Unção e Conversão: Uma crônica Bíblica sobre Política e Reino
Fernando Saboia Vieira
Brasília, início de maio de 2020, AD.
Queridos irmãos e irmãs, companheiros de jornada,
Nesses dias de perturbações e perplexidades no nosso País, proponho uma reflexão sobre Reino de Deus e política a partir de uma leitura, na forma de crônica, dos eventos que marcaram o estabelecimento de Israel como Estado.
Ao final do período da história de Israel conhecido como a época dos Juízes, quando não havia rei sobre eles e o povo recorria a guerreiros, profetas, líderes e sacerdotes para a solução de seus conflitos e para atender às necessidades coletivas das tribos, houve, aparentemente, uma tentativa de se estabelecer uma sucessão de governo dentro da linhagem sacerdotal.
No entanto, tanto Eli quanto Samuel falharam em ser sucedidos pelos seus filhos, uma vez que estes, por seu comportamento opressor e corrupto, foram rejeitados pelos líderes e anciãos tribais, os quais passaram a reivindicar a escolha de um rei que os conduzisse na guerra e nos negócios, aexemplo do que ocorria com as demais nações ao seu redor.
Deus atendeu ao pedido do povo e orientou a Samuel que esclarecesse aos líderes das tribos de Israel quais seriam as condições para o estabelecimento de uma monarquia e qual seria o “direito do rei” sobre seus súditos.
Tendo o povo concordado com esses termos, Deus ordenou que Samuel ungisse como rei a Saul, um jovem vigoroso, habilidoso e belo, da Tribo de Benjamin. Saul, uma vez ungido, foicapacitado pelo Espírito Santo, profetizou, obtevevitórias e consolidou o Reino de Israel entre as nações circunvizinhas.
Contudo, seduzido pelo sucesso, pela popularidade, pelo poder e pelas riquezas, Saul cedeu à concupiscência da carne e dos olhos e àsoberba da vida, desafiou Samuel, oferecendo ele mesmo sacrifícios a Deus, e desobedeceu a uma ordem direta do Senhor, preservando riquezas e bens do inimigo derrotado, os quais deveriam ter sido destruídos.
Deus rejeitou a Saul e retirou de sua casa a sucessão ao trono. Saul era ungido, mas não convertido!
Samuel, então, por ordem do Senhor, ungiu aDavi, um rapazinho pastor de ovelhas, da Tribo de Judá, da casa de Jessé, como rei de Israel. Davi foi capacitado e abençoado pelo Senhor, venceu muitas batalhas, conquistou sucesso e fama entre o povo. Submeteu-se a Saul e, a despeito dos ciúmes e da perseguição doentia deste, manteve-se fiel ao chamado de Deus e aguardou que Ele mesmo o elevasse ao trono, ao invés de se apossar dele por conta própria.
Estabelecido como rei, Davi ergueu um poderoso império, com exércitos e riquezas, e restabeleceu o culto ao Senhor trazendo a Arca da Aliança para Jerusalém e erguendo o Tabernáculo.
Quando seu coração foi colocado à prova, num episódio de adultério e homicídio, ele se submeteu à repreensão do profeta Natã, arrependeu-se, aceitou o juízo de Deus e buscou a Sua misericórdia e perdão.
Davi foi aprovado pelo Senhor Deus e sua casa foi estabelecida para sempre no trono de Israel. Davi era ungido e convertido!
Doravante, na história de Seu povo, Deus não mais escolheria, pessoal e diretamente os reis de Israel. A sucessão se daria pela linhagem e herança familiar. Mesmo nos casos em que reis ímpios foram removidos do trono, seus filhos reinaram em seu lugar.
Ponto muito importante a destacar: o Senhor não se manifesta por meio de reis, sacerdotes ou governantes como tais. O Senhor se manifesta por meio de Seus profetas. Houve reis profetas, como Davi, houve sacerdotes profetas, como Jeremias, ehouve também homens comuns profetas, como Amós, que era vaqueiro. A linhagem dos profetas do Senhor não é segundo carne e sangue, não depende de reconhecimento popular nem da aprovação de autoridades humanas, mas decorre tão-somente da livre escolha do Deus que fala.
