próprio. Foi essa mesma graça de Cristo que venceu esse discípulo, levando-o a largar tudo por amor ao discipulado; foi ela que o impeliu a uma confissão blasfema aos ouvidos do mundo; foi ela que chamou o infiel Pedro à comunhão derradeira, a do martírio, pelo que lhe foram perdoados todos os pecados. A graça e discipulado permanecem indissoluvelmente ligados na vida de Pedro. Ele havia recebido graça preciosa.

(Bonhoeffer, Dietrich, “Discipulado”, Sinodal, 2002)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Versos no Altar

inquietação de voar


por que não encontro
pleno sossego
nesta linda manhã
quando mesmo o tempo pára
para ver o dia lentamente acordar
e se espreguiçar
abrindo suas dobras e horas
obedecendo ao comando de Deus
desde os começos do mundo?

não posso encontrar
esse completo sossego
porque se meu corpo o deseja
feito que foi para andar nos caminhos
do novo dia
e nele encontrar sua porção de graça
de trabalho e de pão
a minha alma, a minha alma
é um ser alado
e quer voar,
fugir e perseguir o sol
até os portais do Dia Eterno


Maio de 2010, aD
Fernando Sabóia

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Para Maurício e Debbie, pelos seus 10 Anos

O VINHO E O CASAMENTO

Fernando Sabóia
Brasília, junho 2000 AD

Da cerimônia de casamento de Maurício e Debra.

JOÃO 2:1-11


Irmãos queridos,

Desde tempos imemoriais, o casamento é uma festa, uma celebração. É uma celebração da vida, da esperança, do amor. É uma celebração que envolve os noivos, as famílias, a sociedade e, de modo especial, o povo de Deus, pois é uma celebração do propósito de Deus de ter uma família de muitos filhos à sua imagem e semelhança.
Jesus deu início aos seus sinais miraculosos e ao seu ministério na Galiléia em uma festa de casamento, transformando água em vinho.
Talvez tenha sido esse o mais gracioso e gentil milagre de Jesus. Afinal, não se tratava de um enfermo a ser curado, de um endemoninhado a ser liberto ou de multidões famintas a serem alimentadas. Tratava-se, prosaicamente, de uma festa que terminaria antes do tempo, pela falta de vinho. Assim, foi livre e graciosa amabilidade do Senhor providenciar para que o banquete prosseguisse jubiloso e farto.
O vinho, não obstante a rabugice de alguns intérpretes, representa a alegria, a abundância, a bênção generosa de Deus – “o meu cálice transborda...” (transborda não de coca-cola, certamente...), “comi o meu favo com o mel, bebi o meu vinho com o leite...” (do cardápio das bodas reais de Cantares).
Jesus transformou água em vinho para demonstrar que o casamento, assim como o Reino, é um evento de alegria e celebração do propósito e do amor de Deus.
Desde aquele dia, haverá, pois, dois tipos de casamento: aqueles para os quais o Senhor foi convidado e aqueles em que Ele está ausente.
Quando estamos em um de casamento com a presença de Jesus, podermos ter a expectativa de que não será uma simples cerimônia ou uma mera convivência, mas uma oportunidade permanente de manifestação da graça transformadora de Jesus.
Quando um casamento é marcado pela presença do Senhor, sabemos que Ele será fiador da aliança firmada entre o homem e a mulher, seu garantidor e provedor.
O milagre das bodas de Caná traz mais um ensinamento precioso sobre o casamento: o vinho pode acabar no meio da festa, e o casamento se tornar sem gosto, sem alegria, sem celebração.
Quão cedo acaba o vinho nos casamentos de hoje, e os casais passam a aturar uma convivência árida, dolorosa, mantida por algum senso de conveniência ou dever, quando não simplesmente rompem o vínculo conjugal e fraturam suas vidas, amputando-se um do outro, esquecidos de que houveram sido feitos uma só carne.
É preciso nunca deixar o vinho acabar. O casamento não deve se tornar um negócio de satisfação social, religiosa ou familiar. Deve ser sempre um promotor do propósito de Deus e do Reino. Contudo, a única maneira de supri-lo de novo do vinho do significado e da alegria é buscar Jesus e “fazer tudo quanto ele ordenar”.
Ele vai tornar a água de nossa impotência e pecado, que é tudo quando podemos colocar nas talhas vazias da frustração, da falta de perdão, da amargura, dos sonhos desfeitos, em um vinho mais excelente do que experimentamos no início.
O primeiro vinho será efervescente, expansivo, de sabor imediato. Contudo, não estando ainda estabilizado, pode tornar-se vinagre, pode perder-se rompendo os odres.
O segundo vinho, amadurecido pelo perdão, pela amizade, pelo compartilhamento, pelos sofrimentos e alegrias vividos em conjunto, tem um sabor mais definido, mais confiável, único. Muitos casais, não conhecendo o Senhor que pode transformar água em vinho, ou abandonando a Sua vontade, não chegam a provar essa iguaria celestial.
O grande segredo de um casamento duradouro, feliz e frutífero é a presença de Jesus, é compreender que se trata de uma aliança firmada nele, onde cada um busca amar o outro não com o amor egoísta e possessivo da paixão, mas com o amor libertador e altruísta de Deus.
Esse amor brota e floresce onde existe experiência de Deus e compromisso com o Reino. O amor leva um casal até aquele momento solene de compromisso; daí por diante, o compromisso assumido diante de Deus, com Sua interferência e provisão, sustentará o amor cada dia.
Não existem casais que não passem por momentos de secura, de provação, de desencanto, de dor. Todo amor real é o fim de uma fantasia, todo casamento verdadeiro é a desistência de um sonho romântico, pois não há noivos perfeitos num mundo ideal.
No entanto, nos momentos difíceis, quando o vinho parecer estar terminando, devemos olhar primeiro para Jesus. Não permitamos que o vinho jamais acabe no casamento. O Senhor pode trazer sempre um vinho melhor, se for obedecido, e manter não apenas uma convivência, mas uma festa em andamento.
Finalmente, uma palavra de ânimo para aqueles que estão envolvidos no ministério de acompanhar vidas, especialmente casais: nossa função é sermos meros carregadores de talhas cheias de água, levando-as à presença de Jesus. Nosso privilégio, todavia, é sermos, por vezes, as únicas testemunhas silenciosas de Seu poder transformador.
Queridos, neste momento, o Pai prepara a maior festa de casamento da história da criação. Será animada por orquestras e corais de anjos, iluminada por estrelas e astros celestes e terá uma mesa posta e servida por Ele mesmo. Haverá júbilo, danças e celebração.
Serão as bodas do Cordeiro e de Sua Igreja. Que nossos casamentos sejam prenúncio alegre e profético daquele dia, mercê do poder santificador da graça de Jesus, a despeito de tantos e ferozes inimigo que enfrentamos nestes dias de peregrinação. “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro.”

