João 13:31-35; 1ª de João 2:7-11; 3:16-18;
4:7-8; Gálatas 5:13-15, 22; fésios 4:31 a 5:2; Colossenses 3:12-17; Romanos 12:9-21; Filipenses 2:1-11
Considerando que os
relacionamentos na Igreja são os ambientes primordiais de expressão do Amor de
Deus, é importante estamos atentos a essa qualidade essencial desses vínculos,
sem o que não seremos mesmo reconhecidos como discípulos de Jesus e não
atingiremos a plenitude de vida que Ele nos propõe (João 12:31-35).
Corremos dois
riscos quanto a isso na vida da Igreja. O primeiro é não haver relacionamentos
significativos e frutíferos que promovam o a edificação. Ninguém pode atingir a
plenitude da estatura de Cristo sem a cooperação do corpo.
O segundo é tornar
os relacionamentos apenas funcionalidades do Corpo de Cristo, presos a
estruturas e metas e, assim, descaracterizados como canais pessoais pelos quais
a vida pode fluir (Efésios 4:11-16, 1ª aos Coríntios 12 e 14 etc.)
A reflexão que
sugiro se desdobra em três trilogias: a primeira trilogia reúne três paradoxos
do Amor; a segunda trilogia caracteriza a alma, o corpo e o espírito do Amor; e
a terceira trilogia trata de três trilhas no caminho da maturidade apontadas
pelo Amor.
O primeiro paradoxo
da trilogia inicial está na impossível, mas necessária, arte de se comunicar.
É lugar comum
apontar a importância e as dificuldades da comunicação nos relacionamentos, em
razão de diferenças de gênero, de cultura, de histórias pessoais, de visões de
mundo etc., tudo agravado pelo pecado.
Contudo, segundo
Paulo, o problema da comunicação não reside nas diferenças nem na diversidade
de códigos de linguagem que elas produzem, mas na ausência do Amor. As
diferenças de linguagens não são superáveis complemente porque correspondem a
diferenças de natureza. Somos diferentes mesmo e isso produz distanciamentos,
desconfianças e temores. Temos um instinto inato de autopreservação e somos
dominados pelo egoísmo fruto do pecado.
Sem o Amor não há
comunicação porque apenas o Amor é capaz de superar essas barreiras e promover
uma real aproximação e contato entre pessoas. Do contrário, sem o Amor, as
próprias palavras se tornam armas do distanciamento e da não comunicação. Quem
não ama fala apenas para si mesmo, não para o outro, por quem não tem interesse
verdadeiro.
Só o Amor desarma e
aproxima. Ele faz das diferenças pontes capazes de cobrir abismos e caminhos
que ligam lugares distantes porque acolhe incondicionalmente, elimina o temor
da rejeição e do abuso ao se oferecer sem ressalvas.
Muito esforço e
energia é gasto, às vezes, por pessoas que tentam “se entender”. O caminho mais
excelente que queremos sugerir, inspirados por esse texto bíblico, é que mais
dedicação se tenha em simplesmente amar o outro com o Amor que procede de Deus.
Muitas vezes, a
busca da comunicação disfarça propósitos de manipulação, de controle, de
imposição da própria vontade. Isso apenas fortalecerá as barreiras porventura
existentes.
Se houver uma
genuína busca de amar, cada um estará seguro para se deixar conhecer e
verdadeiramente interessado em conhecer o outro. E não seremos como metais a
produzir ruídos sem sentido, mas nos edificaremos uns aos outros “falando a verdade em amor” (Efésios 4:15).
O segundo paradoxo
está na constatação de que saber o que fazer não é suficiente. Conhecer todos
os mistérios e toda a ciência, sem Amor, não produz nada. Por vezes, conhecemos
a verdade, a vontade e o padrão de Deus e somos capazes de bem discorrer sobre
o papel que cabe a cada um na vida da Igreja, mas, ainda assim, não conseguimos
viver satisfatoriamente na comunhão.
O fato é que a
eficiência burocrática não produz edificação. A correção doutrinária por si
mesma não produz a Igreja.
Só o Amor conhece a
Deus e é capaz de expressar sua verdade e vontade. Apenas o Amor cumpre o
propósito de Deus e ele sozinho é suficiente para cumprir esse propósito (Gálatas 5:13-15).
Sem Amor, a
despeito de todo o conhecimento, “nada
serei” porque só o Amor gera identidade pessoal, valor, significado e
sentido. Como disse o apóstolo em outro lugar, “o saber ensoberbece, mas o amor edifica” (1ª aos Coríntios 8:1). Nas palavras de
Santo Agostinho, “não se chega à verdade
senão por meio do amor”.
