1ª
de Pedro 2:25, 5:4; Hebreus 13:20; João 10:1-18
(Fernando
Sabóia Vieira, BsB/15)
Para minha amiga
Juçara, ovelha de Jesus e também apascentadora de almas.
I
– INTRODUÇÃO
Certamente
vivemos tempos especialmente difíceis para o Cristianismo, somos parte de uma
sociedade hostil a Deus. Mas não podemos nos esquecer de que Jesus viveu tempos
igualmente difíceis e que Ele, mesmo assim, embora reconhecesse que as pessoas eram
inimigas de Deus, pecadoras carentes de arrependimento, também as via como
ovelhas sem pastor: muitas aflitas, doentes, oprimidas, cansadas,
sobrecarregadas, famintas, perdidas, aterrorizadas.
“E Jesus ia
passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as
boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Ao ver as
multidões, Jesus sentiu grande compaixão pelas pessoas, pois que estavam
aflitas e desamparadas como ovelhas que não têm pastor. Então, falou aos seus
discípulos: “De fato a colheita é abundante, mas os trabalhadores são poucos.
Por isso, orai ao Senhor da seara e pedi que Ele mande mais trabalhadores para
a sua colheita”.” (Mateus 9:36-38).
Deus criou o homem pleno de
potencialidades a serem desenvolvidas e vividas. Colocou nele a Sua Imagem e
instilou em suas narinas o Seu espírito vivificante. Foi o pecado que produziu
o caos pessoal, a desintegração do indivíduo, a alienação de sua identidade e
destino eternos e os conflitos de relacionamento. Também deu origem à
hostilidade e decomposição da Criação, à decrepitude e à velhice de tudo o que
vive. Foi esse mundo caído que Deus amou sobremaneira, ao ponto de dar seu
Filho para morrer por ele. Embora a iniquidade aumente e o amor esfrie, Deus não
amará menos o mundo por isso. Sua resposta à rebeldia e inimizade do homem
continua sendo a graça oferecida na cruz, o chamado ao Seu Reino e à sua comunhão.
Somos todos doentes terminais.
Precisamos de salvação e de cura. Precisamos de ajuda para prosseguir e
perseverar até o fim. Nossa redenção só será completa uma vez terminada nossa
carreira terrena e conquistada a coroa da vida. No entanto, sem pastoreio,
desanimamos, cansamos, eventualmente desistimos. Não nos basta saber o que fazer, ter mandamentos claros e estratégias definidas. Precisamos de ajuda com nossos pecados e nossas atrapalhações de sentimentos, de vontades e de sonhos, especialmente quando somos atingidos pelo caos das circunstâncias e dos relacionamentos, pela oposição do mundo e pela guerra espiritual em que estamos envolvidos.
Temos enfatizado muito a porta estreita
para ingresso no Reino de Deus – e essa é uma pregação crucial nos nossos dias
de religiosidade vazia, de curas superficiais e de profecias ao gosto do
consumidor – mas temos tido pouca ajuda oferecida para as dificuldades de andar
no caminho apertado, e essa é parte essencial do ministério da igreja de fazer
discípulos de Jesus, especialmente nesta nossa geração enferma, cercada de
tensões, conflitos, perigos e oposições – ovelhas que não têm pastor e sequer
se dão conta de sua necessidade de um.
Temos aprendido e proclamado a
necessidade imperiosa de sermos SALVOS E GOVERNADOS por Jesus. Precisamos,
igualmente, aprender a sermos PASTOREADOS por Jesus.
Nossa vida de Igreja, com a excelente
restauração da prática do serviço dos santos na edificação do Corpo de Cristo,
tem, por vezes, negligenciado o fato de que é Ele mesmo quem pastoreia as
almas, quem alivia os cansados e sobrecarregados, quem recolhe as ovelhas
perdidas, quem anima e consola os que têm o coração aflito, traz paz aos
ansiosos e é a fonte de contentamento, de luz, de alegria, de vida abundante.
