terça-feira, 31 de maio de 2016

Sobre o ministério pastoral


Algumas considerações sobre o ministério pastoral

- Nem mártires, nem heróis, apenas servos –

Fernando Saboia Vieira – ISN/BSB/16

 

1)   Sofrer com os outros e para os outros. Não o sofrimento excepcional do martírio ou do heroísmo santo, mas o provocado pelas lutas, tarefas e dores de cada dia. Nas conversas, no repartir os dramas da vida comum, envolvendo família, trabalho, necessidades, perdas etc.;
 
 

2)   Alegrar-se com os outros e para os outros. Não apenas pela salvação, mas em cada vitória, cada bênção recebida a cada dia de trabalho e de lutas. Pequenas conquistas, superações, regozijo na provisão diária do Senhor;

  

3)   Ser consolado com os outros e para os outros. Não exclusivamente em grandes tragédias e provações, mas nas pequenas perdas, renúncias e dores que fazem parte do seguir a Jesus neste mundo caído. Receber o consolo do Senhor e o consolo dos irmãos, e repartir com todos a consolação recebida;

  

4)   Desgastar-se com os outros e para os outros. Não em obras tremendas e em grandes feitos, mas no serviço cotidiano, nos socorros, nas ajudas, na construção da vida de Jesus na experiência de cada um e de todos. Algumas horas de sono perdido, algum desconforto, alguma privação de bens, jejuns, vigílias;

  

5)   Santificar-se com os outros e para os outros. Não em gestos radicais e audazes de ascese e de consagração, mas nas palavras e atitudes de cada dia, na piedade em secreto e na comunhão fraternal.

 
 
 

·         Com os outros, porque o corpo é edificado com a participação de cada um, até que todos nós cheguemos juntos à unidade da fé e do pleno conhecimento do filho de Deus. Não se pode crescer, se santificar, se alegrar, servir ou mesmo sofrer sozinho. Em cada experiência com o Senhor, por mais íntima e secreta que seja, é vivenciada como membros que somos uns dos outros.

 
·         Para os outros: porque a razão e o sentido de tudo o que fazemos é o amor de Deus, o amor a Deus e o amor ao próximo. Não existimos e vivemos para nós mesmos, mas para Senhor, que nos resgatou da morte, e para os homens a quem fomos enviados em Seu nome, como irmãos ou como testemunhas.

 
·         A glória do ministério está em experimentar a especial comunhão com Jesus no completar de Seu sofrimento pela Igreja. Temos esse privilégio, de também sofrermos por Ele, como membros do Seu Corpo a Seu serviço e, assim, aprofundarmos nossa intimidade com o Pai.

 
·         Participar da especial bênção de carregar vasilhas e ver a água transformada em vinho: testemunho e participação na glória do Reino. O primeiro milagre de Jesus foi testemunhado não por aqueles que participavam da festa, mas pelos servos que levaram água até Jesus e a viram ser transformada em vinho excelente. Essa é a nossa vocação no ministério.
 

·         Encontrar a restauração, o renovo e o contentamento no serviço. Somos curados, renovados e alegrados enquanto servimos. No prazer do nosso Senhor está nossa força e nossa recompensa. É preciso olhar sempre para Ele, atentos a Sua vontade, para a descobrir como “boa, perfeita e agradável”.

 
·         Finalmente, se seu serviço aos irmãos não for consequência necessária do seu amor a Jesus, não toque nas Suas ovelhas.

 

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Uma canção para a jornada em busca da vida interior


Canção para a Jornada

 

Se o Senhor está comigo

Se eu estou nEle

Com minha vida escondida

No Seu coração

E meus sonhos sonhados

Em sua infinita criação

 

Não tenho nada a temer

Não tenho mais o que querer

Tudo posso receber, perder, enfrentar

Tudo posso fazer e amar

 

Se Ele está comigo

Se eu estou nEle

Com meu querer escondido

No íntimo do Seu altar

Com meu amor amado

No seu infinito amor

 

Pode tudo estremecer

E o mundo dos homens perecer

Posso passar o caos e a solidão

Sem perder a luz e a emoção

  

Se Ele está comigo

Se eu estou nEle

Toda palavra será canção

E toda canção será adoração

Todo caminho será jornada

E toda jornada será chegada

E toda chegada será encontro

E todo encontro será glória

Glória e aleluia, vitória

 

Se Ele está comigo

Se eu estou nEle

 

 

Fernando Saboia Vieira, de "Chuvas Serôdias".

 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Simplicidade, poesia de Giogia Júnior


NADA ERA DELE

Giogia Júnior

 

 

Disse um poeta um  dia,

fazendo referência ao Mestre amado:
"o berço que Ele usou na estrebaria,

por acaso era dele? Era emprestado!

