sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Ciência Política, a Fé Cristã e a Criação de Mundos


Fernando Sabóia Vieira

Uma palavra para jovens formandos em Ciência Política, em fevereiro de 2009.


Enquanto as chamadas ciências naturais lidam com fatos e fenômenos tidos como objetivos, partes de uma realidade dada como presente e passível de ser conhecida, a Ciência Política tem como objeto de estudo ações e relações humanas que se situam entre dois mundos: o mundo natural, histórico, que ela pretende explicar e influenciar e um mundo ainda não existente, que ela pretende construir com suas intervenções.

Toda ação política tem, assim, algo de normativo e de crença, pois representa a busca de transformar a realidade existente numa que ainda não existe, senão nos espíritos dos homens.

Desse modo, a Ciência Política não trata de relações sociais que visam apenas a obtenção, manutenção e utilização do poder com a finalidade de solucionar problemas e superar obstáculos ao desenvolvimento civilizatório. Essas ações humanas operam sempre num plano de utopia, pois se dirigem à construção de algo diferente das experiências anteriores, embora vinculado a elas.

A utopia política pode ser de um só homem, de uns poucos, de muitos ou mesmo de todos os que compartilham determinado território, cultura e história.

Mais do que meramente explicar, trata-se de prescrever, de implementar valores, de conquistar, de realizar sonhos.

Aqui encontramos um ponto de contato e de tensão entre a Ciência Política e a Fé cristã, na reflexão e vivência da Igreja, entendida como família de Deus na Terra.

A fé cristã, a revelação do Reino de Deus, faz com que a Igreja também se mova entre dois mundos: o dos homens, natural, visível, transitório; e o de Deus, sobrenatural, invisível, eterno.

Semelhantemente à Política, não pretende a Igreja apenas explicar o mundo e as relações sociais, mas entende ser sua missão ter uma ação criadora, que transforme a realidade existente numa que ainda não existe, ou melhor, numa que está sendo construída.

Ao longo da história houve muitos momentos de confusões e de falsas alianças entre a Política e a Igreja, com a utilização espúria de uma pela outra, uma vez que elas compartilham um elemento essencial para ambas, que é o poder.

A Igreja, por vezes, cedeu à tentação de usar o poder temporal para expandir sua influência, sem se dar conta de que os resultados assim obtidos nada tinham a ver com sua obra espiritual; e a Política, por sua vez, sempre teve na religião um de seus tentáculos para controlar a sociedade e realizar propósitos seculares e humanos, à revelia de Deus.

A expressão máxima desse vínculo profano entre Igreja e Política é representado pela figura de Babilônia, que remonta à antiga Babel, primeiro símbolo da utopia humana independente de Deus, cujo desfecho podemos prever na descrição do Apocalipse.

Política e Igreja têm, no entanto, propósitos e caminhos muito diferentes.

A Política visa realizar as utopias humanas, a Igreja vive para anunciar e implementar o Reino de Deus. A Política se vale da expressão temporal do poder, utilizando-se da força, da economia, das várias formas de dominação e opressão; a Igreja só pode cumprir sua missão valendo-se do poder espiritual, sobrenatural do Espírito, que se exerce com serviço, amor, submissão. A Política quer transformar relações sociais, mudar comportamentos; a Igreja pretende produzir novos homens, nascidos de novo, transformados interiormente.

Vocês que escolheram a Ciência Política como campo de estudo e de atuação profissional saibam que mais do que transformadores da sociedade e construtores de civilizações devem ser, como discípulos de Jesus, transformadores de homens e construtores do Reino de Deus.

Terão, no entanto, um belo espaço para testemunho e proclamação, pois as utopias e as crenças são essenciais para os homens, que têm incutida na alma a aspiração pelo justo, pelo belo, pelo perfeito, pelo grandioso, pela glória.

A Igreja só não pode ceder à tentação de pregar o que as pessoas querem ouvir, de profetizar ilusões. Temos que anunciar o Reino de Deus, com todas as suas exigências e promessas.

A exortação que lhes trago hoje não é mais do que um eco de lição dos mestres da Igreja, dentre os quais se destaca Santo Agostinho, cujas palavras reproduzo como fecho dessa mensagem:

"Dois amores construíram duas cidades, a saber: o amor próprio, levado até ao desprezo de Deus, fundou a cidade terrena; o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo, construiu a cidade celestial.

A primeira gloria-se em si mesma e a segunda em Deus. Aquela busca a glória dos homens e esta a glória de Deus. Naquela, seus príncipes e as nações vêem-se sob o jugo da concupiscência do domínio; nesta, servem em mútua caridade, os governantes, aconselhando, e os súditos, obedecendo.

Aquela ama sua própria força; esta diz a seu Deus: A vós amarei, Senhor, que sois minha fortaleza. Naquela seus sábios vivem segundo o homem e crendo-se sábios, quer dizer orgulhosos de sua própria sabedoria tornaram-se néscios e adoraram e serviram a criatura e não ao Criador. Nesta, pelo contrário, não há sabedoria humana mas piedade, que funda o culto legítimo ao verdadeiro Deus, à espera do prêmio na sociedade dos santos, de homens e de anjos, com o fim de que Deus seja tudo em todas as coisas" (Agostinho, “A Cidade de Deus”).

Que a Graça de Jesus seja sempre com vocês.


Fernando Sabóia Vieira, "O Inventor de Mundos"

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