Nós precisamos de ajuda para andar no
caminho estreito. Precisamos de que o Pastor de nossas almas nos conduza. Não
são suficientes o kerigma e a didaquê. É necessário recuperar a centralidade do
relacionamento pessoal, íntimo, com o Senhor, que toque nossos pensamentos,
sentimentos, vontades, idéias, imaginação, desejos. O pastoreio de nossa alma só
pode ser feito por Jesus. Nem os irmãos, nem os pastores, nem os serviços e
ministérios da Igreja e nem mesmo nossos melhores esforços podem produzir isso.
Jesus tem sido muitas vezes substituído
por técnicas, estratégias, serviços, métodos. Ministérios, organizações, formas
de funcionamento, relacionamentos. Mas
nada disso pode, por si só, efetivamente, tocar nossa alma, produzir
transformação no nosso ser interior e mudanças na nossa vida que não sejam
apenas exterioridades. Há uma dimensão espiritual, sobrenatural, transcendente
do relacionamento com Deus, operada diretamente pelo Espírito Santo, que não
pode ser reduzida a ações humanas.
Nós ansiamos por Deus mesmo, não por
fórmulas, ritos, doutrinas, ensinos, por mais excelentes que sejam. Não nos
satisfazem vitórias, bênçãos, performances espetaculares de ministros e
pregadores. Infelizmente, a igreja moderna tem sido pródiga em oferecer essas
coisas, tornando a vida espiritual um festival de cores, sabores e emoções,
mas, paradoxalmente, mantendo as multidões famintas, sedentas, sem pastor,
despedida vazia cada vez, tanto mais quanto intensa é a frustração que marca o
dia seguinte a esses eventos espetaculares.
Ao meditar no ministério de Jesus, em
como Ele atingia as pessoas e as transformava, percebemos que é necessário e
urgente que a Igreja do século XXI recupere a dimensão afetiva da fé, que
responde à nossa necessidade existencial mais profunda de encontro e
relacionamento pessoal com Deus, que se reencontre com o pastoreio de Jesus.
A Igreja nominalmente cristã de nossos
dias se divide, grosso modo, entre um emocionalismo meramente catártico,
estéril de frutos, que confunde conforto psicológico com salvação e subjetivismo
com verdade, e um racionalismo igualmente desértico que apenas lida com
conceitos, proposições, discursos, conceitos, estratégias. Ou oscilamos entre
um e outro.
Em nosso meio, por receio dos perigos
do primeiro, temos, talvez, caído na falsa segurança do segundo. Temos uma fé
quase que exclusivamente propositiva, didática, dogmática e organizada,
assentada mais em verdades e mandamentos do que na Pessoa que é a Verdade.
Confiamos mais na doutrina do que na Presença vivificante, mais nas práticas do
serviço bem ordenado de edificação dos santos do que na contemplação
transformadora da face de Deus.
Amar a Deus certamente inclui obedecer
a Seus mandamentos, mas é mais do que isso. Desde o Velho Testamento, nos
primeiros escritos sagrados encontramos o supremo dever de toda pessoa: “Amarás
o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu
entendimento, de todas as tuas forças”.
Todo o nosso ser está envolvido no todo
amor que devemos a Deus. Essa é a lição maior dos santos e santas da Igreja,
que precisa ser recuperada para que as almas famintas dos homens e mulheres
desta geração possam ser apascentadas.
Vejo essa fome e sede do cuidado
pastoral de Deus em muitas das nossas modernas canções de louvor, mas tenho
dúvidas de que saibamos viver essa dimensão de busca pessoal e íntima de Deus
sem os intensos estímulos sensoriais desses momentos maravilhosos de adoração
coletiva.
A
verdade é que nosso silêncio é muito barulhento e nossa solitude muito povoada.
Sem conhecer esses antigos caminhos de adoração e comunhão com Deus, a Igreja
moderna tem, muitas vezes, encaminhado a profissionais as almas que Jesus mesmo
quer curar, alimentar, fazer descansar, restaurar, tornar plenas em suas
potencialidades. O resultado é que curas apenas superficiais são produzidas e a
salvação não se torna efetiva e completa. Ilusão de conforto e bem-estar, mas
não santidade.