Fernando Sabóia (de "Crônicas do Reino")




terça-feira, 15 de junho de 2010

UM POUCO DE A. W. TOZER (1897-1963)

AS QUATRO ESTAÇÕES DA VIDA



Sermão pregado na Avenue Road Alliance Church, em Toronto, por A. W. TOZER


PRIMEIRA PARTE



Na profecia de Jeremias, capítulo oito, versos dezoito a vinte e um, o homem de Deus diz:

“Oh! Se eu pudesse consolar-me na minha tristeza! O meu coração desfalece dentro de mim.
Eis a voz do clamor da filha de meu povo de terra mui remota: Não está o Senhor em Sião? Não está nela o Rei? Por que me provocaram à ira com suas imagens de escultura, com os ídolos estrangeiros?
Passou a sega, findou o verão, e nós não estamos salvos.
Estou quebrantado pela ferida da filha do meu povo; estou de luto; o espanto se apoderou de mim.”


Jeremias é muitas vezes chamado de o profeta que chora. Ele tinha o coração partido porque a ameaça do julgamento de Deus estava sobre seu povo. Jeremias não via apenas o que era visível e não ouvia apenas o que era audível, mas ele via profeticamente pelo Espírito. Assim, não apenas tudo que havia acontecido mas também tudo o que ainda ia acontecer doía no coração desse homem. Uma invasão iria acontecer em Israel; tropas estrangeiras entrariam e conquistariam os israelitas e os levariam cativos a uma terra longínqua. Eles iriam despedaçar suas vidas e despedaçar sua nação, eis o que iriam fazer. Isso não era o resultado de um erro político. Era a conseqüência direta de sua vida maligna. Jeremias, um homem cheio do Espírito Santo, foi muito franco com os filhos de Israel.
Já me aconteceu de ouvir pregar pessoas que não tinham, a meu juízo, o direito de falar aos outros sobre os seus pecados. Elas o faziam com excesso de entusiasmo e carência de ternura. Mas Jeremias disse “Estou ferido das feridas da filha de meu povo”. Jeremias era um homem ferido e ele estava ferido não por coisas que lhe tocavam diretamente. Ele estava ferido como estaria ferida uma mãe cujo seu filho morresse em seus braços. Ela, fisicamente, não tem nenhum ferimento. A criança foi atingida, ela a recolhe e, num paroxismo de dor, ela a aperta contra eu coração. Ela está ferida da ferida de seu filho.
Jeremias estava ferido da ferida de seu povo e, portanto, Jeremias pode me falar, ele pode me falar com tanta severidade quanto for necessária; ele pode ser franco como a situação exige, eu não o rejeitarei, porque um homem que é ferido das minhas feridas, que sofre as minhas dores, que se entristece com a minha tristeza é um homem que me ama. E um homem que me ama tem o direito de pregar para mim. E eu não lhe pedirei que me console ou que me fale amigavelmente ou gentilmente. Eu pedirei a ele, simplesmente, que me fale a verdade.
Jeremias sabia que eram os pecados do povo de Israel que iriam causar os eventos que viriam, a derrota, a divisão, a invasão, o cativeiro, a deportação. Ele o sabia e ele apontou para eles os seus pecados: ele advertiu que havia idolatria. Javé estava no meio deles mas em seus corações perversos eles se desviaram do Deus que eles conheciam para irem após os ídolos do pagãos.
Eles eram desonestos uns com os outros – eu não estou inventando nada, está tudo escrito – eles eram mentirosos, não hesitavam em mentir mesmo sabendo que isso era mal. Havia ladrões entre eles; eles cometiam até mesmo homicídios, às vezes. Entre eles havia toda espécie de impureza. Havia a arrogante desobediência à voz de Deus. Eles eram obstinados quando ouviam a voz de Deus e recusavam a correção. Jeremias ouviu profeticamente esse grito de desolação: “a colheita passou, o verão terminou – o verão de nossa oportunidade passou – e nós não estamos salvos!”. Nós estamos longe, numa terra pagã, com nossas harpas penduradas nos salgueiros.
