sábado, 16 de julho de 2022

 Os Evangélicos e a Luta pelo Poder Político no Brasil

 

Fernando Saboia Vieira

Bel. em Relações Internacionais

Advogado

Mestre e Doutor em Ciência Política

 

Brasília, julho de 2022, AD.

 

 

         Na nossa percepção, a participação dos evangélicos na política no Brasil evoluiu, nas últimas décadas, de um propósito inicial de apenas influenciar as decisões legislativas e governamentais com a perspectiva e valores do crescente número de evangélicos no País para se tornar um projeto de poder de alguns segmentos e líderes desse contingente.

         A reflexão que aqui propomos considera elementos colhidos a partir da observação pessoal e direta do comportamento dos Deputados Federais evangélicos e de seus partidos na Câmara dos Deputados, desde a Assembleia Nacional Constituinte.

         É uma perspectiva assumidamente impressionista, que busca, inicialmente, tão somente, levantar hipóteses que deverão, oportunamente, se tornar, em algum momento, problemas de pesquisa e de teorização, apesar da forma assertiva que o texto assume em alguns momentos.

         Ao que nos parece, esse movimento de mudança na postura dos evangélicos teve três fases: a primeira na Assembleia Constituinte e nos anos seguintes; a segunda com o surgimento de projetos de poder voltados para a tentativa de conquistar o Governo e a terceira quando essa estratégia muda para focar o Legislativo.

 

         A eleição de trinta e dois parlamentares evangélicos para a Assembleia Nacional Constituinte foi considerada surpreendente naquele momento. Esse êxito eleitoral talvez possa ser parcialmente explicado pelo fato de as igrejas evangélicas terem crescido e se fortalecido institucionalmente durante o regime militar, especialmente no meio urbano, em vários estratos sociais, se tornando estuário de demandas e centros de vida comunitária.

Acresce-se a isso a forte influência de seus pastores e líderes sobre os respectivos rebanhos, conferindo-lhes expressivo capital político eleitoral.

         Os evangélicos eleitos para a Assembleia Constituinte eram oriundos, principalmente, de denominações tradicionais, filiados a diferentes partidos, à direita, ao centro e à esquerda do espectro político ideológico.

         Eles atuaram em boa medida como bancada suprapartidária, defendendo pautas ligadas a valores morais e corporativistas, destacando-se, neste último caso, isenções fiscais e a busca de concessões de rádio e televisão, em expansão na época e vistas como instrumento para propagação da fé e fortalecimento das igrejas e ministérios.

         No entanto, divergências quanto a questões econômicas e sociais fizeram com que os parlamentares mais esquerdistas abandonassem o grupo e passassem a atuar de forma partidária ou independente. Deve-se lembrar que era esse o momento de forte influência marxista em alguns segmentos cristãos, católicos e evangélicos, inspirados por doutrinas como a chamada Teologia da Libertação

         Nesse etapa marcante da vida política brasileira o propósito predominante dos parlamentares evangélicos era influenciar a redação da nova Constituição e das novas leis dela decorrentes para fazer presentes princípios e valores coerentes com essa fé crescente no País.

         Havia também e crescentemente a busca de vantagens corporativas para as denominações evangélicas, como isenções tributárias, acesso a fundos e a concessões públicas, mas não havia, até então, um projeto de poder no sentido de lutar para assumir o protagonismo na arena eleitoral com vistas à conquista dos governos nacional e subnacionais.

         Os anos que se seguiram à edição da Constituição foram marcados por sucessivas crises econômica e instabilidades no cenário social e político.

Nesse contexto, observou-se expressivo crescimento dos grupos evangélicos neopentecostais, os quais, diferentemente das denominações tradicionais, se caracterizavam por fortes lideranças carismáticas, baixa institucionalização das igrejas e fluidez doutrinária. 

         Sob a inspiração da Teologia da Prosperidade, com promessas de sucesso financeiro, ascensão social e bem-estar, muitos desses grupos e movimentos embarcaram num tipo de populismo religioso à captura dos socialmente emergentes, sem apelo a ideologias de esquerda, e com crescente uso dos meios de comunicação.

         Com a fé vista como negócio lucrativo à procura de facilidades, incentivos e mercados, e a constatação do grande capital eleitoral dos seus líderes, o crescimento da representação e da influência na Câmara dos Deputados dos evangélicos, especialmente os neopentecostais, foi a consequência esperada. 