Desde
o Velho Testamento, uma das figuras do Messias, talvez não tão enfatizada
quanto a de Rei e de Servo, é a de Pastor. Deus promete ao Seu povo um Pastor
que cuide dele: Isaías 40:9-11; Jeremias 23:1-4; Ezequiel 34:23-24.
É
possível ver a necessidade e mesmo uma carência desesperada do cuidado pastoral
de Deus no meio de nossa sociedade moderna, ainda que os homens desta geração
tenham cada vez menos consciência disso.
Não foi por acaso que sugiram no último século e meio dezenas de tipos de curandeiros de alma e que a ciência racionalista e materialista tenha assumido isso como tarefa sua. Com pouquíssimo sucesso, diga-se. A despeito dos proclamados avanços do conhecimento humano, as doenças da alma se tornaram epidêmicas na virada do século.
Do
lado da igreja, podemos constatar reflexos dessa crise em alguns aspectos dos
recentes movimentos de avivamento e de restauração manifestados num tipo de
adoração muito ligado ao sentimento e aos estímulos sensoriais: música
estimulante, imagens, produções, espetáculos, pregações motivacionais,
ambientes que visam proporcionar conforto emocional.
Mesmo
considerando, como considero, que haja muita coisa genuína e espiritual em
várias dessas manifestações, também há uma excessiva mistura, uma diversidade
poluente, como é característico de nossa geração. É necessário, como pregou
Jeremias, separar o precioso do vil para ser a boca de Deus.
Devemos,
ainda, atentar para a advertência do profeta que viveu dias semelhantes aos
nossos quanto a esse falso pastoreamento: Jeremias 2:8; 3:15; 10:21; 12:10;
23:1-4.
Precisamos
aprender a andar o caminho que nos leva às águas tranqüilas, aos pastos
verdejantes, onde a alma é restaurada e a Presença de Deus sentida mesmo nos
lugares sombrios.
Só
podemos ser conduzidos nesse caminho pelo Bom Pastor. Não o acharemos sozinhos.
Não podemos andar nele sozinhos. Nenhum homem pode nos conduzir nisso: “O
Senhor é o meu Pastor.”
Se
nós queremos ser efetivamente pastoreados por Jesus e ajudar outros a seguir o
Bom Pastor, talvez nós devamos voltar ao Evangelho e considerar o ministério
pastoral de Jesus, para o compreendermos, nos submetermos a Ele como o Pastor
de nossa alma e aprendermos a melhor seguir os Seus passos, tocados e cuidados
por Ele.
Esse é o tema desta mensagem. Jesus se
apresenta como o Bom Pastor, como o Pastor de nossas almas. Podemos ver nos
Evangelhos como Ele tratava a alma e o coração das multidões, das pessoas com
quem se encontrava e dos seus discípulos.
Não encontramos em Jesus apenas o
Salvador que veio morrer na cruz em nosso lugar e o Senhor que veio restaurar a
autoridade do Reino de Deus, mas encontramos a cada momento o Pastor que veio
buscar as ovelhas perdidas para curá-las, alimentá-las, protegê-las e
conduzi-las.
Apenas Ele, por reunir essas três
condições, pode nos trazer cura, salvação e vida abundante. O pastoreio de
Jesus significa a chegada do Reino de Deus dentro de nós, no nosso ser
interior, em nossa alma e espírito, atingindo nossos pensamentos, sentimentos,
amores, vontades, ideias, inteligência, criatividade etc.
O objetivo dessa
meditação é perceber nos evangelhos a prática pastoral de Jesus, desde sua própria
afirmação como o Bom Pastor, nos seus discursos públicos, nos seus diálogos com
as pessoas, no relacionamento com seus discípulos, em suas parábolas.
Mais
ainda, oramos para que essa revelação de Jesus como Pastor da nossa alma
produza em nós seu efetivo pastoreio, nos resgatando, nos curando, nos alimentando,
nos protegendo e nos conduzindo.
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