E o manso jumentinho,

que em Jerusalém chegou montado

e palmas recebeu pelo caminho,
Por acaso era dele? Era emprestado!

E o pão - o suave pão,

que foi por seu amor multiplicado

alimentando a multidão
Por acaso era dele? Era emprestado!

E os peixes que comeu junto ao lago,

ficando alimentado. Esse prato era seu? Era emprestado!

E o famoso barquinho?
Aquele barco em que ficou sentado

Mostrando à multidão qual o caminho
Por acaso era seu? Era emprestado!

E o quarto em que ceou ao lado dos discípulos

Ao lado de Judas  que o traiu, de Pedro, que o negou
Por acaso era dele? Era emprestado!

E o berço tumular, que depois do calvário foi usado

de onde havia de ressuscitar
Por acaso era dele? Era emprestado!

Enfim, nada era dele!
Mas a coroa que Ele usou na cruz era dele!
E a cruz que carregou e onde morreu,

Essas eram de fato de Jesus! "

 


Isso disse um poeta certa vez,

numa hora de busca da verdade;

mas não aceito essa filosofia

que contraria a própria realidade.

O berço, o jumentinho, o suave pão,

os peixes, o barquinho, a sepultura e o quarto

eram dele a partir da criação;

Ele os criou - assim diz a Escritura;

mas a cruz que Ele usou, a rude cruz,

a cruz tosca e mesquinha,

onde meus crimes todos expiou,

essa cruz não era sua! Essa cruz era minha!

 
Giogia Júnior

 

 

Simplicidade, 3º texto


Simplicidade no ter

        Jesus viveu uma vida simples, desprovida de riquezas materiais. Nasceu numa família humilde e viveu entre os pobres, para os quais anunciou, preferencialmente, o Evangelho. A todos exigiu renúncia completa aos bens materiais como condição de ingresso no Reino. Advertiu em várias oportunidades seus discípulos quanto aos perigos do apego ao dinheiro e de confiar em posses ou recursos. O mesmo exemplo de ensino e de prática nós encontramos nos apóstolos.

         É um triste sintoma do mundanismo que contamina a Igreja nos nossos dias em nosso País a ênfase em prosperidade e bênçãos materiais, muitas vezes oferecidas sem qualquer menção à necessidade de arrependimento e de renúncia. Fruto de crassa ignorância bíblica ou de má-fé, tal pregação leva muitos a uma falsa conversão e a uma má consciência, supondo-se ser “a piedade fonte de lucro”.

         De todo modo, propomos, a seguir, alguns tópicos de estudo bíblico que nos levaram à uma clara conclusão acerca da necessidade de simplicidade no ter para que possamos expressar autêntica e profundamente a vida de Jesus.

 
               1.    Transitoriedade e vaidade das possessões materiais. Nada trouxemos ao mundo e nada levaremos dele, nos declara Jó, um homem que experimentou a riqueza e a pobreza de forma dramática em sua vida. Importa glorificar a Deus em tudo. O autor do livro de Eclesiastes nos adverte de modo enfático quanto à falta de sentido de uma vida dedicada ao acúmulo de bens – “vaidade e correr atrás do vento”. Desde a lei mosaica, a cobiça é a síntese e dimensão interior dos mandamentos.

 

·         Êxodo 20:17;

·         Jó 1:21;

·         Eclesiastes 2:1-11

 
                          
                   2.    Essencialidade, necessidade e valor.  Precisamos aprender a dar às coisas criadas o valor que elas têm segundo sua essência e finalidade, tal como foram concebidas pelo Criador. Só assim poderemos usá-las sem nos apegarmos demasiadamente a elas, poderemos desfrutá-las sem que elas nos corrompam o coração e poderemos ser abençoados por elas sem que elas ocupem em nossa vida um lugar que só pode pertencer a Deus.

 

Recomendo a leitura de A W Tozer, “À Procura de Deus”, o capítulo intitulado A bênção de não possuir nada. Em Merton, “Homem Algum é uma Ilha”, o texto Sentenças sobre Esperança.

 

·         Mateus 6:25-34

·         Lucas 10:38-42

·         Lucas 12:13-21

·         1ª aos Coríntios 7:29-31

 

 
                3.    A renúncia do discipulado. Fomos chamados ao discipulado de Jesus em total pobreza. A porta estreita do Reino não permite que alguém por ela passe levando consigo mesmo qualquer bem ou valor. Só dessa forma poderemos Seus discípulos e bem-aventurados possuidores do Reino de Deus.