Num país longínquo, eles prefeririam a morte à vida, disse o homem de Deus. Lá, no cativeiro, numa terra distante, sem oferendas, sem sacerdotes, sem altar, sem orações, sem proteção, sem nada... Na Babilônia eles não teriam senão lembranças amargas, remorsos, lamentos inúteis. O profundo abatimento da alma perdida se ouviria nesse grito: “a colheita passou, o verão terminou, e nós não estamos salvos!”. É o apelo desesperado por ajuda. Eles viveriam, no país remoto, as conseqüências amargas, mas previsíveis, de seu estilo de vida, de seus atos.
Vejam, meus amigos, se um homem sabe que uma ponte caiu, se há placas e placas para avisar que a ponte caiu, e se ao longo da rodovia há policiais fazendo sinais de mão com suas bandeiras vermelhas e gritando “Atenção, a ponte caiu!” e se um homem prossegue seu caminho, deliberadamente, com um sorriso nos lábios, e depois se precipita para a morte, ele poderia ter previsto isso, porque tudo estava lá para preveni-lo.
Saibam, meus amigos, que ninguém está no inferno por acidente, e ninguém está no paraíso por acidente.
Tornar-se cristão sem querer, isso é impossível. Ninguém acorda de manhã e constata, com surpresa, que ficou famoso; e, do mesmo modo, ninguém pode acordar numa bela manhã e descobrir, sem mais nem menos, que virou cristão. Isso se escolhe, se prevê. Pode-se sabê-lo, com a palavra de Deus.

Nós sabemos que dois mais dois são quatro e, então, se nós vemos dois mais dois podemos prever o quatro. Assim, Israel, no seu grito de remorso, de intenso lamento, poderia tê-lo previsto. O caminho que eles tomavam estava claramente sinalizado e eles poderiam tê-lo evitado.
Gostaria de deixar clara uma coisa aqui: o tipo de cristianismo que se prega hoje é um cristianismo fraco, indeciso, efeminado! Ele diz ao pecador que não é culpa dele, que é uma doença.
Hoje em dia, se diz que o alcoolismo é uma doença e que o alcoólatra é um homem doente. É a única doença que eu conheço no mundo que alguém tem que adquirir com dinheiro. Tem comprar e beber, voluntariamente. Mas dizem: “Não diga ao bêbado que ele é culpável, ele é doente”; de uma doença que ele bebeu intencionalmente sabendo quais seriam as conseqüências disso! Ele poderia tê-la previsto e tê-la evitado. O homem no inferno terá que acrescentar ao peso de sua desgraça eterna o de saber que ele poderia estar num lugar diferente; se seu amor pelo pecado não o tivesse impedido de querer estar em outro lugar. Essa é a ironia cínica do pecado.
Vocês percebem, as pessoas não se dão mais conta da gravidade do pecado nos dias de hoje. O evangelista moderno não fala mais nisso. Ele fala muito de um salvador choraminguento, que os desculpa e diz: “Não se preocupe com seus pecados, não se preocupe com seus pecados, eu morri por você na cruz”. Essa não é a religião do Novo Testamento! Essa não é a religião dos profetas, essa não é a religião dos pais da igreja, essa não é a religião dos reformadores, essa não é a religião dos missionários e nem a religião dos grandes evangelistas.
É um cristianismo efeminado, esculpido em água e perfumado, que apresenta um Cristo digno de pena diante de pessoas que zombam dele. Eu ouvi um homem dizer que passamos nosso tempo a alimentar pessoas que não querem comer. O que deveríamos dizer às pessoas é que os seus pecados são culpa delas. Vocês, se vocês pecarem é culpa de vocês. E eu, se eu pecar, eu sou responsável. Não é uma desculpa dizer que “é uma doença”, ou que “eu não fiz de propósito, é hereditário, eu herdei de meu avô Adão; não pude fazer nada, eu sou um pobre homem, fraco.”
A ironia cínica do pecado é que aqueles que nos dão respaldo no pecado não podem mais nos ajudar quando sofremos suas conseqüências. Eles nos colocam as mãos sobre os olhos para nos impedirem de ver que o carrasco se aproxima, para que não enxerguemos o buraco negro na colina que conduz ao inferno.
Os maus amigos – os maus desejos e paixões terrenas, os maus prazeres – nos impedem de obedecer, nos afastam do caminho reto, mas, quando estamos longe, eles não podem nos impedir de sofrer suas conseqüências. É a apavorante crueldade do dragão. Uma traição impiedosa da confiança do pecador.