O último dessa estirpe de profetas de Deus foi João Batista, a quem coube confrontar o rei Herodes, nem ungido, nem convertido, que ocupava ilegitimamente o trono de Israel. João, todavia, não o repreendeu por usurpar o governo, mas por sua conduta moral. Foi, como sabemos, por isso martirizado.
Deus, em princípio, não escolhe pessoal e diretamente os governantes das Nações. Esses chegam ao poder político por meio do jogo de forças que rege as diferentes sociedades humanas. Ainda assim, cabe lembrar, todos os que exercem autoridade, qualquer que tenha sido o modo de obtê-la, quer pela guerra, quer pelo voto, quer por herança, quer por reivindicação divina, tenham ou não consciência disso, exercem uma autoridade delegada pelo Senhor, e a Ele prestarão contas.
Nós não seguimos a homens, por mais qualificados e bem-intencionados que possam ser.Não podemos colocar em nenhum líder, governante ou mestre confiança e lealdade absolutas. No limite, isso seria uma forma de idolatria. Como disse Jesus na tentação do deserto, quando Satanás lhe ofereceu os reinos do mundo e a glória deles, em troca de submissão: “Ao senhor, teu Deus, adorarás e somente a Ele darás culto”.
Mesmo que alguém, por qualquer razão, considere que, em alguma circunstância, Deus tenha escolhido pessoal e diretamente um governante para determinada Nação, restará saber se esse “ungido” é também “convertido”.
Se, como Saul, tiver sido apenas ungido, poderá cumprir assim mesmo uma missão dentro do propósito de Deus para aquele País naquele momento, mas correrá grande risco de errar no coração, de se desviar do caminho reto, de sucumbir às tentações do poder, e de vir a ser, afinal, desqualificado.
Se, todavia, o escolhido for convertido, além de ungido, deverá manter-se íntegro e fiel ao Senhor em todo procedimento, ainda que isso possa lhe acarretar perda de poder, de popularidade e de prestígio.
Em qualquer caso e sempre até que o Senhor venha, é fundamental que o ministério profético se mantenha vivo, atuante e independente de quaisquer compromissos com governantes, movimentos sociais, filosofias ou ideologia.
Nos círculos íntimos dos governantes, sempre houve, desde sempre, profetas bajuladores, crentes ou não, para dizer o que agradasse aos ouvidos dos poderosos. Mas sempre houve também, no meio do povo de Deus, profetas que falassem em o nome do Senhor, sem se importar com os humores e gostos dos governantes. Mesmo, muitas vezes, pagando um elevado preço por isso!
Aqueles continuam até hoje numerosos. Estes continuam poucos. Mas não calados, jamais intimidados.
Meus caros, não se trata de simplesmente apoiar ou rejeitar um governante, mas de ter claro que o Reino do Senhor não é deste mundo e que, portanto, há que sempre se separar os negócios de Deus dos negócios de César. Quanto ao que pertence a Deus, devemos todo o nosso compromisso e dedicação. Quanto ao que pertence a César, devemos participar apoiando ativamente as ações que cooperam com os valores eternos e com os propósitos do Pai e, se for o caso, nos opondo, como cidadãos, a tudo que contrariar a verdade e a justiça que procedem do Senhor.
Devemos, finalmente, sempre estarmos lembrados de que, embora nosso conhecimento e nossa profecia possam ser imperfeitos e limitados,nosso amor deve ser ilimitado, uma vez que assim o recebemos de Deus. Desse modo, tudo o que fazemos, não fazemos, dizemos ou nos calamos deve ser em nome do Senhor e manifestar o Seu amor.
Esse é o desafio da Igreja nestes dias.
Que a suficiente graça de Jesus seja com todos.
Que venha o Seu Reino!
Seu conservo e companheiro de perplexidades e de jornada,
Fernando
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