Companheiros de Jornada em busca da vida interior,
Ainda medito sobre o caminho estreito e desértico da renúncia. Ao longo dos anos, percorri – e ainda percorro – muitos atalhos e veredas nessa jornada em direção ao Encontro e gostaria de compartilhar algo sobre alguns lugares escuros e escabrosos que encontrei – e ainda encontro – na minha alma peregrina.
Devem ser eles tratados sempre como tentações a serem resistidas, inimigos traiçoeiros a serem evitados ou vencidos, caminhos maus do coração a serem aterrados, aplainados e retificados.
Tratam-se, em verdade, de condições da alma que surgem a partir dos atos concretos e das posturas existenciais de renúncia. Não obedecem a uma sequência determinada e podem vários existir ao mesmo tempo. São antíteses do fruto do Espírito e caminhos para longe do Encontro com o Senhor que produz o Contentamento.
Menciono, em primeiro lugar, o sentimento mais natural e que quase inevitavelmente acompanha a renúncia que é a dor da perda. Renunciar é perder, e perder, via de regra, dói. Quanto mais precioso e querido o objeto da renúncia, mais intensa a dor. O grande perigo aqui é transferir para essa dor a afeição que tínhamos ao renunciado e mantê-la viva em nós como uma espécie de tributo ao que se foi. Essa é uma maneira de não renunciar de coração.
A dor da perda deve ser aceita como natural, sofrida com esperança e superada no devido tempo pela ação do Consolador. Se nos apegarmos a ela, perdemos a oportunidade do Encontro íntimo com o Pai por meio do Seu Espírito.
Outra sensação comum é o medo do vazio. Muitas pessoas hesitam ou mesmo recuam diante da renúncia por temor de que ela seja simplesmente perda e anulação. Pensam que a vida poderá ser menos plena e que só lhes restará para sempre a falta do que abandonaram.
Embora a renúncia deva ser incondicional, é preciso lembrar que renunciamos para ter o Senhor, e que Ele é suficiente para preencher qualquer ausência ou perda.
Pode, nesse caminho, surgir sutilmente, em qualquer momento da vida, o desejo de compensação por aquilo a que um dia renunciamos. Esse desejo pode nos levar à tentação de providenciarmos nós mesmos as coisas que cremos nos fazerem falta, ou substitutos para elas, ou nos instigar a cobrar isso da vida ou dos outros, vale dizer, de Deus. Muitas pessoas desperdiçam suas vidas tentando recuperar em alguma versão “espiritual” o que renunciaram no primeiro momento do discipulado.
Novamente, para que a renúncia nos leve pelo caminho da vida interior, da comunhão com Deus, é preciso nos firmarmos na disposição de fazer do Encontro com Ele a fonte de toda nossa satisfação. Se o Senhor for nosso único bem, veremos com é muito linda nossa herança!
A dor, o medo e a frustração, se instalados na alma, produzirão um dos piores venenos espirituais que é o ressentimento. De tanto visitarmos esses lugares sombrios do coração e de sentirmos novamente aquelas emoções negativas podemos nos tornar pessoas cheias de mágoas, de ressentimentos.
O ressentimento é uma enfermidade letal para a vida interior e só pode ser vencido na Cruz. Ele é a contradição do amor de Deus encarnado na entrega do Filho e da Graça do Filho no Seu sacrifício por nossos pecados. Quando entendemos que renunciamos por causa d’Ele e para Ele e nos dispomos a receber sua Presença em nós não podemos continuar ressentidos com nada nem ninguém.
Pessoas ressentidas facilmente assumem a postura de julgamento das demais, do mundo inteiro e finalmente de Deus. Sua insatisfação com suas vidas e seus desejos não correspondidos fazem com seus egos cresçam e se projetem sobre tudo e sobre todos.
Quando renunciamos, renunciamos principalmente ao trono de nossas vidas, para que Ele seja o Senhor de tudo. Se nós mesmos somos d’Ele, o que temos a reivindicar? Essa convicção deve ser não apenas uma doutrina para nós, mas uma declaração existencial, concreta, diária.
Vamos deixar que Ele mesmo julgue quem deve ter o que, e quem deve viver sem ter o que.
Mas, talvez, para alguns, a atitude principal não seja a de reivindicar ou julgar. Consideram-se mesmo indignos de qualquer bem ou consideração. Cuidado aqui. A renúncia não é uma penalidade que aplicamos em nós mesmos para aplacarmos nossos sentimentos de culpa. Quem procede assim, pode cair na armadilha da autocomiseração, que anula o propósito Deus para nós.
A renúncia não nos faz vítimas de nada. Ao contrário, ela nos abre as portas das mansões celestiais onde estão escondidos todos os tesouros eternos. Ela nos torna pobres para podermos herdar o Reino.
Finalmente, o pior dos inimigos, o mais enganoso e também o mais mortífero nesse caminho da renúncia: o orgulho espiritual.
A renúncia não pode se tornar para nós um troféu de santidade ou a prova de nossa espiritualidade. Quando esse sentimento encontra abrigo em nosso coração abrimos suas portas para a presença do Inimigo. Não temos qualquer mérito se renunciamos à vida que era morte para assumirmos a morte d’Ele, que é vida. O Senhor nos ofereceu isso livre e graciosamente, sem qualquer condição ou requisito, a não ser a nossa também livre e completa entrega.
Quando duas entregas livres e incondicionais se encontram, a d’Ele e a nossa, manifesta-se o amor de Deus, a força mais poderosa do universo, para promover o Seu propósito eterno no meio dos homens. Mas mesmo a nossa entrega é Ele quem a proporciona, por meio do Seu Espírito, que nos convence do pecado, da justiça e de juízo e nos revela o Seu amor paternal.
A dor da perda, o medo do vazio, o desejo de compensação, o ressentimento, o julgamento, a autocomiseração, o orgulho espiritual. São todos esses lugares sombrios e inóspitos, onde a vida não pode florescer. Para que a renúncia seja Encontro e Contentamento é preciso que os evitemos a todo custo e, se porventura nos virmos em qualquer deles, rapidamente voltemos nosso olhar para o Senhor e exercitemos o poder da fé para prosseguirmos em direção ao Alvo para o qual fomos chamados.
Caros companheiros de jornada, que possamos cada dia viver concretamente nossa renúncia a tudo para termos tudo n’Ele. Que essa renúncia produza em nós o Encontro íntimo com o Senhor, fonte de todo Contentamento.
Na suficiente graça de Jesus,
Brasília, DF, setembro de 2011, aD.
Fernando Sabóia Vieira
é isso mesmo, acho que já passei por todos...mas já começo a sentir o perfume do noivo.
ResponderExcluirFernando, muito obrigado!