Judas Iscariodes foi lisonjeado e bajulado pelos judeus até ter vendido Cristo. No entanto, uma vez que eles haviam lançado as mãos sobre Jesus, e o haviam amarrado em cordas e o manietado, e Judas com o coração quebrado veio lhes devolver o dinheiro, esses mesmos fariseus, hipócritas e bajuladores, que lhe haviam suplicado que vendesse Jesus lhe oferecendo ouro e prata, esses mesmos judeus responderam: “Que nos importa? Isso é problema seu”. “Que nos importa?”.
Lembre-se, mocinha, “Que nos importa?” será a resposta se você pecar! Lembre-se rapaz, aqueles que levam você ao pecado não poderão tirar você de lá. E esses que para lá levam você, lhe dirão, quando você estiver lá: “Que nos importa?”. É a cínica maldade do inferno – e aí eu sinto o hálito do dragão!
O que podemos, então, concluir de tudo isso? Essa é uma descrição exata de um bom número de pessoas hoje, e também, suponho, de alguns que estão entre nós aqui, hoje. Domingo passado, eu disse ao irmão Gray que havia cinqüenta pessoas, algumas que cantavam, outras no coral e talvez mesmo ensinando na escola dominical, que deveriam estar lá, de joelhos, se nós houvéssemos obedecido a Deus no domingo passado, pois o Espírito Santo estava presente.
Não estou criticando os que ensinam na escola dominical, mas apenas estou dizendo que em qualquer ajuntamento de pessoas atacadas pelo fogo do inferno há feridos, há os vencidos pela carne, pelo mundo e pelo diabo. Isso, como eu disse, é uma descrição precisa. Há alguns que sabem que o caminho que estão trilhando leva à perdição. Foram sem dúvida advertidos e exortados, mas se fizeram voluntariamente cegos quanto ao desfecho.
No entanto, eu pessoalmente, não quero que jamais Deus me diga “Eu te dei a oportunidade de dizer a essas pessoas, mas você não o fez, você preferiu ser simpático, você quis ser amado por elas, e você se recusou a adverti-las”. Eu não quero ouvir essas palavras terríveis naquele dia. Prefiro perder todos os meus amigos a ouvi-las. Eu preferiria que todos vocês me dessem as costas e partissem friamente encolerizados a viver esse momento apavorante onde os gritos dos homens e das mulheres ressoarão: “O verão passou, a colheita terminou”, sabendo que eu não ajudei a socorrê-los, não ganhei suas almas levando-os a Deus. Ainda não é tarde demais. Não é importante que as pessoas me achem simpático, o que importa é que vocês sejam lavados com o sangue do Cordeiro, antes que seja tarde demais. Não é importante que vocês me achem simpático, mas é muito importante que vocês se reencontrem com Deus, um reencontro que os salvará antes do terrível dia no qual vocês seriam obrigados a gritar “Eu deixar passar a oportunidade”. (A continuar)

“Les Quatres Saisons de la Vie” (www.eglisedemaison.com/livres/tozer)
Tradução: Fernando Sabóia Vieira

domingo, 13 de junho de 2010

Ser Poeta

Caros,

Resolvi abrir um espaço no blog para os poetas que me encantam, no marcador "Baú de Poesias". E, para começar, escolhi alguns testemunhos sobre o "ser poeta", com Cecília Meireles, Cruz e Sousa e Manuel Bandeira.


CECÍLIA MEIRELES


Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias
não sinto dor nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

De "Viagem".


CRUZ E SOUSA


O Assinalado


Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz com que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

De "Últimos Sonetos"



MANUEL BANDEIRA


Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão....
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

De "A Cinza das Horas".

