segunda-feira, 30 de julho de 2012

Mensagem Casamento Gustavo e Rafaela


FANTASIA E VERDADE, PAIXÃO E AMOR



I – PRELÚDIO


Todo amor real
é o fim de uma fantasia.

Quero despir-te das minhas fantasias
e desvendar tuas realidades.
Somos reais.
Todos os sonhos de uma vida
não valem um só momento
de teu amor verdadeiro.

Mas, se um dia desses,
por capricho ou inspiração,
te fantasiares com algum dos meus sonhos
vamos inventar caminhos de eternidade
e dançar nos átrios do Senhor.

(Fernando)







Neruda - Soneto II


Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
Que solidão errante até tua companhia!
Seguem sozinhos os trens rodando com a chuva.
No Taltal ainda não amanhece a primavera.

Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
Juntos das roupas até as raízes,
Juntos de outono, de água, de quadris,
Até que seja só tu, só eu, juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
A desembocadura da água do Boroa,
Pensar que separados por trens e nações

Tu e eu tínhamos que simplesmente nos amar
Confundidos com todos, com homens e mulheres,
Com a terra que implanta e educa os cravos.

Tradução: Fernando Saboia Vieira


Amor, cuántos caminos hasta llegar a un beso,
qué soledad errante hasta tu compañía!
Siguen los trenes solos rodando con la lluvia.
En Taltal no amanece aún la primavera.

Pero tú y yo, amor mío, estamos juntos,
juntos desde la ropa a las raíces,
juntos de otoño, de agua, de caderas,
hasta ser sólo tú, sólo yo juntos.

Pensar que costó tantas piedras que lleva el río,
la desembocadura del agua de Boroa,
pensar que separados por trenes y naciones

tú y yo teníamos que simplemente amarnos,
con todos confundidos, con hombres y mujeres,
con la tierra que implanta y educa los claveles.


II – LEITURA



“Agora, porém, despojai-vos de tudo isto: ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do vosso falar.

        Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou...

Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.” 

(Carta aos Colossenses 3:8-12)




III – MEDITAÇÃO



     Usamos roupas especiais em ocasiões especiais, como a que nos reúne hoje. De certo modo, nos fantasiamos. Não nos vestimos assim todos os dias.

    Invoco aqui o testemunho insuspeito do Isaac, meu sobrinho de cinco anos, que, convidado para participar desta cerimônia como pajem, logo respondeu:

- Tudo bem, mas eu não tenho fantasia de príncipe, só de Batman!

Fazemos isso para nos representar de maneira coerente com nosso estado de espírito ou de forma adequada à solenidade, ao significado e à importância do evento a tenhamos sido convocados.

    Mas também nos fantasiamos na vida cotidiana. Ao longo de um dia, semana ou fase da vida usamos várias fantasias.

Por meio delas, nos mostramos alegres, tristes, profissionais, descontraídos, amigáveis, taciturnos etc. Algumas são até mesmo socialmente obrigatórias, como os uniformes de trabalho, as fardas, os trajes formais e outros.

    Particularmente, usamos fantasias nos nossos relacionamentos. Um pouco pela proteção do disfarce, um pouco por vaidade, um pouco por convenção social, um pouco por desejo de sermos diferentes, melhores do que nos percebemos.

Nos fantasiamos com o modo de vestir e, especialmente, nos fantasiamos na maneira de proceder e de falar.

    Quando nos apaixonamos, quase que inevitavelmente fantasiamos o outro e a nós mesmos.

Creio que isso reflete nossa busca por amor, aceitação, significado, preenchimento, felicidade. Não é, necessariamente, uma fuga da realidade, embora tal ocorra com excessiva freqüência, com maus resultados para todos.

Antes, representa o anseio por um ideal, uma perfeição, por uma glória e plenitude que não encontramos ordinariamente neste mundo, mas pelas quais sonhamos.

Uma glória e plenitude para que fomos criados por Deus. Fomos feitos para sermos príncipes e princesas, belos e valentes, amáveis e bondosos, inteligentes e criativos.

   
Com nossas fantasias, tentamos encobrir nossas debilidades, superar nossas más experiências, disfarçar nossos medos e nos mostrarmos amáveis, desejáveis, plenos.

Ainda que inconscientemente, tentamos reproduzir tudo o que faz parte do plano de Deus para nós, todavia embotado e corrompido pelo pecado, pelo desprezo ao Criador, pelo egoísmo humano, pelo caos da existência.

    Meus queridos filhos, o caminho da paixão para amor não é outro senão o caminho do despojamento das fantasias, da confrontação nua com a realidade do que somos, nossas poucas virtudes e nossos muitos defeitos, da aceitação desta verdade e do revestimento do novo, da criação de Deus, da gloriosa santidade perdida.

    Nesse caminho sobremodo maravilhoso de um homem e uma mulher, que escapa à compreensão até mesmo do mais sábio de todos os homens, nos despimos das nossas próprias fantasias e despimos o outro das fantasias com o revestíramos.

  
    Nos vemos. Não mentimos mais um ao outro. A vida cotidianamente compartilhada nos revela. Mas temos a possibilidade de nos revelar e nos encontrar assim como somos, porque estamos protegidos pelo amor misericordioso de Deus, nosso Pai.

Nos tornamos reais, abandonamos, finalmente, as velhas folhas de figueira, nos acolhemos em nossa verdade nua, íntima e pessoal e nos revestimos das novas vestes que o Senhor nos oferece.

    A essa jornada nos remetem as palavras do Apóstolo no texto lido, quando nos ordena a abandonar as roupas velhas do pecado e nos revestirmos com as vestes novas do Espírito Santo.

    Não se trata de uma ilusão romântica, de uma fantasia do nosso coração. Deus tem poder para tornar realidade tudo o que Ele soberanamente nos oferece dentro do Seu propósito eterno.

Ele pode não apenas renovar o que se desgastou, mas mesmo chamar à existência o inusitado, o inédito, o absolutamente novo.


Esse despojamento do velho, aceitação da verdade e revestimento do novo é uma caminhada profundamente existencial, muitas vezes dolorida e quase sempre bem pouco glamorosa.

É o novo e vivo caminho que só pode ser andado na Graça de Jesus e no poder do Espírito de Deus.

    No casamento cristão, essa jornada é da essência do próprio relacionamento conjugal. Um grande problema de muitos casais são as roupas velhas, as frases surradas, os sentimentos puídos, os caminhos acostumados, a eficiência da burocracia familiar, a perda da expectativa e mesmo da esperança do novo, da mudança, da renovação.

    Alguns não aceitam o despojamento do velho, vivem apegados a mágoas, ressentimentos, experiências ruins, palavras pronunciadas em momentos infelizes.

Outros temem a exposição, o desnudamento da alma, preferem continuar se ocultando a correr o risco da rejeição, do julgamento, muitas vezes marcados pela culpa.

  
Há também os que ainda não compreendem a excelência do revestimento divino, as maravilhosas realidades de uma vida espiritual vivida para a eternidade. Vivem em busca de uma fantasia romântica, que dura pouco mais do que uma festa.

Esses tantos casais, não conseguem fazer a passagem da paixão romântica, do mundo da fantasia, para o amor espiritual, da vida real, amor esse que é o destino final de nossa jornada como seres criados à imagem e semelhança de Deus e que deve se expressar de forma especial no casamento.

    Deus criou a cada um de nós com o propósito de nos tornarmos Seus filhos, de sermos transformados na Sua imagem em Jesus, de vivermos uma vida eterna segundo Seu coração, em santidade e amor.

    Esse deve ser o centro dinâmico do casamento e da vida de cada um de nós, casados ou não, dentro do projeto de Deus.

Como fazemos para viver esse chamado de Deus? O passo fundamental é a decisão de viver uma vida de acordo com Sua divina vontade, renunciados os próprios conceitos, fantasias e vontades.


    Que conselho lhes dar neste momento tão especial?

Não usem roupas velhas, dispam-se delas, conheçam-se, se deixem conhecer, abandonem completamente toda forma de mentira, aceitem-se como são e vistam as roupas novas que o Senhor lhes oferecerá cada dia, cada momento da vida.

    Quando um dos dois estiver se vestindo de tristeza, mágoas, ciúmes, iras, preocupações, ansiedades, pesos, murmurações que o outro possa logo propor:

- Vamos nos livrar dessas roupas velhas, vamos enfrentar nossa realidade, vamos nos aceitar e amar como somos e vamos nos revestir do que o Senhor nos dá: misericórdia, alegria, paz, perdão, ternos afetos, paciência, bondade...

Gustavo, quando você notar que a Rafaela está usando roupas que já estão ficando velhas, gastas pelas lidas de cada dia, pelas dificuldades, pelas ansiedades e tarefas proponha a ela: meu bem, suas roupas já estão muito usadas, vamos trocá-las por vestes novas,limpas pela graça de Deus e ornadas com Sua bondade.



    Rafaela, você vai logo notar como homens gostam de usar roupas velhas, como vão se desgastando, acumulando pesos, dores, preocupações, temores, muitas vezes calados. Quando for assim, ajude o Gustavo a se renovar, a se despojar desses tantos andrajos, a ter a coragem necessária para se revelar e a se revestir do novo de Deus para ele.


IV – PÓSLUDIO

    Quando vocês se comprometeram, escrevi “Amar e Esperar”. Na ocasião do noivado, lhes dediquei “Amar e Buscar”. Agora, quando se casam, ofereço-lhes “Amar e Encontrar”.


Amar e Encontrar
Poema Nupcial - Para Gustavo e Rafaela,

O que Deus ajuntou, não separe o homem.”

Dispam-se, joguem fora as roupas velhas
E se vejam.
Revistam-se, usem vestes novas,
Deixem os caminhos já andados,
Esqueçam as palavras desbotadas
E se descubram mais uma vez.

Troquem de pele, se reinventem,
Digam não e digam sim,
Fujam da esterilidade do talvez,
E depois comecem tudo de novo
Pintem tudo com cores novas
Vão a lugares aonde não tenham ido.
Vistam as roupas e calcem os sapatos
Um do outro,
Troquem de olhos e de olhares,
De língua e de sabores,
De humores e de dores,
De momentos e de sentimentos.

Leiam pensamentos, ouçam silêncios,
Respirem o mesmo ar até se intoxicarem
Com o hálito um do outro.

Misturem tudo na cabeça
E nos armários,
Troquem as gavetas e os sabonetes,
Os perfumes e os chinelos,
Os cremes e as escovas,
Confundam o dia com a noite,
Espalhem-se por todos os lados
E se recolham, finalmente, em abraços.

Divirtam-se sozinhos
E divirtam-se com todos,
Sonhem com pezinhos pequenos
Correndo pela casa.

Rejeitem com todas as forças
A eficiência burocrática doméstica
Como modelo de felicidade.
Saibam que a busca de bens materiais
Quase sempre produz mais dor do que prazer
E quando traz mais prazer do que dor
É chegado o império das trevas.

E se um dia qualquer da vida, em qualquer lugar,
Descobrirem que, estando juntos, estão em casa
E que, estando em casa, podem estar juntos
Em qualquer dia ou lugar da vida,
Saibam que não pertencem mais
A qualquer dia ou lugar,
Mas apenas um ao outro:
Vocês estarão, então, verdadeiramente casados,
Vocês serão um lar.


Brasília, 29 de julho de 2012, AD.

Fernando Sabóia Vieira

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