FANTASIA
E VERDADE, PAIXÃO E AMOR
I – PRELÚDIO
Todo amor real
é o fim de uma fantasia.
Quero despir-te das minhas
fantasias
e desvendar tuas realidades.
Somos reais.
Todos os sonhos de uma vida
não valem um só momento
de teu amor verdadeiro.
Mas, se um dia desses,
por capricho ou inspiração,
te fantasiares com algum dos
meus sonhos
vamos inventar caminhos de
eternidade
e dançar nos átrios do
Senhor.
(Fernando)
Neruda - Soneto II
Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
Que solidão errante até tua companhia!
Seguem sozinhos os trens rodando com a chuva.
No Taltal ainda não amanhece a primavera.
Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
Juntos das roupas até as raízes,
Juntos de outono, de água, de quadris,
Até que seja só tu, só eu, juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
A desembocadura da água do Boroa,
Pensar que separados por trens e nações
Tu e eu tínhamos que simplesmente nos amar
Confundidos com todos, com homens e mulheres,
Com a terra que implanta e educa os cravos.
Tradução: Fernando Saboia Vieira
Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
Que solidão errante até tua companhia!
Seguem sozinhos os trens rodando com a chuva.
No Taltal ainda não amanhece a primavera.
Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
Juntos das roupas até as raízes,
Juntos de outono, de água, de quadris,
Até que seja só tu, só eu, juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
A desembocadura da água do Boroa,
Pensar que separados por trens e nações
Tu e eu tínhamos que simplesmente nos amar
Confundidos com todos, com homens e mulheres,
Com a terra que implanta e educa os cravos.
Tradução: Fernando Saboia Vieira
Amor, cuántos caminos hasta llegar a un beso,
qué soledad errante hasta tu compañía!
Siguen los trenes solos rodando con la lluvia.
En Taltal no amanece aún la primavera.
Pero tú y yo, amor mío, estamos juntos,
juntos desde la ropa a las raíces,
juntos de otoño, de agua, de caderas,
hasta ser sólo tú, sólo yo juntos.
Pensar que costó tantas piedras que lleva el río,
la desembocadura del agua de Boroa,
pensar que separados por trenes y naciones
tú y yo teníamos que simplemente amarnos,
con todos confundidos, con hombres y mujeres,
con la tierra que implanta y educa los claveles.
II – LEITURA
“Agora,
porém, despojai-vos de tudo isto: ira, indignação, maldade, maledicência,
linguagem obscena do vosso falar.
Não
mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus
feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento,
segundo a imagem daquele que o criou...
Revesti-vos,
pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia,
de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.”
(Carta aos Colossenses 3:8-12)
III – MEDITAÇÃO
Usamos roupas especiais em
ocasiões especiais, como a que nos reúne hoje. De certo modo, nos
fantasiamos. Não nos vestimos assim todos os dias.
Invoco aqui o testemunho insuspeito do
Isaac, meu sobrinho de cinco anos, que, convidado para participar desta
cerimônia como pajem, logo respondeu:
-
Tudo bem, mas eu não tenho fantasia de
príncipe, só de Batman!
Fazemos
isso para nos representar de maneira coerente com nosso estado de espírito ou
de forma adequada à solenidade, ao significado e à importância do evento a
tenhamos sido convocados.
Mas também nos fantasiamos na vida cotidiana.
Ao longo de um dia, semana ou fase da vida usamos várias fantasias.
Por
meio delas, nos mostramos alegres, tristes, profissionais, descontraídos,
amigáveis, taciturnos etc. Algumas são até mesmo socialmente obrigatórias, como
os uniformes de trabalho, as fardas, os trajes formais e outros.
Particularmente, usamos fantasias nos nossos
relacionamentos. Um pouco pela proteção do disfarce, um pouco por
vaidade, um pouco por convenção social, um pouco por desejo de sermos
diferentes, melhores do que nos percebemos.
Nos
fantasiamos com o modo de vestir e, especialmente, nos fantasiamos na maneira
de proceder e de falar.
Quando nos apaixonamos, quase que inevitavelmente
fantasiamos o outro e a nós mesmos.