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Dia dos Namorados

Cantiga para você

(Para Sandra, sempre para Sandra)

Se você fosse embora
Eu lhe buscava
Se você fosse a despedida
Eu inventava a volta
Se você me esquecesse
Eu lhe lembrava
Se você não me quisesse
Eu me transformava no seu desejo

Se você fosse a pergunta
Eu sabia a resposta
Se você cantasse
Eu lhe ouvia
Se você fosse a palavra
Eu era o silêncio
Se você só ficasse parada
Pensando, sonhando, querendo
Eu era o vento, a luz
O chão, o céu
O tudo à sua volta


Junho, 2010, aD
Fernando Sabóia

UM POUCO DE DIETRICH BONHOEFFER (1906-1945)

CONFISSÃO

“Confessai, pois, uns aos outros, os vossos pecados” (Tiago 5:16). Quem fica sozinho com seu mal, fica totalmente só. Pode ser que cristãos fiquem sozinhos apesar da devoção e oração conjuntas, apesar de toda comunhão no servir ... sozinhos com o pecado, na mentira, na hipocrisia, pois não há como negar: somos pecadores. ...
No entanto, é a graça do Evangelho...que nos coloca diante da verdade e diz:Tu és pecador, um grande pecador incurável; e agora, como pecador que tu és, chega-te a teu Deus que te ama. Ele te quer tal como és. Não quer nada de ti, nem sacrifício nem obra. Ele quer somente a ti...Deus veio até a ti para salvar o pecador. Alegra-te. Essa mensagem é libertação pela verdade. Perante Deus não podes te ocultar. Diante dele, de nada vale a máscara que usas perante as pessoas. Deus quer te ver assim como és, e quer ser misericordioso contigo. Já não tens necessidade de mentir para ti mesmo nem para o irmão, como se não tivesses pecado; tu podes ser um pecador e agradece a Deus por isso, pois ele ama o pecador, mas odeia o pecado.
Cristo tornou-se nosso irmão na carne, para que crêssemos nele. Nele veio o amor de Deus ao pecador. Em sua presença as pessoas puderam ser pecadoras e só assim encontraram ajuda. Perante ele acabou toda a aparência. A miséria do pecador e a misericórdia de Deus – eis a verdade do Evangelho em Jesus Cristo. E é nessa verdade que deveria viver sua comunidade. Por essa razão autorizou os seus a ouvir a confissão dos pecados e a perdoá-los em seu nome. “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (João 20:23).
Assim Cristo converteu em bênção para nós a comunidade, e nela, o irmão. Ele está no lugar de Cristo. Perante ele já não preciso fingir. Perante ele e mais ninguém no mundo posso ser o pecador que sou, pois aqui reina a verdade de Jesus Cristo e sua misericórdia. Cristo tornou-se nosso irmão para nos ajudar; e agora o irmão se tornou um Cristo, por meio dele, no poder de sua missão. O irmão está diante de nós como o sinal da verdade e da graça de Deus. Ele nos é dado para nos ajudar. Ouve nossa confissão em lugar de Cristo e em lugar dele nos perdoa. Guarda o segredo da confissão tão bem como Deus o guarda. Confessando-me ao irmão, confesso-me a Deus. ...
Na confissão acontece o irrompimento da comunhão. O pecado quer ficar a sós com a pessoa e afastá-la da comunhão.
Quanto mais solitária a pessoa, mais destruidor será o poder do pecado em sua vida, e quanto mais profundo o envolvimento com o pecado, mais desesperadora a solidão. O pecado faz questão de permanecer no anonimato. Ele teme a luz. Escondido na escuridão do que não se verbaliza, ele intoxica todo o ser da pessoa. ... Na confissão, a luz do Evangelho irrompe nas trevas e no hermetismo do coração. O pecado deve ser trazido à luz. O que ainda não foi verbalizado, agora é dito abertamente e confessado. Todas as coisas secretas e ocultas ficam agora manifestas. É dura a luta até que os lábios consigam pronunciar a confissão do pecado, mas Deus “quebrou as portas de bronze, despedaçou as trancas de ferro” (Salmo 107:16).
A confissão dos pecados na presença do irmão cristão derruba os redutos da autojustificação. O pecador rende-se, abandona todo o mal que há nele, entrega o coração a Deus e encontra o perdão de todos os seus pecados na comunhão de Jesus Cristo e dos irmãos. Uma vez expresso e confessado, o pecado já não tem poder, pois foi manifesto como pecado e julgado como tal. Já não tem o poder de dilacerar a comunhão. ...
Na confissão acontece o irrompimento para a cruz. A raiz de todo pecado é a soberba. Quero viver para mim mesmo, tenho direito a mim mesmo, a meu ódio e minha cobiça, minha vida e minha morte. Mente e carne da pessoa são inflamadas de soberba, pois justamente em seu mal a pessoa quer ser igual a Deus. A confissão a um irmão é a mais profunda humilhação; machuca, torna-o pequeno, abate a soberba horrivelmente. Apresentar-se ao irmão como pecador é uma desonra quase insuportável. Na confissão de pecados concretos, o velho Adão tem uma morte vergonhosa sob dores horríveis perante os olhos do irmão. Por essa humilhação ser tão amarga, cremos sempre poder evitar a confissão diante do irmão. Nossos olhos estão obcecados a ponto de não mais enxergarem a promessa e a magnificência que tal humilhação encerra.
Foi o próprio Jesus Cristo que sofreu publicamente em nosso lugar a morte-vergonha do pecador. Não se envergonhou de ser crucificado como malfeitor. E não é nada mais que a comunhão com Jesus Cristo que nos conduz à morte vergonhosa da confissão, para que de fato tenhamos comunhão na cruz de Cristo. Essa cruz destrói toda soberba. Não encontramos a cruz de Cristo se não formos até onde ela pode ser encontrada, a saber, na morte pública do pecador. Negamo-nos a carregar a cruz quando nos envergonhamos de tomar sobre nós a vergonhosa morte do pecador na confissão. Na confissão fazemos irromper a autêntica comunhão da cruz de Jesus Cristo; nela aceitamos nossa cruz. No profundo sofrimento físico-espiritual da humilhação perante o irmão, isto é, perante Deus, experimentamos a cruz de Cristo como salvação e bem-aventurança. Morre a velha humanidade, mas foi Deus quem a derrotou. Agora, temos parte na ressurreição de Cristo e na vida eterna.

