sexta-feira, 26 de junho de 2015

Primeira aos Coríntios 13 para Casais


 
 
Gostaria de propor aos casais companheiros de jornada uma leitura particularizada do capítulo 13 da 1ª Carta de Paulo aos Coríntios, onde ele destaca a essência e centralidade do Amor de Deus na vida dos cristãos.

Considerando que o relacionamento conjugal é um ambiente especialíssimo de expressão do amor de Deus, comparado, por um lado, ao amor de Jesus pela Igreja e, por outro, sujeito a todas as contradições, mazelas e intempéries produzidas pelo pecado na natureza humana, é edificante, e talvez mesmo essencial, meditar sobre o que o Apóstolo escreve acerca desse Amor para aplicar ao contexto do relacionamento homem e mulher no casamento.

Devo destacar, de início, que o Amor de Deus no casamento também se expressa na fraternidade, na amizade e na sexualidade, que são aspectos fundamentais e constitutivos da união entre homem e mulher. Ao buscarmos compreender a essência espiritual do Amor divino descrita nesse texto insuperável de Paulo não estamos, de nenhum modo, colocando em segundo plano essas outras manifestações do amor na vida humana, mas, ao contrário, dando-lhes seu verdadeiro sentido em Deus, para que possam ser vividas e desfrutadas plenamente. Assim, tudo o que se disser a seguir será aplicável a todas essas dimensões de amar que estão presentes matrimônio.

A reflexão que sugiro se desdobra em três trilogias: a primeira trilogia reúne três paradoxos do Amor; a segunda trilogia caracteriza a alma, o corpo e o espírito do Amor; e a terceira trilogia trata de três trilhas no caminho da maturidade apontadas pelo Amor.

O primeiro paradoxo da trilogia inicial está na impossível, mas necessária, arte de se comunicar. É lugar comum apontar a importância e as dificuldades da comunicação entre homem e mulher no casamento, em razão de diferenças de gênero, de cultura, de histórias pessoais, de visões de mundo etc., tudo agravado pelo pecado.

 Contudo, segundo Paulo, o problema da comunicação não reside nas diferenças nem na diversidade de códigos de linguagem que elas produzem, mas na ausência do Amor. As diferenças de linguagens não são superáveis complemente porque correspondem a diferenças de natureza. Somos diferentes mesmo e isso produz distanciamentos, desconfianças, temores. Temos um instinto inato de autopreservação e somos dominados pelo egoísmo fruto do pecado. Sem o Amor não há comunicação porque apenas o Amor é capaz de superar essas barreiras e promover uma real aproximação e contato entre pessoas. Do contrário, sem o Amor, as próprias palavras se tornam armas do distanciamento e da não comunicação.

Só o Amor desarma e aproxima. Ele faz das diferenças pontes capazes de cobrir abismos e caminhos que ligam lugares distantes porque acolhe incondicionalmente, elimina o temor da rejeição e do abuso ao se oferecer sem ressalvas.

Muito esforço e energia é gasto, às vezes, por casais que tentam “se entender”. O caminho mais excelente que queremos sugerir, inspirados por esse texto bíblico, é que mais dedicação se tenha em simplesmente amar o outro com o Amor que procede de Deus. Muitas vezes, a busca da comunicação disfarça propósitos de manipulação, de controle, de imposição da própria vontade. Isso apenas fortalecerá as barreiras porventura existentes. Se houver uma genuína busca de amar, cada um estará seguro para se deixar a conhecer e verdadeiramente interessado em conhecer o outro. E não seremos como metais a produzir ruídos sem sentido.

O segundo paradoxo está na constatação de que saber o que fazer não é suficiente. Conhecer todos os mistérios e toda a ciência, sem amor, não produz nada. Por vezes, conhecemos a verdade, a vontade e o padrão de Deus e somos capazes de bem discorrer sobre o papel que cabe a cada um no casamento, mas, ainda assim, não conseguimos viver satisfatoriamente a vida conjugal.

O fato é que a eficiência burocrática não produz um lar. Só o Amor conhece a Deus e é capaz de expressar sua verdade e vontade. Apenas o Amor cumpre o propósito de Deus e ele sozinho é suficiente para cumprir esse propósito. Sem Amor, a despeito de todo o conhecimento, “nada serei” porque só o Amor gera identidade pessoal, valor, significado e sentido.

 O terceiro paradoxo da primeira trilogia transparece quando percebemos que fazer o que se sabe sobre amar não é suficiente. Amar é renunciar, doar e servir, mas o Amor não é a renúncia, a doação ou o serviço. O Amor é a motivação, a essência, a finalidade e a recompensa de renunciar, dar e servir, mas, como natureza de Deus, não se limita nem se esgota em nenhum gesto ou atitude.

O que fazemos para o outro fazemos por amor ou temos outras motivações e propósitos? Estamos mais interessados em cumprir nosso papel e estarmos “certos” e “termos razão” do que realmente no bem do outro? O Amor é a motivação de tudo, mas ele próprio é imotivado, é suficiente em si mesmo e quando está ausente nada tem valor ou sentido. Não existe a verdade sem o Amor, como não pode haver o Amor sem a verdade.

A segunda trilogia que encontramos em 1ª aos Coríntios 13 compreende a alma, o corpo e o espírito do Amor.

Pensamos, inicialmente, que a alma do Amor é calma. São suaves o seu pensar, seu sentir, seu querer, seu entender e seu saber. São as suas expressões de pensamento, sentimento e vontade sempre gentis, mansas, pacientes, bondosas, altruístas. O Amor é humilde, acolhedor, amigável, fraterno. É resiliente, perseverante, mais forte do que a morte.