 

Sugiro aqui a leitura de Dietrich Bonhoeffer, “Discipulado”, os capítulos iniciais e em especial aquele sobre Obediência Simples.

 

·         Mateus 5:3; 7:13-14; Mateus 19:16-22

·         Lucas 6:20-21,24-25; 9:57-58; 14:38; 19:16-22

 

  
              4.    A simplicidade material na vida de Jesus. Nasceu na família mais humilde, no berço mais simples. Cresceu como parte de uma classe social desfavorecida, como carpinteiro. Nunca teve qualquer bem ou riqueza. Viveu pobre. Pregou, preferencialmente, para os pobres. Viveu uma vida focada nas coisas essenciais e espirituais, que são simples, despojadas.

 

Giogia Junior escreveu um precioso poema sobre esse tema: “Nada era d’Ele”.
 
               5.    A simplicidade material na pregação de Jesus. Jesus declarou bem-aventurados os pobres e advertiu severamente aos ricos. Disse aos discípulos que deveriam acumular tesouros nos céus, e não aqui na Terra, pois isso determinaria o destino do coração deles. Exortou que observassem os lírios do campo, em sua simplicidade e insuperável beleza. Condenou duramente a avareza como falta de confiança em Deus. Ilustrou esse ensino com a parábola sobre o rico e Lázaro, chamando atenção para as consequências eternas das escolhas que fazemos neta vida. Ele mesmo não tinha onde reclinar a cabeça.

 

·         Mateus 5:3; 6:25-34; 11:2-6

·         Lucas 6:20-21; 12:13-21; 16:19-31

 

 
              6.    A simplicidade material no ensino dos apóstolos. O amor ao dinheiro é apontado como a raiz de todos os males. Aqueles que supõem ser a piedade fonte de lucro pervertem suas consciências e se deviam da fé. A avareza é severamente condenada e será característica marcante da perversão dos homens nos últimos tempos. As irmãs são exortadas a observar simplicidade nas vestes ornamentos, valorizando as virtudes interiores. Os cristãos devem aprender o contentamento com o necessário, para viver, repartindo generosamente seus bens com os necessitados com os necessitados.

 

·         1ª a Timóteo 6:3-10

·         2ª a Timóteo 3:2

·         Romanos 1:29

·         Efésios 5:5

·         1ª de Pedro 3:3-5

·         Atos 2:42-45; 4:32-37; 20:35

 

 
               7.    Uma nação de sacerdotes. Somos vocacionados como uma nação sacerdotal. Assim, a nós se aplica bênção da tribo de Levi, de não ter propriedades, terras ou riquezas, mas ter o Senhor como sua herança e nosso único bem.

 

·         Números 18:20

·         Salmo 16:1-6; 73:23-28

·         1ª de Pedro 2:9

 

 

 

terça-feira, 24 de maio de 2016

Oração de manhã cedo


Oração de manhã cedo

 

Crescer como tudo

O que cresce

Na força da terra

No calor do sol

No fluir das águas

E no movimento do ar

 

Te amar como tudo

O que te ama

No fruto que nasce

No menino que corre

Na vida que surpreende

Nos gestos anônimos de coragem

E de ternura

 

Te servir como tudo

O que te serve

E se move à tua voz

Na terra e nos céus

Os seres viventes

E coisas inanimadas

Nos ciclos da vida

E nos passeios das galáxias

 

Fernando Saboia Vieira – maio/16

Simplicidade, 2º Texto


A concupiscência como perda da simplicidade

1ª de João 2:15-17; Tiago 4:1-6; Romanos 7:7-9

 

Na raiz da natureza maléfica da concupiscência está a perda simplicidade.

A concupiscência, o desejo desmedido e impuro por aquilo que não nos é lícito ter, nasce quando deixamos de querer as coisas e os bens da vida por sua utilidade e significado e passamos a cobiçá-los de uma maneira excessiva, distorcida e perniciosa pelo prazer que eles podem nos proporcionar, pela simples satisfação de possuí-los, pelo poder que nos conferem ou pelo status e imagem que nos proporcionam diante dos outros.

Nossa noção do que é necessário se torna deturpada e sem fundamento em valores reais para assumir complexidades e excessos artificializados. As coisas passam a atender não mais a necessidades, mas a desejos, cobiças, avarezas, medos, fantasias.