“Vida em Comunhão”
Sinodal, 1997.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Versos no Altar

oferenda


meus temores e medos
minhas alegrias e glórias
as esperanças e vitórias
minha inquietação
uma suave aflição
essa nuvem escura
essa visão turva
tudo o que me pesa
na lembrança
e tudo o que me pesa
no esquecimento
tudo o que me é dor
e me é contentamento

meus sonhos e passadas
as lágrimas caladas
os caminhos encobertos
e os sorrisos abertos

juntando tudo
é quase nada
mas é a vida
o dom precioso
de Ti mesmo recebido
a única oferta que trago
ao Teu Altar


Junho de 2010, aD
Fernando Sabóia

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Homem Interior

(Fernando Sabóia Vieira, BsB, 2010, aD)


“Por isso não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia ... não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” 2a Coríntios 4:16,18

“... que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior...” Efésios 3:16


2a Parte


A VIDA INTERIOR SEGUNDO AS ESCRITURAS


Por toda a Bíblia encontramos a declaração de que o relacionamento do homem com Deus deve incluir a pessoa inteira, a partir de seu íntimo, e não apenas suas palavras e atos exteriores.
Os homens e mulheres aprovados por Deus eram os “retos de coração”, “íntegros”, “justos”, no pensar, no falar e no agir. Manifestavam uma inteireza, uma coerência entre o que eram interiormente e o que expressavam exteriormente, uma certa qualidade em tudo o que sentiam, desejavam ou faziam.
Fica também patente que a fonte de vida e de santidade flui a partir de uma operação de Deus na natureza humana, produzida no seu íntimo, em sua alma e espírito, e não da observância formal, exterior, de rituais e mandamentos.
Esse processo vai se tornar pleno com a vida de Jesus em nós, o mistério outrora oculto e revelado no Evangelho.
Os textos seguintes podem dar um panorama sobre a precedência e importância da vida interior para uma espiritualidade autêntica e frutífera, isto é, para uma vida humana válida, plena e eterna.

a) Salmo 51:6; Provérbios 4:23; Jeremias 9:23

O Senhor não se agrada com exterioridades ilusórias, mas com a verdade no íntimo daquele que o busca. Isso foi compreendido claramente pelos profetas e homens de Deus desde o Velho Testamento
A Bíblia de Jerusalém diz “eis que amas a verdade no fundo do ser”.
Davi teve a clara revelação do que Deus queria dele: “cria em mim um coração puro e um espírito inabalável”. Ele sentiu necessidade de uma profunda transformação interior, algo que somente o Senhor mesmo poderia operar, criar a partir do nada.
Do coração procedem as fontes da vida, o fluir da nossa existência, a energia que nos mantém vivos. Nosso sustento e vitalidade estão intimamente ligados ao nosso mundo interior, não apenas ao nosso corpo físico. Se nosso coração estiver guardado em Deus, produzirá vida, caso contrário, contaminação e morte.

A finalidade última da vida do homem não está nos aspectos externos de inteligência, riqueza ou poder, mas no conhecimento pessoal de Deus, na união com Ele.

b) Salmo 19:14; 24:4; 2o Crônicas 16:9

Temos que buscar agradar a Deus não apenas com nossas palavras mas também com o “meditar do coração”, nosso diálogo íntimo e constante com Ele, que conhece todos os nossos segredos.
É preciso que nossos pensamentos mais íntimos sejam transparentes e agradáveis a Deus, em cuja presença estamos.

