Gostaria
de propor aos casais companheiros de jornada uma leitura particularizada do
capítulo 13 da 1ª Carta de Paulo aos Coríntios, onde ele destaca a essência e
centralidade do Amor de Deus na vida dos cristãos.
Considerando
que o relacionamento conjugal é um ambiente especialíssimo de expressão do amor
de Deus, comparado, por um lado, ao amor de Jesus pela Igreja e, por outro,
sujeito a todas as contradições, mazelas e intempéries produzidas pelo pecado
na natureza humana, é edificante, e talvez mesmo essencial, meditar sobre o que
o Apóstolo escreve acerca desse Amor para aplicar ao contexto do relacionamento
homem e mulher no casamento.
Devo
destacar, de início, que o Amor de Deus no casamento também se expressa na
fraternidade, na amizade e na sexualidade, que são aspectos fundamentais e
constitutivos da união entre homem e mulher. Ao buscarmos compreender a essência
espiritual do Amor divino descrita nesse texto insuperável de Paulo não
estamos, de nenhum modo, colocando em segundo plano essas outras manifestações
do amor na vida humana, mas, ao contrário, dando-lhes seu verdadeiro sentido em
Deus, para que possam ser vividas e desfrutadas plenamente. Assim, tudo o que
se disser a seguir será aplicável a todas essas dimensões de amar que estão
presentes matrimônio.
A
reflexão que sugiro se desdobra em três trilogias: a primeira trilogia reúne três
paradoxos do Amor; a segunda trilogia caracteriza a alma, o corpo e o espírito
do Amor; e a terceira trilogia trata de três trilhas no caminho da maturidade
apontadas pelo Amor.
O
primeiro paradoxo da trilogia inicial está na impossível, mas necessária, arte
de se comunicar. É lugar comum apontar a importância e as dificuldades da
comunicação entre homem e mulher no casamento, em razão de diferenças de
gênero, de cultura, de histórias pessoais, de visões de mundo etc., tudo
agravado pelo pecado.
Só
o Amor desarma e aproxima. Ele faz das diferenças pontes capazes de cobrir
abismos e caminhos que ligam lugares distantes porque acolhe
incondicionalmente, elimina o temor da rejeição e do abuso ao se oferecer sem
ressalvas.
Muito
esforço e energia é gasto, às vezes, por casais que tentam “se entender”. O
caminho mais excelente que queremos sugerir, inspirados por esse texto bíblico,
é que mais dedicação se tenha em simplesmente amar o outro com o Amor que
procede de Deus. Muitas vezes, a busca da comunicação disfarça propósitos de
manipulação, de controle, de imposição da própria vontade. Isso apenas fortalecerá
as barreiras porventura existentes. Se houver uma genuína busca de amar, cada
um estará seguro para se deixar a conhecer e verdadeiramente interessado em
conhecer o outro. E não seremos como metais a produzir ruídos sem sentido.
O
segundo paradoxo está na constatação de que saber o que fazer não é suficiente.
Conhecer todos os mistérios e toda a ciência, sem amor, não produz nada. Por
vezes, conhecemos a verdade, a vontade e o padrão de Deus e somos capazes de
bem discorrer sobre o papel que cabe a cada um no casamento, mas, ainda assim,
não conseguimos viver satisfatoriamente a vida conjugal.
O
fato é que a eficiência burocrática não produz um lar. Só o Amor conhece a Deus
e é capaz de expressar sua verdade e vontade. Apenas o Amor cumpre o propósito
de Deus e ele sozinho é suficiente para cumprir esse propósito. Sem Amor, a
despeito de todo o conhecimento, “nada serei” porque só o Amor gera identidade
pessoal, valor, significado e sentido.
O
que fazemos para o outro fazemos por amor ou temos outras motivações e
propósitos? Estamos mais interessados em cumprir nosso papel e estarmos
“certos” e “termos razão” do que realmente no bem do outro? O Amor é a
motivação de tudo, mas ele próprio é imotivado, é suficiente em si mesmo e
quando está ausente nada tem valor ou sentido. Não existe a verdade sem o Amor,
como não pode haver o Amor sem a verdade.
A
segunda trilogia que encontramos em 1ª aos Coríntios 13 compreende a alma, o
corpo e o espírito do Amor.
Pensamos,
inicialmente, que a alma do Amor é calma. São suaves o seu pensar, seu sentir,
seu querer, seu entender e seu saber. São as suas expressões de pensamento, sentimento
e vontade sempre gentis, mansas, pacientes, bondosas, altruístas. O Amor é
humilde, acolhedor, amigável, fraterno. É resiliente, perseverante, mais forte
do que a morte.
Perguntamos:
é essa a alma do nosso relacionamento conjugal? É assim nosso trato um com o
outro? São essas as qualidades de nossas ações e palavras? Ou a convivência, a
intimidade, a pressa, as divergências, as frustrações e dificuldades nos tornam
ásperos, impacientes, exigentes, pessimistas?
