Igreja, política e pandemia
Fernando Saboia Vieira
“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho”
(Salmo 119:105)
Nesses dias confusos e obscuros que temos vivido é essencial que a Igreja busque na Palavra de Deus, e apenas nela, entendimento e direção. Em momentos de crises assim graves, haverá sempre muitas vozes se manifestando, com variadas motivações, fundamentos e propósitos, especialmente numa situação como a atual que envolve não apenas a sociedade brasileira, mas toda a humanidade.
Consideremos, pois, ainda que muito brevemente, como Jesus e os apóstolos se posicionaram em relação às questões sociais e políticas de seu tempo e o que eles ensinaram e ordenaram sobre o relacionamento dos discípulos e da Igreja com o Estado, governantes e autoridades públicas.
Jesus e a política
À época do nascimento de Jesus, Israel era governado por um rei pagão, preposto do Império Romano, chamado Herodes, o Grande. Com a morte dele, o país foi dividido politicamente, pelos dominadores romanos, em tetrarquias, de modo que, ao tempo do início do ministério público do Senhor, reinava na Galileia um dos seus filhos, Herodes Antipas.
Embora Israel gozasse de relativa autonomia em relação a questões locais, o Sinédrio era dominado pelos saduceus, que compunham a elite econômica da sociedade, aliados politicamente aos romanos, cujos interventores influenciavam até mesmo na escolha dos Sumos Sacerdotes.
Foi um tempo de muita opressão política, econômica e mesmo religiosa, com o povo submetido a pesados impostos e encargos para financiar o império romano e a riqueza dos seus colaboradores judeus.
Havia multidões de pobres, famintos, oprimidos e perseguidos com as quais Jesus muitas vezes se deparou. Como Ele reagiu a essa situação? Como se manifestou sobre esse estado de coisas e o que Ele ensinou a Seus discípulos sobre questões sociais e políticas?
Lemos nos Evangelhos que, desde o seu nascimento, Jesus esteve envolvido na controvérsia política que a esperada vinda do Messias provocaria: seria Ele o libertador político e militar que reestabeleceria o Trono de Davi e livraria seu povo da opressão?
Herodes, o Grande, “alarmou-se” com a notícia trazida pelos magos do oriente sobre o nascimento do “rei dos judeus”, e com ele “toda Jerusalém”. Imaginando tratar-se de alguém que viria a reivindicar o trono de Davi, Herodes perseguiu o menino e sua família, provocando a sua fuga para o Egito (Mateus 2:2-3).
No entanto, ao iniciar sua pregação pública, Jesus deixou claro, desde suas primeiras palavras, que viera anunciar “o reino dos Céus”, o “reino de Deus”, chamando as pessoas ao arrependimento e conversão, e não estabelecer um governo terreno (Mateus 4:17 etc). Em nenhum momento Ele se referiu a uma retomada política do trono de Davi, pregou rebelião contra a dominação romana ou fez discursos sobre mudanças sociais ou críticas às leis opressivas.
Jesus não se envolveu em questões ou enfrentamentos políticos, Ele não fez propostas de solução dos graves problemas sociais e econômicos do povo pelo caminho da tomada do poder, da libertação da dominação romana, de movimentos de insurreição contra as leis e o governo local ou de Roma, da restauração do trono de Davi, da independência de Israel ou da reforma da sociedade.
Mesmo falando diante de multidões de pessoas necessitadas, oprimidas e perseguidas, ainda que movido de grande compaixão por aquele povo, Ele jamais abordou as questões sociais e políticas envolvidas naquele estado de coisas ou se posicionou sobre elas. Sua mensagem dizia respeito unicamente ao Reino de Deus e a sua justiça, ao chamado à conversão e ao comprometimento com o governo espiritual do Senhor sobre suas vidas, consciente do impacto e da oposição que suas palavras provocariam (Mateus 5 a 7; 9:36).
Em verdade, Jesus sempre se distanciou desses debates para que não fosse confundido com um simples libertador político, e para deixar patente que Sua mensagem se dirigia à condição espiritual dos homens e à sua necessidade de salvação eterna. Assim, pregava tanto aos judeus quanto aos samaritanos, aos gentios e mesmo aos romanos, chegando a elogiar a fé de um centurião e de uma mulher siro-fenícia.