O Senhor requer que o coração do homem se volte completamente para Ele, pertença totalmente a Ele. Essa é a condição para um relacionamento pleno com Ele, para a manifestação de seu poder e graça.

c) João 4:13-14; 7:37-39; 14:23

A verdadeira adoração não está ligada a um local ou rito, a exterioridades, mas a um conhecimento e relacionamento pessoal e íntimo com Deus – é “em espírito”.
É do interior que fluem os rios de água viva, pois é lá que está, segundo Jesus, o centro dinâmico e vital da existência, onde o Espírito Santo habita e opera, fazendo a vida fluir.
O Espírito vem fazer morada “em nós”. Esse é o fato mais tremendo da história humana. O Deus Criador habitando em Sua criatura. Esse é o fato mais tremendo e transformador da história humana, e que nos garante a vida eterna.

d) Mateus 15:16-29; 23: 25-28

Jesus afirma que a contaminação do homem vem do coração, e não de suas ações exteriores. A religiosidade cerimonial, exterior, não garante a saúde espiritual do homem. Ao contrário, um interior contaminado torna impura a pessoa inteira.
O grande problema dos fariseus era a incoerência entre a vida interior e a exterior.

e) Lucas 17:21

Jesus diz que o reino de Deus não vem com visível aparência, mas que ele está “dentro” de nós. Pensamos muito nas manifestações externas do reino, mas é dentro de nós que ele de fato está. É no nosso coração que o reino deve se estabelecer e crescer, para que possa gerar frutos e produzir obras aceitáveis a Deus.

f) Filipenses 2:13

Deus opera “dentro” de nós o querer e o realizar (efetuar, poder para agir). Ambas são operações interiores. O “querer” se refere à purificação da vontade, do nosso amor. O “realizar” diz respeito ao poder espiritual necessário para viver a santidade.

g) Romanos 5:5; 7:22; 8:11,16,23 e ss; 12:1-2; 14:17

O amor de Deus é derramado no nossos corações. É uma operação interior, espiritual, uma transmissão de vida, uma comunicação, um poder transformador que opera dentro do homem.
A vida no Espírito, descrita em Romanos 8, é essencialmente interior, operado no íntimo, na natureza humana. Essa é a fundamental distinção em relação à lei do pecado e da morte, ineficaz para transformar o homem.

Um aspecto fundamental dessa transformação interior é a renovação da mente. Nossos conceitos, pensamentos, idéias, valores e percepções precisam ser transformados para que possamos oferecer um culto coerente a Deus e conhecer Sua vontade.
A realidade do reino de Deus é espiritual e não física.

h) 1a aos Coríntios 1:18-25; 2:6-16; 6:19

A presença e atuação do Espírito Santo em nós nos transforma de “homens psíquicos” em “homens pneumáticos”.
O homem psíquico é o homem natural, que vive sem conhecimento da Realidade e é limitado por suas faculdades corrompidas pelo pecado e desconectadas de Deus.
O Espírito sonda as profundezas de Deus e se comunica conosco em nosso íntimo. A partir dessa nova perspectiva, o homem espiritual pode discernir todas as coisas.

i) Efésios 4:23

A renovação do “espirito do entendimento” é essencial para que se possa despir o velho homem e se revestir do novo. Trata-se de uma transformação que deve ocorrer no nosso “homem interior”.

j) Gálatas 5:16-25

O fruto do Espírito é uma completa transformação interior. Não se refere a exterioridades ou a práticas determinadas, não é produto de esforço, mas de uma ação direta, interna, de Deus na nossa natureza humana.

k) 2a aos Coríntios 3:12-18; 4:16, 18

Quando nos convertemos é retirado o véu do coração e podemos contemplar Deus diretamente, face a face, como Moisés. Esse “olhar” para o Senhor não é físico, exterior, mas espiritual, interior, e essa união íntima com Ele nos transforma.
A operação da fé, a busca dos valores eternos do Reino e até mesmo as perseguições fazem com que, embora o homem exterior possa se corromper, o homem interior se renova para uma existência eterna.

l) Efésios 3:14-21

Paulo ora para que os cristãos sejam fortalecidos com poder no homem interior, onde Cristo habita pela fé.

“É a pressuposição constante, ou ênfase específica, do ensino do Novo Testamento, de que a força para a vida cristã vem através da habitação do Espírito Santo na pessoa do crente ... Isso (a expressão “homem interior”) pode incluir, ou pelo menos afetar, tudo o que o Novo Testamento quer dizer por coração, mente, vontade e espírito. É o núcleo da personalidade, onde o Espírito procura fazer sua habitação e a partir daí transformar toda a vida de um homem”. (Francis Foulkes, "Efésios, Introdução e Comentário", ed. Vida Nova/Mundo Cristão)

m) Colossenses 1:27-28

“Cristo em nós”, dentro de nós, habitando e transformando nosso ser. Essa é a síntese do plano de Deus para ter uma família de filhos semelhantes a Ele.


