sexta-feira, 15 de julho de 2022

 Cristianismo e Conservadorismo na Arena Pública de Debate

 

 

Fernando Saboia Vieira

Bel. em Relações Internacionais

Advogado

Mestre e Doutor em Ciência Política

 

Brasília, julho de 2022, AD.

 

 

 

         O propósito deste texto não é discutir “cristianismo” e “conservadorismo” do ponto de vista acadêmico, mas, sim, propor uma reflexão sobre como esses termos, e seus adjetivos cognatos, “cristão” e “conservador”, têm sido utilizados no debate público sobre sociedade e política no Brasil de hoje.

         Mais especificamente, queremos pensar sobre o que a rotulagem “cristão conservador” transmite como conceito e mensagem nas mídias e redes sociais, públicas ou privadas. 

Acreditamos que muitos que professam uma fé genuína no Evangelho de Jesus, e que têm um autêntico compromisso com o Reino de Deus, possam estar utilizando, ou permitindo o uso dessa adjetivação em relação a si próprios, de maneira inadvertida e, com isso, produzindo uma comunicação deficiente.

         O conservadorismo, ou neoconservadorismo, como alguns analistas preferem, está associado, no debate público, à afirmação e à defesa de um conjunto de valores morais relativos a comportamentos e estruturas sociais, como casamento e família, educação, o uso de drogas, a prática de aborto, segurança pública, emprego de armas de fogo e sexualidade, principalmente, valores que se pretende ver implantados na sociedade, inclusive por meio da ação política e da lei.

         Esses temas têm sido levados a debate nas arenas sociais por pessoas que muitas vezes se identificam, ou são identificadas, como “cristãs” e “conservadoras”, se alinhando à direita no espectro político e se colocando em oposição aos “comunistas”, “socialistas” e esquerdistas.

         Nesse sentido, seria anacrônico e incorreto considerar Jesus Cristo um “conservador”, já que o conteúdo de sua mensagem acerca do Reino de Deus não era, essencialmente, um conjunto de regras ou valores morais aceitos pela tradição, sociedade e cultura de seu tempo, e Seu propósito não era promover uma reforma social, legal ou política no sentido da implementação de tais valores, mas, sim, levar pessoas ao arrependimento e à conversão ao Reino dos Céus. 

Em verdade, Ele foi fortemente combatido e perseguido por grupos que, sob alguns aspectos, se aproximariam dos “conservadores” atuais, os fariseus, escribas e saduceus, esses, sim, especialmente os primeiros, dedicados à defesa de padrões morais e de costumes de sua religião. 

         Embora o ensino de Jesus tenha implicações morais, sociais e mesmo políticas, Ele sempre deixou claro que o Reino que anunciava era espiritual, e não deste mundo, significando o restabelecimento do governo de Deus sobre as pessoas, perdido desde a desobediência de nossos primeiros pais, no Éden. Isso está na essência da fé cristã.

         Assim, uma vinculação direta e unívoca do cristianismo ao conservadorismo encerra, a nosso ver, contradições conceituais, do ponto de vista neotestamentário, e pode levar a distorções na participação social e política das pessoas que assim se rotulam.

         O Evangelho de Jesus não consiste na imposição de um código de conduta, ainda que tenha, de fato, elevadas exigências éticas e morais. O caso é que sem uma experiência de conversão, transformação pessoal e de regeneração por meio do Espírito Santo, não há como alguém viver e expressar a santidade requerida pelo Senhor, que é nada menos do que a conformação com o Seu caráter, com Sua Imagem. 

O centro da mensagem do Novo Testamento é a convocação a uma transformação pessoal, e não a imposição de um sistema legal ou de um padrão de comportamento. Isso o judaísmo já tinha de sobra. A mudança nos valores e nas condutas das pessoas devem ser consequências de sua adesão à fé e ao Reino de Deus.

         Cristãos devem ser mansos, humildes, misericordiosos, pacificadores. Quando injuriados ou agredidos, devem retribuir o mal com o bem. Seus relacionamentos e sua participação na sociedade devem ser marcados por serviço e amor, mesmo em relação àqueles que, porventura, se apresentem como seus inimigos. 

         Essas virtudes e atitudes são decorrentes de uma experiência pessoal de conversão e de entrega a Deus, e não da adesão a uma religião, grupo, classe ou movimento.