Podemos observar esse fenômeno, que é uma das bases econômicas na moderna sociedade consumista, a partir de exemplos simples. Posso propor um bem pessoal. Uma caneta serve bem para escrever. Uma de melhor qualidade servirá melhor ao fim a que se destina. Posso desejar ter várias para usos diversos, com cores e traços diferentes. No entanto, em algum momento, sou tentado a adquirir canetas apenas por não ter ainda daquele determinado tipo, embora, possivelmente, nunca venha a utilizá-las. Depois, descubro que canetas podem ser símbolos de status, de sucesso profissional, de sofisticação intelectual ou artística. E as adquiro com essa finalidade, mesmo que não pretenda usá-las para escrever, mas apenas para exibi-las nos círculos apropriados. Também passo a desejar ter várias para acumular, para garantir um suprimento ou apenas para contemplá-las e as obtenho numa quantidade de utilização impossível mesmo ao longo de várias vidas!

Complexidade, excesso. Deslocamento do necessário para o cobiçado. Adquiro não porque me atende a algum valor, mas porque desejo. Eis o caminho do vício na alma humana pelo qual se forjam correntes de escravidão unindo argolas de coisas lícitas e úteis.

Assim, a concupiscência da carne nasce da perda da simplicidade da satisfação de nossas necessidades mais elementares essenciais, ligadas à nossa existência como indivíduos e como espécie: alimento, água, proteção, abrigo, reprodução. Afetividade, expressão pessoal, relacionamentos. Ambiente para crescer e se desenvolver.

Quando atividades elementares como comer e beber, por exemplo, passam a ter como principal motivação o prazer e não o fim a que se destinam – uma vida saudável – as pessoas começam a se perder na complexidade de demandas artificiais e de excessos, que passam a dominá-las ao ponto de produzirem o efeito exatamente oposto – enfermidade e morte. Esse desvio de finalidade é o que a Bíblia chama, literalmente, de pecado.

Isso vale para carros e sapatos, roupas e bebidas, comidas e joias, brinquedos e celulares, e tudo o mais que nos é oferecido em nossa moderna sociedade de consumo e que pode nos proporcionar algum tipo de prazer.

Essa deturpação advinda da perda da simplicidade produz efeitos particularmente maléficos nos desvios que ela causou na natureza humana em relação aos seus instintos mais poderosos, aqueles relacionados à sobrevivência pessoal à preservação da espécie, que são os da sexualidade.

Talvez em nenhuma outra manifestação humana a concupiscência revele mais suas nefastas consequências do que na exacerbação do instinto sexual, completamente desconectado de seus propósitos naturais e comandado pelo princípio do prazer, do poder, da dominação. Todas as depravações, taras, perversões e abominações que decorrem dessa distorção se revelam como as forças mais potencialmente destrutivas das pessoas, dos relacionamentos e das sociedades.

Vivemos numa geração completamente contaminada pelos excessos, pelas fantasias, pela ausência de limites para a busca do prazer, pela criatividade perversa, pelo oferecimento de satisfação fácil e barata da sensualidade.

O caminho da santidade do corpo e da alma deve passar, então, necessariamente, pela simplificação da nossa percepção em relação à nossa natureza humana, tal como criada por Deus, dos seus valores e propósitos espirituais, aos efeitos provocados pelo pecado e à restauração imagem de Deus e da sua soberania em Cristo Jesus. Sem artificialidades, sem complexidades, sem excessos.

Homens e mulheres expressando sua sexualidade dentro da vontade de Deus e, assim, atingindo a plenitude como pessoas criadas para refletir a semelhança, o amor e a vida de Deus, como cônjuges, como pais e mães.

Esta nossa geração, contudo, vive escravizada pelo hedonismo, pela busca do prazer em suas diversas formas, pelo império da sensualidade como critério de valor. O resultado disso é a perda da dimensão pessoal e espiritual da vida, do seu sentido e, afinal, da alegria.

Para além dos excessos do sentir, também percebemos as distorções da perda da simplicidade quanto aos excessos do ter. Nesse sentido, a Palavra também nos adverte quanto à concupiscência dos olhos.

Essa se desenvolve quando nossa alma assume a complexidade e o excesso das possibilidades de possuir como sua forte inclinação e desejo. Assim, ainda que não tenhamos as coisas que vemos e nem mesmo nos seja possível adquiri-las, nós as amamos e cobiçamos.

Que desastre nesta geração global e midiática! Hoje, é possível cobiçar não apenas a mulher e os bens do próximo, mas qualquer mulher e qualquer bem de qualquer pessoa do Planeta. As pessoas vivem intoxicadas pelas imagens dos excessos e perversões das vidas dos ricos, famosos e poderosos. São elas aliciadas todos os dias pelos apelos a cobiçar e possuir uma infinidade de coisas e de sensações tanto inalcançáveis para a grande maioria quanto incapazes de proporcionar identidade, significado e valor pessoal à vida, porque as afastam de sua natureza espiritual e eterna.