O terceiro paradoxo
da primeira trilogia transparece quando percebemos que fazer o que se sabe
sobre amar não é suficiente. Amar é renunciar, doar e servir, mas o Amor não é
a renúncia, a doação ou o serviço. O Amor é a motivação, a essência, a
finalidade e a recompensa de renunciar, dar e servir, mas, como natureza de
Deus, não se limita nem se esgota em nenhum gesto ou atitude.
O que fazemos para
o outro fazemos por amor ou temos outras motivações e propósitos? Não estaremos
às vezes mais interessados em cumprir nosso papel e estarmos “certos” e “termos
razão” do que realmente no bem do outro? O Amor é a motivação de tudo, mas ele
próprio é imotivado, é suficiente em si mesmo e quando está ausente nada tem
valor ou sentido. Não existe a verdade sem o Amor, como não pode haver o Amor
sem a verdade.
Devemos, pois amar,
de fato e de verdade, não apenas de palavras, sem hipocrisia (1ª de João 3:18;
Romanos 12:9).
A segunda trilogia
que encontramos em 1ª aos Coríntios 13 compreende a alma, o corpo e o espírito
do Amor.
Pensamos,
inicialmente, que a alma do Amor é calma. São suaves o seu pensar, seu sentir,
seu querer, seu entender e seu saber. São as suas expressões de pensamento,
sentimento e vontade sempre gentis, mansas, pacientes, bondosas, altruístas. O Amor
é humilde, acolhedor, amigável, fraterno. É resiliente, perseverante, mais
forte do que a morte.
Perguntamos: é essa
a alma dos nossos relacionamentos? É assim nosso trato um com o outro? São
essas as qualidades de nossas ações e palavras? Ou a convivência, a intimidade,
a pressa, as divergências, as frustrações e dificuldades nos tornam ásperos,
impacientes, exigentes, pessimistas? Temos o mesmo sentimento que houve em
Cristo e consideramos os outros sempre antes de nós mesmos? (Filipenses 2:1-11)
Não se trata de
sentimentalismo, mas de força de caráter, de virtude. Não é uma possibilidade
humana, não é uma questão de personalidade, mas de santidade, que só pode ser
produzida por Deus. Por isso, o Amor não se irrita, perdoa sempre, não se
ressente do mal, não se magoa, não é melindroso, não suspeita do outro.
Depois, dizemos que
o corpo do Amor é conforto. Ele não agride, não se impõe, não oprime, não
intimida, não amedronta, não afugenta.
É acolhedor,
convidativo, agradável. Não reclama, não chantageia, não chateia, não chama
atenção para si mesmo, para as próprias vontades e necessidades, não se
comporta mal, não é inconveniente.
Você é confortável
para as pessoas? É acolhedor, agradável, alguém que atrai para fazer bem? Ou é
de difícil trato, cheio de melindres, complicado, exigente, crítico? Quando as
pessoas encontram você, elas relaxam e se sentem bem ou ficam tensas e
preocupadas?
Devemos, pois, nos
revestir de ternos afetos de misericórdia, atentos ao modo como falamos e
tratamos os irmãos, aos pensamentos e sentimentos que nutrimos por eles (Efésios 4:31 a 5:2 ;
Colossenses 3:12-17).
Finalmente, qual o
espírito do Amor senão o Espírito do Amor de Deus? O Amor é elemento essencial,
primordial, criacional, constitutivo de tudo o que existe. Não pode ser
decomposto, limitado, condicionado, fracionado. Não varia com tempos e
circunstâncias.
Por isso, o Amor
tudo... tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Como essência de Deus,
o Amor não se define, mas pode ser vivido, experimentado, demonstrado,
qualificado.
Qual o espírito do
nosso amor? Um espírito humano limitado, condicionado, inconstante? Ou amamos
com o Amor de Deus e não guardamos qualquer tipo de contabilidade, não
abrigamos qualquer cobrança, não nos arvoramos em direitos, mas somos felizes
por transmitir o que recebemos graciosamente do Pai?
Na terceira
trilogia identificamos três trilhas no caminho sobremodo excelente do Amor que
nos conduz à plenitude.
A primeira trilha
nesse caminho tem a ver com a aceitação de nossa incompletude, que transparece
dolorosa e verdadeiramente nos relacionamentos próximos.
Somos parciais,
incompletos, inacabados. O Amor não vê isso como um problema, mas como
motivação para o progresso na senda espiritual, por meio da aceitação, do
estímulo, do compartilhamento, da sinergia, da comunhão e da cooperação. Na
Igreja, por meio dos vínculos do Corpo, estamos debaixo do mesmo jugo (suzugos),
somos cooperadores (synergos, mesma obra) e comungantes (koinonos, mesma união
com Cristo). Imperfeitamente conhecemos e falamos, mas um dia o pleno e
perfeito se manifestará nas nossas vidas. O amor caminha para esse encontro,
espera por ele, busca levar o outro até a Presença.