Desse modo, incorre em contradição alguém se considerar discípulo de Jesus e se associar com atitudes agressivas, impiedosas e violentas em relação às pessoas pelas quais o Senhor se entregou na cruz, não importa que propósitos, valores, ideologias ou posicionamentos políticos inspirem tais posturas. 

         Os chamados conservadores, por sua vez, defendem alguns valores que coincidem com os assumidos pelos cristãos, mas também outros que não decorrem do Evangelho, e que podem mesmo estar em desacordo com a fé do Novo Testamento, a exemplo da legitimação da violência, do emprego de armas e da supressão de direitos individuais.

         Além disso, muitas das estratégias de participação social e de ação política dos grupos e movimentos conservadores são formuladas na lógica da disputa, do jogo e da guerra, segundo a qual os opositores devem ser derrotados e os vencedores podem impor seus pontos de vista e preferências. Diferentemente disso, o Evangelho de Jesus requer que os cristãos estejam dispostos a renunciar a si mesmos e a seus direitos em favor das pessoas e em prol do Reino de Deus.

         Assim, quando alguém, no debate público, se apresenta como conservador está, intencionalmente ou não, se associando, diante da coletividade, a um movimento ou a um conjunto de crenças e de atitudes que não têm total respaldo nos ensinos de Jesus e do Novo, ou até os contrariam.

Há, certamente, diferentes tipos de cristãos e vários tipos de conservadores, uma vez que nem um nem o outro grupo se caracteriza por homogeneidade de ideias, de posturas, de estratégias e de lideranças.

Mas, o que estamos querendo argumentar aqui é que, para efeito de testemunho, de imagem pública e de inserção na sociedade e na arena política, as rotulagens “cristão” ou “conservador” assumem significados simbólicos próprios, a despeito de posições e de nuances individuais ou de grupos.

         Dessa maneira, na nossa opinião, quem se apresenta publicamente, para o debate e participação social e política, como “cristão conservador” não tem como se eximir da identificação com tudo o que carrega cada um desses termos, uma vez que as pessoas os tomarão nas acepções que essas palavras têm assumido discursivamente. 

E cairá, fatalmente, em dilemas: ou deixará dúvidas sobre o que significa ser um verdadeiro cristão, ou não estará totalmente alinhado com o conservadorismo. Pior ainda, poderá tentar criar identificações entre os dois, com o risco de interpretar ideologicamente as Escrituras ou de tergiversar sobre as ideias e posturas dos conservadores.

Não é possível, biblicamente falando, ungir o conservadorismo, ou qualquer outra doutrina social, como a ideologia política cristã, uma vez que nem Jesus Cristo nem os Apóstolos jamais propuseram qualquer coisa nesse sentido.

É certo que as nefastas consequências que sucessivos governos de esquerda trouxeram a nosso País, do ponto de vista econômico, social e moral, inspirados por ideologias assumidamente anticristãs, como o comunismo, levaram muitos de nós, cristãos, a nos posicionarmos publicamente em defesa dos valores que consideramos fundamentais para a sociedade brasileira. E devemos continuar corajosamente com essa postura. 

 No entanto, cremos que a associação explícita e comprometida do cristianismo com o conservadorismo, em conceitos e em práticas, ainda que possa trazer benefícios eventuais na arena política e eleitoral, não se coaduna com o Evangelho de Jesus.

Nós, cristãos, não devemos jamais assumir rótulos ou adjetivos à nossa fé, sob pena de comprometermos o nome do Senhor e Sua mensagem. Esse tem sido, infelizmente, um erro recorrente na história da Igreja. Se as pessoas, os participantes do debate público ou os analistas sociais os nos atribuem, segundo seus próprios conceitos e para seus próprios fins, devemos apenas buscar manter o mais possível clara e evidente a mensagem de Jesus e do Reino de Deus.

São tempos confusos esses em que vivemos e, por isso, acreditamos ser oportuno refletir sobre conceitos, palavras, posturas e ideias que têm povoado os meios de comunicação, as redes sociais, as análises e as conversas, a fim de discernirmos posições e estratégias de influência social e de luta pelo poder.

Os cristãos devem, acima de tudo, proclamar o Reino de Deus, anunciado por Jesus Cristo, fiéis a Seus ensinos e propósitos, em cada geração e em cada época, até que Ele venha.

 

Finalmente, devo deixar claro que este texto expressa, estritamente, meu entendimento pessoal, não representando aqui o pensamento de qualquer grupo ou movimento.

 

 

Soli Deo Gloria.

 

Fernando

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