Disse Jesus: “Se os teus olhos forem bons (literalmente, simples), todo o teu corpo terá luz”. No entanto, se temos olhos maus, contaminados pelos excessos da concupiscência, podemos saber que todo o nosso ser estará em trevas.

Mais profundamente ainda, somos exortados a não cedermos ao espírito deste século manifestado na maneira desafiadora e despudorada com que expressa a soberba da vida. Essa é aquela pretensão nascida no coração de nossos primeiros pais no sentido do ser autônomo, que fomentou a rebelião da criatura contra seu Criador.

Senhores do conhecimento do bem e do mal, autores do próprio destino. O mito de que deu posso ser e ter tudo o que eu quiser desde que acredite em mim mesmo, nas minhas capacidades e possibilidades tem causado danos, enfermidades e morte mormente nesses nossos dias de humanismo exacerbado.

No entanto, o princípio de vida que há no homem não tem nele mesmo sua fonte e alimento, mas é o efeito de uma causa que tem sua origem, sustento e destino em Deus. A humanidade se apartou da simplicidade que deve reger o relacionamento com o Criador e se perdeu em uma complexidade de explicações, de buscas, de falsas origens e de falsos destinos. Ao complicarmos, confiados em nós mesmos, perdemos a noção de sua profundidade de significado e de valor na confusão de nossas ideias, conceitos e paixões.

Ora, diz o Apóstolo, o mundo passa e com ele passam suas concupiscências – seus excessos, suas artificialidades, suas cobiças. Por isso não podemos ser amigos do mundo, pois isso nos tornaria inimigos de Deus.

De onde procedem nossas guerras e conflitos? Tiago nos diz claramente: das nossas cobiças e paixões. Por que não obtemos satisfação com as coisas que buscamos e pelas quais nos desgastamos? Porque fazemos isso para atender aos excessos da nossa concupiscência e não às nossas verdadeiras necessidades. Confusos são nossos pedidos porque confusa é nossa fé, contaminada com tantos desejos e fantasias.

Caros, a simplicidade, como negação dos excessos da cobiça e da soberba e como afirmação do sentido e do valor da vida, das pessoas e das coisas criadas é caminho essencial para a santidade e, em consequência, para a felicidade. Precisamos descobrir e praticar a ascese do necessário, do suficiente e do útil para nossa vida física, mental e espiritual. Necessidades artificiais nos tornam pessoas artificiais. Precisamos nos simplificar, desejar e buscar o que é essencial, valioso e eterno para sermos mais autênticos e profundos no que somos, no que buscamos e no que fazemos.
 
Fernando Saboia Vieira

domingo, 15 de maio de 2016

Às fontes do silêncio

     "E tudo se resume nessas palavras: paz, silêncio, solitude. O mundo e seu tumulto estão bem longe, de agora em diante. Florestas e campos, sol, vento, céu, terra, água, tudo fala a mesma linguagem silenciosa, relembrado ao monge que ele está aqui para se desenvolver do mesmo modo que tudo o que cresce ao seu redor: ele está plantado no jardim do Senhor, plantatus in domo Domini, sua existência não tem senão um sentido: receber a luz da verdade e as águas da graça, mergulhar suas raízes em Deus, espalhar seus ramos na pura atmosfera de Deus, respirar o céu e absorver seus maravilhosos raios".
     Thomas Merton, Aux Sources du Silence. Trad. Fernando Saboia Vieira.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Natividade


Natividade - anunciada
 

I

 
Soube que você viria

Antes mesmo de saber que viria

Porque seus pezinhos pequenos

Há muito corriam nos salões futuros

Da minha alma antiga
 

Não sei como você é ou será

Por onde seus pés andarão

Mas bem imagino o que o encantará

E fará sonhar

Neste planetinha azul

Bonitinho, admirável e complicado

  
II

 
Uma onda cósmica

De ternura

Me visita nesta noite comum

De nostalgia, de sonho

E de profecia


A vida


Alguém vai chegar

No tempo de ser tudo novo

Para que a memória

Não se perca

E as histórias antigas

Sejam contadas novamente

Pela primeira vez


 
III

 
Que ilusão é essa

De que tanto tempo passou
E de que tanto fizemos

Acontecemos e fomos?

 
Vejo ainda o menino

Escondido nos olhos do espelho
Perplexo com tudo tão novo

Num mundo tão velho

 
O menino vive

Em outro menino
Que viverá em outro menino...

 
E o mundo será sempre

Novo e velho
Sempre admirado do menino

Que tudo admira

 
Fernando Sabóia Vieira

Maio de 2016