Creio
que isso reflete nossa busca por amor, aceitação, significado, preenchimento,
felicidade. Não é, necessariamente, uma fuga da realidade, embora tal ocorra
com excessiva freqüência, com maus resultados para todos.
Antes,
representa o anseio por um ideal, uma perfeição, por uma glória e plenitude que
não encontramos ordinariamente neste mundo, mas pelas quais sonhamos.
Uma
glória e plenitude para que fomos criados por Deus. Fomos feitos para sermos
príncipes e princesas, belos e valentes, amáveis e bondosos, inteligentes e
criativos.
Com
nossas fantasias, tentamos encobrir nossas debilidades, superar nossas más
experiências, disfarçar nossos medos e nos mostrarmos amáveis, desejáveis,
plenos.
Ainda
que inconscientemente, tentamos reproduzir tudo o que faz parte do plano de
Deus para nós, todavia embotado e corrompido pelo pecado, pelo desprezo ao
Criador, pelo egoísmo humano, pelo caos da existência.
Meus queridos filhos, o
caminho da paixão para amor não é outro senão o caminho do despojamento das
fantasias, da confrontação nua com a realidade do que somos, nossas
poucas virtudes e nossos muitos defeitos, da aceitação desta verdade e do
revestimento do novo, da criação de Deus, da gloriosa santidade perdida.
Nesse
caminho sobremodo maravilhoso de um homem e uma mulher, que escapa à compreensão
até mesmo do mais sábio de todos os homens, nos despimos das nossas próprias
fantasias e despimos o outro das fantasias com o revestíramos.
Nos vemos. Não mentimos mais um ao outro. A
vida cotidianamente compartilhada nos revela. Mas temos a possibilidade de nos revelar
e nos encontrar assim como somos, porque estamos protegidos pelo amor
misericordioso de Deus, nosso Pai.
Nos
tornamos reais, abandonamos, finalmente, as velhas folhas de figueira, nos
acolhemos em nossa verdade nua, íntima e pessoal e nos revestimos das novas
vestes que o Senhor nos oferece.
A essa jornada nos remetem as palavras do Apóstolo no
texto lido, quando nos ordena a abandonar as roupas velhas do pecado
e nos revestirmos com as vestes novas do Espírito Santo.
Não se trata de uma ilusão romântica, de uma
fantasia do nosso coração. Deus tem poder para tornar realidade tudo o que Ele
soberanamente nos oferece dentro do Seu propósito eterno.
Ele
pode não apenas renovar o que se desgastou, mas mesmo chamar à existência o
inusitado, o inédito, o absolutamente novo.
Esse
despojamento do velho, aceitação da verdade e revestimento do novo é uma
caminhada profundamente existencial, muitas vezes dolorida e quase sempre bem
pouco glamorosa.
É
o novo e vivo caminho que só pode ser andado na Graça de Jesus e no poder do Espírito
de Deus.
No casamento cristão, essa jornada é da essência do
próprio relacionamento conjugal. Um grande problema de muitos casais
são as roupas velhas, as frases surradas, os sentimentos puídos, os caminhos
acostumados, a eficiência da burocracia familiar, a perda da expectativa e
mesmo da esperança do novo, da mudança, da renovação.
Alguns não aceitam o despojamento do velho, vivem
apegados a mágoas, ressentimentos, experiências ruins, palavras pronunciadas em
momentos infelizes.
Outros
temem a exposição, o desnudamento da alma, preferem continuar se ocultando a
correr o risco da rejeição, do julgamento, muitas vezes marcados pela culpa.
Há
também os que ainda não compreendem a excelência do revestimento divino, as
maravilhosas realidades de uma vida espiritual vivida para a eternidade. Vivem
em busca de uma fantasia romântica, que dura pouco mais do que uma festa.
Esses
tantos casais, não conseguem fazer a passagem da paixão romântica, do mundo da
fantasia, para o amor espiritual, da vida real, amor esse que é o destino final
de nossa jornada como seres criados à imagem e semelhança de Deus e que deve se
expressar de forma especial no casamento.
Deus criou a cada um de nós com o propósito de nos
tornarmos Seus filhos, de sermos transformados na Sua imagem em
Jesus, de vivermos uma vida eterna segundo Seu coração, em santidade e amor.