Perguntamos: é essa a alma do nosso relacionamento conjugal? É assim nosso trato um com o outro? São essas as qualidades de nossas ações e palavras? Ou a convivência, a intimidade, a pressa, as divergências, as frustrações e dificuldades nos tornam ásperos, impacientes, exigentes, pessimistas?

Não se trata de sentimentalismo, mas de força de caráter, de virtude. Por isso, o Amor não se irrita, perdoa sempre, não se ressente do mal, não se magoa, não é melindroso, não suspeita do outro.

Depois, dizemos que o corpo do Amor é conforto. Ele não agride, não se impõe, não oprime, não intimida, não amedronta, não afugenta. É acolhedor, convidativo, agradável. Não reclama, não chantageia, não chateia, não chama atenção para si mesmo, para as próprias vontades e necessidades, não se comporta mal, não é inconveniente.

Você é confortável para seu cônjuge? É acolhedor, agradável, alguém que atrai para fazer bem? Ou é de difícil trato, cheio de melindres, complicado, exigente, crítico? Quando sua esposa ou seu marido encontra você relaxa e se sente bem ou fica tenso e preocupado?

Finalmente, qual o espírito do Amor senão o Espírito do Amor de Deus? O Amor é elemento essencial, primordial, criacional, constitutivo de tudo o que existe. Não pode ser decomposto, limitado, condicionado, fracionado. Não varia com tempos e circunstâncias. Por isso, o Amor tudo... tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Como essência de Deus, o Amor não se define, mas pode ser vivido, experimentado, demonstrado, qualificado.

Qual o espírito do nosso amor? Um espírito humano limitado, condicionado, inconstante? Ou amamos com o Amor de Deus e não guardamos qualquer tipo de contabilidade, não abrigamos qualquer cobrança, não nos arvoramos em direitos, mas somos felizes por transmitir o que recebemos graciosamente do Pai?

Na terceira trilogia identificamos três trilhas no caminho sobremodo excelente do Amor que nos conduz à plenitude.

A primeira trilha nesse caminho tem a ver com a aceitação de nossa incompletude, que transparece dolorosa e verdadeiramente no casamento.

Somos parciais, incompletos, inacabados. O Amor não vê isso como um problema, mas como motivação para o progresso na senda espiritual, por meio da aceitação, do estímulo, do compartilhamento, da sinergia, da comunhão e da cooperação. Pelo vínculo matrimonial, somos cônjuges (suzugos, mesmo jugo), cooperadores (synergos, mesma obra) e comungantes (koinonos, mesma comunhão com Cristo). Imperfeitamente conhecemos e falamos, mas um dia o pleno e perfeito se manifestará nas nossas vidas. O amor caminha para esse encontro, espera por ele, busca levar o outro até a Presença.

A segunda trilha se apresenta em forma de um desafio, o desafio da intimidade.

Quando amamos e somos amados nos revelamos e nos conhecemos. Mas conhecer e se dar a conhecer é um processo doloroso que envolve o medo da rejeição, que só pode ser vencido pela perseverança do Amor. Somos desafiados na exposição íntima do casamento. Em alguns momentos somos tentados a retroceder e a nos fecharmos novamente e, assim, limitarmos o Amor. É necessário continuar nessa trilha até que sejamos alcançados pelo pleno conhecimento do Deus que nos conhece plenamente. O ser uma só carne é a representação e experiência da intimidade que deve haver entre o Senhor e Sua Noiva e no casamento temos oportunidade de viver e receber dessa graça.

A terceira trilha, que fecha a terceira trilogia, ser refere ao paradoxo que opõe e harmoniza a concretude da fé e a inconcretude da esperança na essencialidade do Amor.

A fé torna concreta, existencial, a verdade revelada, produz na existência presente a realidade eterna do Reino de Deus. A fé nos conduz nas circunstâncias e dificuldades concretas da vida, nos conferindo conhecimento e capacidades e produzindo em nós as virtudes divinas.

A esperança, por sua vez, nos leva aos portais da outra dimensão da realidade de Deus, que é a eternidade. Ela nos mantém seguros e direcionados nos lugares sombrios e nos mares revoltos por onde havemos de passar.

Na dinâmica do relacionamento pessoal e íntimo do casamento, fé e esperança compartilhadas a alimentadas, são essencial para nos manter ligados à fonte do Amor de Deus, ou melhor, a Deus, que é a fonte de todo Amor.

A fé nos dá o poder de viver o Reino de Deus agora, na vida que temos. A esperança nos acalenta, nos envolve e nos alegra na expectativa da manifestação do Reino. O Amor nos transforma continuamente na imagem de Deus, desde o princípio e até o fim.

 

As Trilogias do Amor

 

A alma do amor é calma

E descansa

No conforto de seu corpo

Que é acolhimento

Na essência de um espírito manso

E intenso

Que comunica a felicidade amiga

Da Presença de Deus

 

O amor revela a alma

Quando fala e quando se cala,

O amor serve o corpo

Quando faz e quando espera,

O amor eleva o espírito

Quando luta e quando sofre

 

Os caminhos do amor

Plenificam a intimidade

Aproximam as incompletudes

Na vivência da fé

Nas viagens da esperança

Nas vitórias do Amor de Deus


                  Fernando Sabóia Vieira, junho de 2015.

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