Jesus precisa ser formado em (dentro de) nós, antes de ser manifestado através de nós.
O Espírito deve fortalecer nosso homem interior, antes de veicular Seu poder através de nós.
O Espírito nos vivifica a partir do interior, onde Ele habita e de onde transmite sua graça transformadora.
Ele se manifesta em nós com sua revelação e dons, antes de nos usar como instrumentos.
O Reino precisa crescer em (dentro de) nós antes de se expandir através do nosso serviço.
Precisamos desenvolver nossas faculdades e habilidades espirituais, antes de nos aperfeiçoarmos nas naturais.
A santidade é essencialmente produto de uma ação sobrenatural do Espírito de Deus em nós, seu fruto, e não conseqüência de nossas escolhas e ações, que podem, no máximo, permitir ou impedir a ação do Espírito, mas jamais dar-lhe substância.


///fsv.

terça-feira, 8 de junho de 2010

UM POUCO DE JOHN DONNE (1572-1631)

MEDITAÇÃO XVII


NUNC LENTO SONITU DICUNT, MORIERIS

Agora esse sino que dobra suavemente por outrem me diz,
Tu certamente morrerás.


Quiçá aquele por quem esse sino dobra esteja tão mal que não saiba que é por ele que toca. E, quiçá, eu possa me achar tão melhor do que de fato estou que aqueles que estão próximos a mim, e vêem meu estado, fizeram com que tocasse por mim, e eu não me dou conta disso.
A igreja é católica, universal, e assim são todas as suas ações, tudo o que ela faz pertence a todos. Quando ela batiza uma criança, essa ação me concerne, pois aquela criança está doravante conectada àquela cabeça que é também a minha cabeça, e inserida naquele corpo do qual eu sou membro.
E quando ela enterra um homem, essa ação me concerne; toda a raça humana tem um autor, e compõe um só volume. Quando um homem morre não é rasgado um capítulo do livro, mas traduzido para uma linguagem melhor, e cada capítulo deve ser assim traduzido. Deus utiliza vários tradutores. Algumas partes são traduzidas pela idade, algumas por enfermidades, algumas por guerras, algumas pela justiça, mas a mão de Deus está em cada tradução, e sua mão recolherá novamente todas as folhas dispersas, pois aquela biblioteca onde cada livro deve estar se abre para outra. Assim, o sino que convoca para um sermão chama não apenas o pregador, mas também a congregação, de modo que o sino nos chama a todos, mas muito mais a mim, que cheguei tão perto da porta por meio dessa enfermidade.
Havia uma contenda muito antiga (na qual piedade e dignidade, religião e estima estavam misturadas) sobre qual das ordens religiosas deveria primeiro convocar para orações pela manhã, e foi determinado que seria aquela que mais cedo despertasse. Se nós compreendêssemos corretamente a dignidade desse sino que nos convoca para oração vespertina, ficaríamos felizes em tomá-lo como nosso, levantando-nos prontamente, ao seu chamado, para que ele seja nosso tanto quanto daquele por quem de fato toca. O sino toca para aquele para quem pensa tocar e, embora possa silenciar novamente, ainda assim, daquele minuto em diante, a partir daquela ocasião que lhe sobreveio, ele está unido a Deus. Quem não dirige os olhos ao sol que nasce? Mas quem os afasta de um cometa quando ele se despedaça? Quem não inclina os ouvidos a qualquer sino que toque em qualquer ocasião? Mas quem pode afastá-los daquele sino, que está fazendo um pedaço dele mesmo sair deste mundo?

Homem algum é uma ilha, completo em si mesmo, todo homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um torrão de terra for varrido pelo mar, a Europa é menor, do mesmo modo que se um promontório o fosse, do mesmo modo que se a casa de um dos teus amigos ou a tua o fosse. A morte de qualquer homem me diminui, porque estou envolvido na humanidade e, por isso, nunca procure saber por quem o sino dobra, ele dobra por ti.

Também não podemos chamar a isso um clamor por miséria, ou de um empréstimo de miséria, como se não fôssemos nós miseráveis o bastante por nós mesmos e precisássemos buscar mais na casa ao lado, tomando sobre nós a miséria de nossos vizinhos. Essa seria, verdadeiramente, uma cobiça desculpável se o fizéssemos, pois aflição é um tesouro e um homem jamais tem suficiente dele. Nenhum homem tem aflição bastante, ao ponto de não ser provado, de amadurecer e ser aperfeiçoado por Deus por meio daquela aflição.
Se um homem carrega um tesouro em blocos ou barras de ouro e não leva nada cunhado em moeda corrente, seu tesouro não vai cobrir seus gastos de viagem. A tribulação é um tesouro por natureza, mas não é moeda corrente no seu uso, exceto pelo fato de que, por ele, nos aproximamos cada vez mais de nosso lar. O outro pode também estar doente, doente de morte, e essa aflição permanecer nas suas entranhas, como ouro numa mina, e não ter qualquer utilidade para ele, mas esse sino que me fala de suas aflições escava e aplica aquele ouro a mim, caso eu, considerando o perigo que o outro corre, contemple o meu próprio, e me ponha em segurança recorrendo ao meu Deus, que é nossa única segurança.

Disponível em www.luminarium.org
Tradução: Fernando Sabóia Vieira