Não
se trata de sentimentalismo, mas de força de caráter, de virtude. Por isso, o Amor
não se irrita, perdoa sempre, não se ressente do mal, não se magoa, não é
melindroso, não suspeita do outro.
Depois,
dizemos que o corpo do Amor é conforto. Ele não agride, não se impõe, não
oprime, não intimida, não amedronta, não afugenta. É acolhedor, convidativo,
agradável. Não reclama, não chantageia, não chateia, não chama atenção para si
mesmo, para as próprias vontades e necessidades, não se comporta mal, não é
inconveniente.
Você
é confortável para seu cônjuge? É acolhedor, agradável, alguém que atrai para
fazer bem? Ou é de difícil trato, cheio de melindres, complicado, exigente,
crítico? Quando sua esposa ou seu marido encontra você relaxa e se sente bem ou
fica tenso e preocupado?
Finalmente,
qual o espírito do Amor senão o Espírito do Amor de Deus? O Amor é elemento
essencial, primordial, criacional, constitutivo de tudo o que existe. Não pode
ser decomposto, limitado, condicionado, fracionado. Não varia com tempos e
circunstâncias. Por isso, o Amor tudo... tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta. Como essência de Deus, o Amor não se define, mas pode ser vivido,
experimentado, demonstrado, qualificado.
Qual
o espírito do nosso amor? Um espírito humano limitado, condicionado,
inconstante? Ou amamos com o Amor de Deus e não guardamos qualquer tipo de
contabilidade, não abrigamos qualquer cobrança, não nos arvoramos em direitos,
mas somos felizes por transmitir o que recebemos graciosamente do Pai?
Na
terceira trilogia identificamos três trilhas no caminho sobremodo excelente do Amor
que nos conduz à plenitude.
A
primeira trilha nesse caminho tem a ver com a aceitação de nossa incompletude,
que transparece dolorosa e verdadeiramente no casamento.
Somos
parciais, incompletos, inacabados. O Amor não vê isso como um problema, mas
como motivação para o progresso na senda espiritual, por meio da aceitação, do
estímulo, do compartilhamento, da sinergia, da comunhão e da cooperação. Pelo
vínculo matrimonial, somos cônjuges (suzugos, mesmo jugo), cooperadores (synergos,
mesma obra) e comungantes (koinonos, mesma comunhão com Cristo). Imperfeitamente
conhecemos e falamos, mas um dia o pleno e perfeito se manifestará nas nossas
vidas. O amor caminha para esse encontro, espera por ele, busca levar o outro até
a Presença.
A
segunda trilha se apresenta em forma de um desafio, o desafio da intimidade.
Quando
amamos e somos amados nos revelamos e nos conhecemos. Mas conhecer e se dar a
conhecer é um processo doloroso que envolve o medo da rejeição, que só pode ser
vencido pela perseverança do Amor. Somos desafiados na exposição íntima do
casamento. Em alguns momentos somos tentados a retroceder e a nos fecharmos
novamente e, assim, limitarmos o Amor. É necessário continuar nessa trilha até
que sejamos alcançados pelo pleno conhecimento do Deus que nos conhece
plenamente. O ser uma só carne é a representação e experiência da intimidade
que deve haver entre o Senhor e Sua Noiva e no casamento temos oportunidade de
viver e receber dessa graça.
A
terceira trilha, que fecha a terceira trilogia, ser refere ao paradoxo que opõe
e harmoniza a concretude da fé e a inconcretude da esperança na essencialidade
do Amor.
A
fé torna concreta, existencial, a verdade revelada, produz na existência
presente a realidade eterna do Reino de Deus. A fé nos conduz nas
circunstâncias e dificuldades concretas da vida, nos conferindo conhecimento e
capacidades e produzindo em nós as virtudes divinas.
A
esperança, por sua vez, nos leva aos portais da outra dimensão da realidade de
Deus, que é a eternidade. Ela nos mantém seguros e direcionados nos lugares
sombrios e nos mares revoltos por onde havemos de passar.
Na
dinâmica do relacionamento pessoal e íntimo do casamento, fé e esperança
compartilhadas a alimentadas, são essencial para nos manter ligados à fonte do
Amor de Deus, ou melhor, a Deus, que é a fonte de todo Amor.
A
fé nos dá o poder de viver o Reino de Deus agora, na vida que temos. A
esperança nos acalenta, nos envolve e nos alegra na expectativa da manifestação
do Reino. O Amor nos transforma continuamente na imagem de Deus, desde o
princípio e até o fim.
As Trilogias do Amor
A alma do amor é calma
E descansa
No conforto de seu corpo
Que é acolhimento
Na essência de um espírito manso
E intenso
Que comunica a felicidade amiga
Da Presença de Deus
O amor revela a alma
Quando fala e quando se cala,
O amor serve o corpo
Quando faz e quando espera,
O amor eleva o espírito
Quando luta e quando sofre
Os caminhos do amor
Plenificam a intimidade
Aproximam as incompletudes
Na vivência da fé
Nas viagens da esperança
Nas vitórias do Amor de Deus
Fernando Sabóia Vieira, junho de 2015.
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