         Assim, ao final dessa primeira face, a crescente bancada evangélica se dedicava, principalmente, a uma pauta corporativa, sem grande ênfase nas questões e de valores, e sem preocupação com a corrupção ou problemas sociais estruturais. 

Seus integrantes buscavam, basicamente, garantir espaços e vantagens para os negócios, numa clara postura distributivista e paroquial.

 

         Esse cenário viria a mudar a partir de uma nova postura assumida pela Igreja Universal do Reino de Deus e, com menor expressão, pela Igreja Sara Nossa Terra.

         A Igreja Universal do Reino de Deus criou um braço partidário próprio e se infiltrou com candidatos em diversas legendas, em vários Estados, com o objetivo de formar uma grande bancada parlamentar, de intensificar as demandas corporativas face ao Governo, de promover o crescimento e o fortalecimento econômico da denominação e, em alguns anos, eleger seu líder nacional Presidente da República.

         A Sara Nossa Terra, com menor projeção nacional, tinha, basicamente os mesmos propósitos e estratégias, inclusive quanto à Presidência da República.

         Ambos os projetos, todavia, foram abortados por dissidências internas nas respectivas instituições e, principalmente, pelo envolvimento de alguns de seus líderes em escândalos de corrupção.

 

A participação no jogo político parlamentar na dinâmica do chamado presidencialismo de coalização abriu uma nova perspectiva para os projetos evangélicos de poder político, agora focados no controle do Legislativo.

Alguns parlamentares evangélicos se especializaram no exercício de cargos de liderança no Congresso e no comando de bancadas suprapartidárias em busca de vantagens junto ao Governo e em defesa de seus interesses pessoais e corporativos. 

Especialmente, a Presidência da Câmara dos Deputados passa a ser objeto de disputa, considerados os excepcionais poderes que seu ocupante detém nas barganhas com o Governo e no controle da agenda legislativa. E nada como um impeachment para deixar claro esse ponto!

Nesse momento, os governos petistas intensificavam a ênfase na agenda de costumes, utilizando os meios do Estado e políticas públicas com fins marcadamente ideológicos na promoção de teses que contrariavam os valores morais de grande parte da população brasileira.

Ao mesmo tempo, a crise econômica se agravava produzindo descontrole das contas públicas e gerando críticas à atuação do Governo nessa área, especialmente a falta de contenção de gastos.

Os problemas sociais se agravavam, como violência e a criminalidade. 

Esse cenário favoreceu o crescimento de uma enorme onda neoconservadora nos costumes e liberal na economia, surfada por políticos de diversas tendências de centro e de direita, inclusive evangélicos, tendo como ator principal um candidato à Presidência da República que se apresentava como “cristão e conservador”.

O que nos trouxe à atual Legislatura e mandato presidencial.

As contradições da aliança entre evangélicos, conservadores e direitistas não demoraram a transparecer, apesar dos esforços feitos nos últimos meses para reforçá-la às vésperas das próximas eleições. 

Na prática, os evangélicos que apoiaram o atual Presidente da República pouco espaço tiveram na ocupação de funções importantes, e passaram a intensificar sua atuação na trincheira legislativa, barganhando, a partir daí, sua agenda com o Governo, em troca de apoio em outras matérias de interesse do Executivo.

A agenda de segurança pública e de combate à corrupção não evoluiu. Áreas ideologicamente importantes como educação, cultura e relações exteriores foram sabotadas pela disputa interna entre grupos de apoio ao Governo e pela falta de consistência do chamado “olavismo”.

O sucesso relativo na agenda de costumes no sentido de mudar o viés ideológico das políticas públicas nessa área e de conter as ofensivas legislativas esquerdistas foi, em alguma medida, relativizado pelo ativismo judicial.


A avaliação da população brasileira quanto a essa aliança “cristã conservadora”, e dos próprios eleitores evangélicos, será conhecida no próximo pleito.

O que nos parece até aqui é que muitos líderes e instituições evangélicas no Brasil se deixaram seduzir pela busca do poder temporal, politizaram a fé, “cristianizaram” a política e contribuíram para a confusão no debate público acerca do que é ser cristão e de como, nessa condição, se inserir na sociedade e participar da solução dos problemas coletivos.

 

Soli Deo Gloria.

 

Fernando

 

 

 

 

         

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