A segunda trilha se
apresenta em forma de um desafio, o desafio da intimidade.
Quando amamos e
somos amados nos revelamos e nos conhecemos. Mas conhecer e se dar a conhecer é
um processo doloroso que envolve o medo da rejeição, que só pode ser vencido
pela perseverança do Amor.
Somos desafiados na
exposição dos relacionamentos. Em alguns momentos somos tentados a retroceder e
a nos fecharmos novamente e, assim, limitarmos o Amor. É necessário continuar
nessa trilha até que sejamos alcançados pelo pleno conhecimento do Deus que nos
conhece plenamente.
A terceira trilha,
que fecha a terceira trilogia, ser refere ao paradoxo que opõe e harmoniza a
concretude da fé e a inconcretude da esperança na essencialidade do Amor.
A fé torna
concreta, existencial, a verdade revelada, produz na existência presente a
realidade eterna do Reino de Deus. A fé nos conduz nas circunstâncias e
dificuldades da vida, nos confere conhecimentos e capacidades e produz em nós
as virtudes divinas.
A esperança, por
sua vez, nos leva aos portais da dimensão não concreta da realidade de Deus,
que é a eternidade. Ela nos mantém seguros e direcionados nos lugares sombrios
e nos mares revoltos por onde havemos de passar em nossa jornada para a Casa do
Pai.
Na dinâmica dos
relacionamentos pessoais, fé e esperança, compartilhadas e alimentadas, são
essenciais para nos manter ligados à fonte do Amor de Deus, ou melhor, a Deus,
que é a fonte de todo Amor.
A fé nos dá o poder
de viver o Reino de Deus agora, na vida que temos. A esperança nos acalenta,
nos envolve e nos alegra na expectativa da manifestação da vida eterna. O Amor nos
transforma continuamente na imagem de Deus, desde o princípio e até o fim.
Finalmente,
pensamos na alteridade do Amor. Deus é amor. Eu não sou Amor. O Amor tem sua
origem e fonte em Deus. Se Deus não estiver em mim, não haverá Amor em mim. Se
Deus me transformar em Sua Imagem e Semelhança por meio do Seu Espírito, Ele
produzirá em mim o Seu fruto, e haverá Amor em mim, e eu serei Amor.
Eu sou a terra onde
a semente pode ser lançada. Uma vez germinada, eu posso sustentá-la,
alimentá-la, protegê-la até ver seu fruto em mim. Ou posso negligenciá-la e
deixa-la perecer.
O Amor é algo que
posso receber de Deus, experimentar, viver, transmitir, exercitar, praticar,
obedecer. O Amor é externo a mim. Ele tem suas características e procedimentos
distintos dos meus.
Eu não sou o que o
Amor é.
Eu sou o que o Amor
não é.
Eu não faço o que o
Amor faz.
Eu faço o que o
Amor não faz.
No entanto, se o
Amor permanece em mim, eu posso escolher ser e fazer o que Ele é e faz e,
assim, ir me tornando o que Ele é e me comportando como Ele.
Devo praticar: “Eu
não sou paciente, mas o Amor é paciente. O amor de Deus está em mim, foi
derramado no meu coração pelo Espirito Santo que me foi outorgado. Deus me ama
com paciência. Vou-me revestir da paciência do Amor, negar-me a mim mesmo, e
amar com o Amor paciente de Deus”. E assim para cada característica e atitude
do Amor: benignidade, humildade, perseverança, altruísmo etc.
Desse modo, o
Espírito Sando vai nos transformar e regenerar nossa natureza caída, produzindo
em nós nossa verdadeira identidade divina. Fomos criados originalmente à Imagem
e Semelhança do Deus que é Amor e Seu propósito é nos levar a viver isso
plenamente.
Esse é o caminho “sobremodo
excelente”. Essa é a característica essencial e definidora dos discípulos de Jesus.
Esse é o caráter dos filhos de Deus. Esse é o fruto do Espírito Santo.
Que a graça do
Senhor Jesus seja com todos.
Brasília, julho de
2015.
Fernando Sabóia
Vieira
As Trilogias do
Amor
A alma do amor é calma
E descansa
No conforto de seu corpo
Que é acolhimento
Na essência de um espírito manso
E intenso
Que comunica a felicidade amiga
Da Presença de Deus
O amor revela a alma
Quando fala e quando se cala,
O amor serve o corpo
Quando faz e quando espera,
O amor eleva o espírito
Quando luta e quando sofre
Os caminhos do amor
Plenificam a intimidade
Aproximam as incompletudes
Na vivência da fé
Nas viagens da esperança
Nas vitórias do Amor de Deus
Fernando
Sabóia Vieira
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