quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Renúncia, Encontro e Contentamento


Fernando Sabóia, Bsb, set/2011, aD

         Companheiros de Jornada em Busca da Vida Interior,

         Estive meditando sobre esse aspecto tão fundamental da caminhada em busca da vida interior que é a renúncia. Ele já estava presente, sem dúvida, quando falamos sobre o desprendimento, pois que este supõe renunciar intimamente ao mundo e às coisas que lhe são próprias. No entanto, a necessidade de renúncia é tão evidente nas palavras de Jesus como decisiva para o discípulo que deve ser ela objeto específico de nossas considerações e atitudes acerca da espiritualidade que almejamos.
         O que é, essencialmente, a renúncia para o discípulo de Jesus e qual deve ser o seu fruto espiritual? Penso que a substância da renúncia cristã é o encontro com Jesus e seu fruto é o contentamento.
         Contentamento é uma condição espiritual que está além do ter ou não ter, da alegria ou da tristeza. Podemos estar contentes na abundância ou na carência de bens, materiais ou não, e podemos estar contentes a despeito da nossa inevitável parcela de dores e tristezas nesta vida.
         No entanto, o contentamento só é produzido em nós quando a essência da nossa renúncia é o encontro, e não a perda. De fato, no centro da renúncia cristã está o Senhor. É por causa d’Ele, por meio d’Ele        e para Ele que tomamos nossa cruz, negamo-nos a nós mesmos e a tudo renunciamos para seguir a Ele.
         Quando consideramos a renúncia apenas ou principalmente como perda nos lançamos num ascetismo estéril, sem esperança, onde a ausência e a dor são as condições finais de tudo. Não é cristã uma espiritualidade assim buscada e construída. Nós renunciamos porque fomos a isso chamados por Ele, para estar plenamente com Ele, sem quaisquer intermediações, nem de bens, nem de amores, nem mesmo da vida neste mundo.
         Esse encontro com Jesus, todavia, só pode ter essa plenitude e produzir seu fruto de contentamento quando ocorre num verdadeiro e imenso vazio existencial.
         A renúncia não é um ato acabado, exaurido num momento, mas, antes, uma condição que temos que assumir a cada dia em nossa jornada com o Mestre. Nesse caminho encontramos dificuldades, dores e tentações, mas também graça, livramento e alegrias.
         É inegável que a renúncia, como perda, dói física e emocionalmente. Ela suscita medos e temores, inseguranças e dúvidas. Depois, com o tempo, podem surgir mágoas, ressentimentos, invejas, desejos de compensação, cobranças, vinganças, murmurações. Autocomiseração, solidão.
         Eventualmente, poderá ocorrer a maior de todas as tentações da renúncia: o orgulho espiritual. Pessoas rigorosas consigo mesmas, que se impõem privações e renúncias em busca de distinção e destaque, terminam por cair no engano de se acharem melhores do que as demais e de julgarem a todos a partir de seus próprios padrões de pretensa santidade.
         Tudo isso é o oposto do desejado fruto do contentamento. Como será ele, então, produzido, se nossa débil e corrompida condição humana nos impele a sentir e agir tão diferentemente? E mais, quando consideramos que a renúncia demanda por Jesus vai além do ter para atingir o querer e o ser, como chegar a tal satisfação íntima?
         Com efeito, como cruz, a renúncia é perda concreta, existencial, íntima e exterior. Mas, se é uma renúncia ordenada por Deus, e não fruto de nossas debilidades ou fantasias espirituais, será ela sacrifício, cuja essência não é ser perda e dor, mas, sim oferta agradável Àquele a quem amamos.
         Assim, o propósito da renúncia para o discípulo não é o vazio e nem mesmo o encontro consigo mesmo, mas o encontro com o Senhor em quem há plenitude de vida e de propósito. E, nessa plenitude, estará o nosso contentamento, ainda que não sejamos capazes de dela desfrutar completamente nesta existência terrena.
         Cada coisa que renunciamos, bens, sentimentos, prazeres, dores, alegrias, direitos, sonhos, opiniões, relacionamentos, direitos, desejos, deve criar em nós um pouco mais de espaço a ser preenchido por Jesus, Seu Reino, Sua vida, Suas bênçãos.
         Se Ele é o nosso pastor, nada desejamos. Se Ele está conosco, nada tememos. Ele nos conduz à abundância e ao descanso dos pastos verdes e águas tranquilas. N’Ele temos segura esperança de alegria e júbilo eternos (Salmo 23).
         Quando o Senhor é nosso único bem, descobrimos quão bela e agradável é nossa herança, o quanto Sua presença nos protege, conforta, alegra e supre (Salmo 16).
         Aqui devemos nos lembrar: esse encontro com o Senhor acontece no lugar predileto, por Ele mesmo escolhido: dentro de nós, onde Ele deseja habitar.
         Nas renúncias grandes e pequenas de cada dia encontramos especial ocasião de intimidade com o Senhor, e n’Ele temos o contentamento que coloca em nossos lábios louvor, adoração e ações de graças.

         Graça de Jesus seja com todos.

         Fernando Sabóia Vieira





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