quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

UM POUCO DE C. S. LEWIS (1898-1963)

C S Lewis foi professor universitário no Reino Unido e escritor famoso tanto por sua literatura juvenil (Crônicas de Nárnia) quanto por seus trabalhos de cunho filosófico, vários publicados em português.

Em “The Screwtape Letters” ele apresenta cartas escritas por um demônio tio e mestre (Coisa Ruim) para seu sobrinho diabólico (Absinto) instruindo-o sobre como levar um jovem rapaz (seu “paciente”) para o inferno, livrando-o das “garras do Inimigo” (Deus).

Essa obra, publicada originalmente em capítulos num jornal britânico, está disponível em mais de uma edição em português.

O texto seguinte do capítulo primeiro foi traduzido para este blog diretamente da versão disponível em

http://members.fortunecity.com/phantom1/books2/c._s._lewis_-_the_screwtape_letters.htm

Fernando Sabóia


UM POUCO DE C. S. LEWIS

(Clive Staples Lewis, conhecido como C. S. Lewis: Belfast, 29 de Novembro de 1898 – Oxford, 22 de Novembro de 1963)


CARTAS DO INFERNO

I


Meu querido Absinto,

Entendo o que você diz sobre conduzir as leituras do nosso paciente e cuidar para que ele se encontre muito com seu amigo materialista. Mas você não estaria sendo um tolo ingênuo? Parece que você supõe que “argumento” seja o caminho para mantê-lo longe das garras do Inimigo. Isso poderia ser verdade se ele tivesse vivido alguns séculos atrás. Naquela época os homens ainda tinham uma boa noção de quando algo estava provado ou não, e, se estivesse provado, eles realmente criam nisso. Eles ainda ligavam o pensamento à ação e estavam prontos a alterar o curso de suas vidas como resultado de uma coerente linha de pensamento. No entanto, com a imprensa semanal e outras armas semelhantes*, nós mudamos isso significativamente. Seu rapaz foi acostumado, desde menino, a ter uma dúzia de filosofias incompatíveis entre si dançando juntas em sua cabeça. Ele não pensa nas doutrinas como sendo primariamente “verdadeiras” ou “falsas”, mas como sendo “acadêmicas” ou “práticas”, “ultrapassadas” ou “contemporâneas”, “convencionais” ou “rigorosas”. Jargão, e não argumento, é nosso maior aliado para mantê-lo fora da Igreja. Não perca tempo fazendo-o pensar que o materialismo é verdadeiro! Faça-o pensar que é forte, ou resoluto, ou corajoso – que é a filosofia do futuro. É com esse tipo de coisas que ele se importa.

O problema com o argumento é que ele leva a luta para o terreno do Inimigo. Ele também sabe argumentar, enquanto que no tipo de propaganda materialmente prática que estou sugerindo Ele se tem mostrado por séculos ser muito inferior ao nosso Pai lá de Baixo. Pelos simples ato de argumentar você desperta a razão do paciente, e, uma vez despertada, quem pode prever o resultado disso? Mesmo que uma linha específica de raciocínio possa ser distorcida de modo a concluir a nosso favor, você descobrirá que reforçou no seu paciente o hábito fatal de estar atento às questões universais e de retirar sua atenção do fluir das experiências sensoriais imediatas. Sua tarefa é fixar a atenção dele nesse fluir. Ensiná-lo a chamar isso de “vida real”, e não deixe ele se perguntar o que quer dizer com “real”.

Lembre-se de que ele não é um espírito puro, como você é. Nunca tendo sido humano (oh, aquela abominável vantagem do nosso Inimigo), você não percebe o quanto eles são escravizados pela pressão do ordinário, do normal. Eu tive uma vez um paciente, um ateu convicto, que costumava ler no Museu Britânico. Um dia, enquanto ele lia, eu vi uma linha de pensamento em sua mente começando a tomar o caminho errado. O Inimigo, é claro, estava nesse momento no seu ouvido. Antes que eu pudesse me dar conta da situação, vi meus vinte anos de trabalho começarem a se perder. Se eu tivesse perdido a cabeça e começado uma defesa com argumentos teria fracassado completamente. Mas eu não fui tolo a esse ponto. Desferi imediatamente um golpe na parte do ser humano que eu controlo melhor e sugeri que já estava quase na hora dele almoçar. O Inimigo, presumivelmente, (você já percebeu como não conseguimos ouvir bem o que Ele diz a eles?) fez a contra sugestão de que aquilo era mais importante do que o almoço. Pelo menos é o que suponho, pois quando eu disse “Certo. De fato é importante demais para ser enfrentado no final da manhã”, o paciente animou-se consideravelmente, e quando acrescentei “Muito melhor voltar a isso com a mente mais fresca”, ele já estava a meio caminho da porta. Uma vez do lado de fora, a batalha estava ganha. Mostrei a ele o menino vendedor de jornais anunciando o periódico vespertino e o ônibus 73 passado, e, antes que ele chegasse ao final da escada, eu já tinha incutido nele uma convicção inabalável de que para dissipar quaisquer idéias estranhas que passem pela cabeça de um homem quando ele está sozinho com seus livros era suficiente uma saudável dose de “vida real” (o que para ele queria dizer o ônibus e o jornaleiro), para mostrar que esse “tipo de coisa” simplesmente não pode ser verdade. Ele sabia que tinha escapado por pouco e, anos depois, se comprazia em falar sobre “aquele senso inarticulado de realidade que é nossa última salvaguarda contra as aberrações da lógica pura”. Ele está agora seguro na casa de Nosso Pai.

Você está começando a entender o ponto? Graças a processos que colocamos em marcha neles séculos atrás, eles acham quase que totalmente impossível crer naquilo que não é familiar quando o que é familiar está diante de seus olhos. Continue imprimindo no íntimo dele a “normalidade” das coisas. E, sobretudo, não tente usar a ciência (quero dizer, a verdadeira ciência) como defesa contra o Cristianismo. Ela vai encorajá-lo positivamente a pensar sobre realidades que ele não pode ver ou tocar. Tem havido casos tristes entre os físicos modernos. Se ele tiver que se aventurar com a ciência, mantenha-o na economia e na sociologia, não deixe que ele se afaste daquela inestimável “vida real”. Mas o melhor é evitar que ele leia qualquer tipo de ciência e dar a ele, em lugar disso, uma grande noção geral de que ele já sabe tudo e de que o que ele ocasionalmente capta em conversas ou leituras são os “resultados das pesquisas modernas”. Por favor, lembre-se de que você está aí para confundi-lo. Pelo modo como vocês, jovens capetas, falam até parece que o trabalho de vocês é “ensinar”!

Do seu afetuoso tio,

Coisa-Ruim

* Imagine-se o que C S Lewis diria hoje diante dos nossos modernos veículos de comunicação virtual instantânea que propagam idéias e doutrinas numa velocidade e diversidade sem precedentes (Nota do Tradutor).

Disponível em

http://members.fortunecity.com/phantom1/books2/c._s._lewis_-_the_screwtape_letters.htm

Tradução de Fernando Sabóia Vieira

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