Esse deve ser o centro dinâmico do casamento
e da vida de cada um de nós, casados ou não, dentro do projeto de Deus.
Como
fazemos para viver esse chamado de Deus? O passo fundamental é a decisão de
viver uma vida de acordo com Sua divina vontade, renunciados os próprios
conceitos, fantasias e vontades.
Que conselho lhes dar neste momento tão especial?
Não
usem roupas velhas, dispam-se delas, conheçam-se, se deixem conhecer, abandonem
completamente toda forma de mentira, aceitem-se como são e vistam as roupas
novas que o Senhor lhes oferecerá cada dia, cada momento da vida.
Quando um dos dois estiver se vestindo de
tristeza, mágoas, ciúmes, iras, preocupações, ansiedades, pesos, murmurações
que o outro possa logo propor:
-
Vamos nos livrar dessas roupas velhas, vamos enfrentar nossa realidade, vamos
nos aceitar e amar como somos e vamos nos revestir do que o Senhor nos dá:
misericórdia, alegria, paz, perdão, ternos afetos, paciência, bondade...
Gustavo, quando
você notar que a Rafaela está usando roupas que já estão ficando velhas, gastas
pelas lidas de cada dia, pelas dificuldades, pelas ansiedades e tarefas proponha
a ela: meu bem, suas roupas já estão muito usadas, vamos trocá-las por vestes
novas,limpas pela graça de Deus e ornadas com Sua bondade.
Rafaela, você vai logo notar como homens gostam
de usar roupas velhas, como vão se desgastando, acumulando pesos, dores,
preocupações, temores, muitas vezes calados. Quando for assim, ajude o Gustavo
a se renovar, a se despojar desses tantos andrajos, a ter a coragem necessária
para se revelar e a se revestir do novo de Deus para ele.
IV – PÓSLUDIO
Quando vocês se comprometeram, escrevi “Amar
e Esperar”. Na ocasião do noivado, lhes dediquei “Amar e Buscar”. Agora, quando
se casam, ofereço-lhes “Amar e Encontrar”.
Amar e Encontrar
Poema Nupcial - Para Gustavo e Rafaela,
“O que Deus ajuntou, não separe o homem.”
Dispam-se, joguem
fora as roupas velhas
E se vejam.
Revistam-se, usem
vestes novas,
Deixem os
caminhos já andados,
Esqueçam as
palavras desbotadas
E se descubram
mais uma vez.
Troquem de pele,
se reinventem,
Digam não e digam
sim,
Fujam da
esterilidade do talvez,
E depois comecem
tudo de novo
Pintem tudo com
cores novas
Vão a lugares
aonde não tenham ido.
Vistam as roupas e calcem os sapatos
Vistam as roupas e calcem os sapatos
Um do outro,
Troquem de olhos
e de olhares,
De língua e de
sabores,
De humores e de
dores,
De momentos e de
sentimentos.
Leiam
pensamentos, ouçam silêncios,
Respirem o mesmo
ar até se intoxicarem
Com o hálito um
do outro.
Misturem tudo na
cabeça
E nos armários,
Troquem as
gavetas e os sabonetes,
Os perfumes e os
chinelos,
Os cremes e as
escovas,
Confundam o dia
com a noite,
Espalhem-se por
todos os lados
E se recolham,
finalmente, em abraços.
Divirtam-se
sozinhos
E divirtam-se com
todos,
Sonhem com
pezinhos pequenos
Correndo pela
casa.
Rejeitem com
todas as forças
A eficiência
burocrática doméstica
Como modelo de
felicidade.
Saibam que a
busca de bens materiais
Quase sempre
produz mais dor do que prazer
E quando traz
mais prazer do que dor
É chegado o
império das trevas.
E se um dia
qualquer da vida, em qualquer lugar,
Descobrirem que,
estando juntos, estão em casa
E que, estando em
casa, podem estar juntos
Em qualquer dia
ou lugar da vida,
Saibam que não
pertencem mais
A qualquer dia ou
lugar,
Mas apenas um ao
outro:
Vocês estarão,
então, verdadeiramente casados,
Vocês serão um
lar.
Brasília,
29 de julho de 2012, AD.
Fernando
Sabóia Vieira
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir