quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Da Renúncia ao Encontro



    Companheiros de Jornada em busca da vida interior,

     Ainda medito sobre o caminho estreito e desértico da renúncia. Ao longo dos anos, percorri – e ainda percorro – muitos atalhos e veredas nessa jornada em direção ao Encontro e gostaria de compartilhar algo sobre alguns lugares escuros e escabrosos que encontrei – e ainda encontro – na minha alma peregrina.
     Devem ser eles tratados sempre como tentações a serem resistidas, inimigos traiçoeiros a serem evitados ou vencidos, caminhos maus do coração a serem aterrados, aplainados e retificados.
     Tratam-se, em verdade, de condições da alma que surgem a partir dos atos concretos e das posturas existenciais de renúncia. Não obedecem a uma sequência determinada e podem vários existir ao mesmo tempo. São antíteses do fruto do Espírito e caminhos para longe do Encontro com o Senhor que produz o Contentamento.
     Menciono, em primeiro lugar, o sentimento mais natural e que quase inevitavelmente acompanha a renúncia que é a dor da perda. Renunciar é perder, e perder, via de regra, dói. Quanto mais precioso e querido o objeto da renúncia, mais intensa a dor. O grande perigo aqui é transferir para essa dor a afeição que tínhamos ao renunciado e mantê-la viva em nós como uma espécie de tributo ao que se foi. Essa é uma maneira de não renunciar de coração.
     A dor da perda deve ser aceita como natural, sofrida com esperança e superada no devido tempo pela ação do Consolador. Se nos apegarmos a ela, perdemos a oportunidade do Encontro íntimo com o Pai por meio do Seu Espírito.
     Outra sensação comum é o medo do vazio. Muitas pessoas hesitam ou mesmo recuam diante da renúncia por temor de que ela seja simplesmente perda e anulação. Pensam que a vida poderá ser menos plena e que só lhes restará para sempre a falta do que abandonaram.
Embora a renúncia deva ser incondicional, é preciso lembrar que renunciamos para ter o Senhor, e que Ele é suficiente para preencher qualquer ausência ou perda.
Pode, nesse caminho, surgir sutilmente, em qualquer momento da vida, o desejo de compensação por aquilo a que um dia renunciamos. Esse desejo pode nos levar à tentação de providenciarmos nós mesmos as coisas que cremos nos fazerem falta, ou substitutos para elas, ou nos instigar a cobrar isso da vida ou dos outros, vale dizer, de Deus. Muitas pessoas desperdiçam suas vidas tentando recuperar em alguma versão “espiritual” o que renunciaram no primeiro momento do discipulado.
Novamente, para que a renúncia nos leve pelo caminho da vida interior, da comunhão com Deus, é preciso nos firmarmos na disposição de fazer do Encontro com Ele a fonte de toda nossa satisfação. Se o Senhor for nosso único bem, veremos com é muito linda nossa herança!
A dor, o medo e a frustração, se instalados na alma, produzirão um dos piores venenos espirituais que é o ressentimento. De tanto visitarmos esses lugares sombrios do coração e de sentirmos novamente aquelas emoções negativas podemos nos tornar pessoas cheias de mágoas, de ressentimentos.
O ressentimento é uma enfermidade letal para a vida interior e só pode ser vencido na Cruz. Ele é a contradição do amor de Deus encarnado na entrega do Filho e da Graça do Filho no Seu sacrifício por nossos pecados. Quando entendemos que renunciamos por causa d’Ele e para Ele e nos dispomos a receber sua Presença em nós não podemos continuar ressentidos com nada nem ninguém.
Pessoas ressentidas facilmente assumem a postura de julgamento das demais, do mundo inteiro e finalmente de Deus. Sua insatisfação com suas vidas e seus desejos não correspondidos fazem com seus egos cresçam e se projetem sobre tudo e sobre todos.
Quando renunciamos, renunciamos principalmente ao trono de nossas vidas, para que Ele seja o Senhor de tudo. Se nós mesmos somos d’Ele, o que temos a reivindicar? Essa convicção deve ser não apenas uma doutrina para nós, mas uma declaração existencial, concreta, diária.
Vamos deixar que Ele mesmo julgue quem deve ter o que, e quem deve viver sem ter o que.
     Mas, talvez, para alguns, a atitude principal não seja a de reivindicar ou julgar. Consideram-se mesmo indignos de qualquer bem ou consideração. Cuidado aqui. A renúncia não é uma penalidade que aplicamos em nós mesmos para aplacarmos nossos sentimentos de culpa. Quem procede assim, pode cair na armadilha da autocomiseração, que anula o propósito Deus para nós.
     A renúncia não nos faz vítimas de nada. Ao contrário, ela nos abre as portas das mansões celestiais onde estão escondidos todos os tesouros eternos. Ela nos torna pobres para podermos herdar o Reino.
     Finalmente, o pior dos inimigos, o mais enganoso e também o mais mortífero nesse caminho da renúncia: o orgulho espiritual.
     A renúncia não pode se tornar para nós um troféu de santidade ou a prova de nossa espiritualidade. Quando esse sentimento encontra abrigo em nosso coração abrimos suas portas para a presença do Inimigo. Não temos qualquer mérito se renunciamos à vida que era morte para assumirmos a morte d’Ele, que é vida. O Senhor nos ofereceu isso livre e graciosamente, sem qualquer condição ou requisito, a não ser a nossa também livre e completa entrega.
     Quando duas entregas livres e incondicionais se encontram, a d’Ele e a nossa, manifesta-se o amor de Deus, a força mais poderosa do universo, para promover o Seu propósito eterno no meio dos homens. Mas mesmo a nossa entrega é Ele quem a proporciona, por meio do Seu Espírito, que nos convence do pecado, da justiça e de juízo e nos revela o Seu amor paternal.
     A dor da perda, o medo do vazio, o desejo de compensação, o ressentimento, o julgamento, a autocomiseração, o orgulho espiritual. São todos esses lugares sombrios e inóspitos, onde a vida não pode florescer. Para que a renúncia seja Encontro e Contentamento é preciso que os evitemos a todo custo e, se porventura nos virmos em qualquer deles, rapidamente voltemos nosso olhar para o Senhor e exercitemos o poder da fé para prosseguirmos em direção ao Alvo para o qual fomos chamados.
     Caros companheiros de jornada, que possamos cada dia viver concretamente nossa renúncia a tudo para termos tudo n’Ele. Que essa renúncia produza em nós o Encontro íntimo com o Senhor, fonte de todo Contentamento.

     Na suficiente graça de Jesus,

     Brasília, DF, setembro de 2011, aD.

Fernando Sabóia Vieira

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Flores são eternas




Flores são eternas
Como os momentos que adornam
Como os sorrisos que afloram
Como as palavras que semeiam
Como os sentimentos que exalam
Como os sonhos que embalam

Flores são eternas
Porque passam e marcam almas eternas
Com lembranças de imagens e amores que não passam
Mesmo que passem os céus e a terra

Flores são eternas
Porque são preciosas quando riquezas são inúteis
São significativas quando as palavras são inadequadas
Porque são vida e sacrifício
Quando gestos são banais e efêmeros

Flores são eternas 
Porque podem dizer eternamente
“Eu amo você”
Em todas as cores e continentes
Formas e estações
                  
Flores são eternas
Porque, como a poesia, celebram a vida e a paixão
Em todas as nossas partidas e distâncias
Chegadas e encontros

Flores são eternas como nosso amor
Que sem nunca nos separar
A cada dia anos encontra
E nos encanta
Com improváveis floradas
Neste mundo indiferente e sem esperança


Fernando Sabóia Vieira, de “Crônicas do Reino”


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

homens à procura de homens

procurem os homens perturbados
mas não pelo caos da vida
quebrados, não pelas lutas
embriagados, mas não de vinho
cegos, não pelas trevas
famintos, mas não de pão
sedentos, não de água
miseráveis
mas não por falta de bens

procurem homens que vagam
pela vida, perplexos,
em busca do que não conhecem
que falam palavras que não entendem
obcecados por um amor
que nunca encontraram
um amor imenso
alucinante
que não sabem de onde vem
mas que desejam ter
e que desejam dar

homens que não vêem mais
o mundo, que o mundo vai apagando
se esquecendo deles
poetas iletrados
profetas inacabados
gênios sem respostas
músicos sem harmonias
pintores sem cores
escritores sem histórias
pregadores sem palavras


Fernando Sabóia, de "Versos no Altar"

A Moça Que Tinha a Alma Turva



Eu lhe digo, moça, que as sombras
são ilusões
e que toda dor é sombra
do corpo projetada sobre a alma
que quer refletir o rosto
Iluminado do Ser.

A vida não é dia e noite,
a vida é tarde e manhã.
Não é a plenitude do sol
nem a supremacia das trevas.
A vida é um caminhar ao amanhecer
até que a Estrela da Manhã
brilhe sozinha no horizonte.

Esse é o seu tempo
da suprema coragem de brilhar
sempre, novamente, embora as sombras
e as dores.

- Brilhe, moça, caminhe para o amanhecer
e brilhe!


Fernando Sabóia

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Renúncia, Encontro e Contentamento


Fernando Sabóia, Bsb, set/2011, aD

         Companheiros de Jornada em Busca da Vida Interior,

         Estive meditando sobre esse aspecto tão fundamental da caminhada em busca da vida interior que é a renúncia. Ele já estava presente, sem dúvida, quando falamos sobre o desprendimento, pois que este supõe renunciar intimamente ao mundo e às coisas que lhe são próprias. No entanto, a necessidade de renúncia é tão evidente nas palavras de Jesus como decisiva para o discípulo que deve ser ela objeto específico de nossas considerações e atitudes acerca da espiritualidade que almejamos.
         O que é, essencialmente, a renúncia para o discípulo de Jesus e qual deve ser o seu fruto espiritual? Penso que a substância da renúncia cristã é o encontro com Jesus e seu fruto é o contentamento.
         Contentamento é uma condição espiritual que está além do ter ou não ter, da alegria ou da tristeza. Podemos estar contentes na abundância ou na carência de bens, materiais ou não, e podemos estar contentes a despeito da nossa inevitável parcela de dores e tristezas nesta vida.
         No entanto, o contentamento só é produzido em nós quando a essência da nossa renúncia é o encontro, e não a perda. De fato, no centro da renúncia cristã está o Senhor. É por causa d’Ele, por meio d’Ele        e para Ele que tomamos nossa cruz, negamo-nos a nós mesmos e a tudo renunciamos para seguir a Ele.
         Quando consideramos a renúncia apenas ou principalmente como perda nos lançamos num ascetismo estéril, sem esperança, onde a ausência e a dor são as condições finais de tudo. Não é cristã uma espiritualidade assim buscada e construída. Nós renunciamos porque fomos a isso chamados por Ele, para estar plenamente com Ele, sem quaisquer intermediações, nem de bens, nem de amores, nem mesmo da vida neste mundo.
         Esse encontro com Jesus, todavia, só pode ter essa plenitude e produzir seu fruto de contentamento quando ocorre num verdadeiro e imenso vazio existencial.
         A renúncia não é um ato acabado, exaurido num momento, mas, antes, uma condição que temos que assumir a cada dia em nossa jornada com o Mestre. Nesse caminho encontramos dificuldades, dores e tentações, mas também graça, livramento e alegrias.
         É inegável que a renúncia, como perda, dói física e emocionalmente. Ela suscita medos e temores, inseguranças e dúvidas. Depois, com o tempo, podem surgir mágoas, ressentimentos, invejas, desejos de compensação, cobranças, vinganças, murmurações. Autocomiseração, solidão.
         Eventualmente, poderá ocorrer a maior de todas as tentações da renúncia: o orgulho espiritual. Pessoas rigorosas consigo mesmas, que se impõem privações e renúncias em busca de distinção e destaque, terminam por cair no engano de se acharem melhores do que as demais e de julgarem a todos a partir de seus próprios padrões de pretensa santidade.
         Tudo isso é o oposto do desejado fruto do contentamento. Como será ele, então, produzido, se nossa débil e corrompida condição humana nos impele a sentir e agir tão diferentemente? E mais, quando consideramos que a renúncia demanda por Jesus vai além do ter para atingir o querer e o ser, como chegar a tal satisfação íntima?
         Com efeito, como cruz, a renúncia é perda concreta, existencial, íntima e exterior. Mas, se é uma renúncia ordenada por Deus, e não fruto de nossas debilidades ou fantasias espirituais, será ela sacrifício, cuja essência não é ser perda e dor, mas, sim oferta agradável Àquele a quem amamos.
         Assim, o propósito da renúncia para o discípulo não é o vazio e nem mesmo o encontro consigo mesmo, mas o encontro com o Senhor em quem há plenitude de vida e de propósito. E, nessa plenitude, estará o nosso contentamento, ainda que não sejamos capazes de dela desfrutar completamente nesta existência terrena.
         Cada coisa que renunciamos, bens, sentimentos, prazeres, dores, alegrias, direitos, sonhos, opiniões, relacionamentos, direitos, desejos, deve criar em nós um pouco mais de espaço a ser preenchido por Jesus, Seu Reino, Sua vida, Suas bênçãos.
         Se Ele é o nosso pastor, nada desejamos. Se Ele está conosco, nada tememos. Ele nos conduz à abundância e ao descanso dos pastos verdes e águas tranquilas. N’Ele temos segura esperança de alegria e júbilo eternos (Salmo 23).
         Quando o Senhor é nosso único bem, descobrimos quão bela e agradável é nossa herança, o quanto Sua presença nos protege, conforta, alegra e supre (Salmo 16).
         Aqui devemos nos lembrar: esse encontro com o Senhor acontece no lugar predileto, por Ele mesmo escolhido: dentro de nós, onde Ele deseja habitar.
         Nas renúncias grandes e pequenas de cada dia encontramos especial ocasião de intimidade com o Senhor, e n’Ele temos o contentamento que coloca em nossos lábios louvor, adoração e ações de graças.

         Graça de Jesus seja com todos.

         Fernando Sabóia Vieira





terça-feira, 13 de setembro de 2011

Amar e Buscar: Propósitos Divinos em Vidas Humanas


Para Gustavo e Rafaela, no seu noivado, quase primavera de 2011, aD.

O que buscam jovens que se encontram, se aproximam, se conhecem, se encontram e decidem se dar um ao outro para viverem juntos? A felicidade? Afeto? Realização como homem e mulher, pai e mãe? Companhia? Paixão? Compaixão? Aventuras? Conquistas? Refúgio? Ânimo? Alegria?
Tantas coisas buscamos ao mesmo tempo nesse passo da vida e nenhuma delas responde plenamente a essa pergunta. Nem mesmo todas elas juntas! O que de fato procuramos, creio, está incluído em tudo isso e vai ainda muito além, em direção a um propósito eterno, criacional e final, escondido no coração de Deus e revelado na Sua Palavra.
Buscamos identidade, significado, sentido, valor, vida, comunhão. Ao longo da existência, descobrimos que amar é essa busca compartilhada, confiada ao outro, comprometida com o outro, exposta, encarnada e finalmente libertada pelo encontro.
Amar é traduzir, nessa busca cotidiana, cada palavra, cada sentimento, cada gesto, cada momento, cada alegria e cada dor numa linguagem superior, mais essencial, mais profunda, capaz de transcender a si mesma em direção a sua fonte divina, de onde vem e para onde retorna, num ciclo presente incessante.
Escrevi, há muitos anos, quando tinha ainda menos idade do que vocês, esses versos simples, e acho que mesmo agora não consigo dizer melhor, embora saiba hoje mais sobre o significado e o poder dessas palavras inesgotáveis:


Tua Imagem


Amar é fazer
De toda frase
Verso
De toda oração
Gesto

Servir é trazer
Em cada verso
Mensagem
Em cada gesto
Tua Imagem

Amor é frase
Verso
Mensagem

Culto é oração
Gesto
Tua Imagem

O amor nasce quando verdade, poesia, oração e gesto vão se tornando expressão de uma mesma busca. O amor cresce e se fortalece quando isso se revela como serviço e como manifestação da Presença do Senhor em cada momento. O amor acontece plenamente quando a procura se torna encontro e em tudo está a Imagem do Deus que tudo ama.
Vida e culto se unem nessa busca que é o amor, produzindo sentido, significado e contentamento na comunhão com o Pai, um com o outro e com os outros, porque o amor é sempre inclusivo.
Esse é o tempo de vocês aprenderem o amor como busca, caminho, escolhas, semeadura, renúncias, encontros, perdas, lutas, decepções e celebrações.
Lembrem-se, no entanto, de que enquanto nossas grandes decisões determinam para onde vamos, são nossas atitudes nas pequenas coisas de cada dia que revelam quem somos e moldam em quem estamos nos tornando.
Tenham, pois, sempre, como propósito aprender cotidianamente a ter o mesmo sentimento (atitude, disposição interior, modo de pensar) que houve em Jesus e, diante um do outro, busque, cada um, se esvaziar, se mostrar humano, ser servo e exercitar o perdão, a misericórdia, a graça, a bondade, e a lealdade, que são as grandes avenidas pavimentadas pela humildade e que nos ligam ao coração amoroso do nosso Pai. Andem nelas!

Hoje, celebramos o amor de vocês!

Que a luminosa e suficiente Graça de Jesus seja com vocês todos os dias.

Fernando, BsB, DF, 10 Set 2011, aD.