Nas ocasiões em que Jesus se confrontou com Herodes, Ele o fez, a exemplo do que fizera João Batista, por motivos morais e espirituais, e não políticos (Lucas 13:31-35).
Houve mesmo ocasião em que a multidão pretendeu proclamá-lo rei, mas Ele recusou expressamente, retirando-se para um local solitário (João 5:15).
Quando indagado pelos discípulos sobre o pagamento de impostos aos dominadores romanos, Ele destacou que, do ponto de vista de um critério de justiça, os filhos da terra deveriam estar isentos de pagamento, segundo os costumes da época, mas providenciou o dinheiro necessário para satisfazer a demanda do poder governamental que imperava sobre eles, a fim de não provocar escândalo (Mateus 17:24-27).
Com isso deixou claro, mais uma vez, que sua pregação não tinha cunho nem objetivos políticos. Não era Sua obra reformar este mundo, sua política e justiça.
Quando Jesus entrou em Jerusalém sob o aplauso e saudação do povo, na última semana do Seu ministério, houve quem novamente quisesse ver nele um líder político que vinha desafiar o poder de Roma. Em verdade, Ele vinha para cumprir Sua missão e morrer na cruz (Mateus 21:1-11).
Naqueles dias seus opositores de Jerusalém tentaram forçá-lo a se posicionar politicamente, propondo-lhe uma pergunta sobre o pagamento de impostos a Roma, expressão maior da opressão estrangeira sobre o povo e da submissão de Israel.
Em Sua resposta, Jesus não se insurgiu contra a dominação romana e a extorsiva arrecadação de tributos, mas estabeleceu um princípio para seus discípulos e para a Igreja: “a César, o que é de César, a Deus, o que é de Deus”.
Ou seja, a Igreja deve ser mantida separada do Estado, cumprindo seus deveres civis e sujeitando-se às autoridades políticas, enquanto deve, igualmente, conservar sua fidelidade e lealdade a Deus, sem comprometimentos ou ressalvas (Mateus 22:15-27).
Dito de outra forma, nos assuntos de Deus, não devemos aceitar a ingerência do poder do Estado, nem nos sujeitar a outros comandos senão os do Senhor. Nos assuntos do Estado, devemos cumprir nossos deveres como cidadãos, respeitando as leis e as autoridades e não confundir a esfera do poder secular com o Reino do Pai.
A fronteira entre Igreja e Estado deve ser discernida com base na Palavra de Deus e somente nela, para que não sejam considerados como negócios do Pai projetos e objetivos humanos, e para que não se tente cuidar dos propósitos do Reino por meio de poderes e recursos seculares. O primeiro movimento seria sacralizar a política e tentar realizar o Reino de Deus neste mundo, o segundo significaria profanar o Reino de Deus, tornando-o obra e glória de homens.
É importante mencionar que em seus discursos sobre as últimas coisas Jesus sequer tangencia questões políticas e sociais. As guerras e conflitos entre nações, a decadência moral da humanidade e a perseguição da Igreja são profetizados por Ele como o inevitável desfecho da história, que culminará com Sua volta e, aí sim, o estabelecimento do Seu Reino. Seu propósito era prevenir e preparar seus discípulos para esses eventos e não interferir neles.
Durante o julgamento de Jesus perante o procurador romano Pôncio Pilatos, novamente seus detratores tentaram enredá-lo com a política e as autoridades públicas.
Não tendo como apontar contra Ele nenhum crime, pretenderam forjar uma acusação de sedição política contra César, afirmando que Jesus se declarava rei dos judeus e promovia rebelião (Lucas 22:66 a 23:4). Nem Pilatos acreditou nisso, percebendo que era por inveja que os líderes religiosos queriam Sua morte (Mateus 27:18).
Jesus reconheceu a autoridade de Pilatos para julgá-lo, como lhe tendo sido conferida do alto, mas afirmou, mais uma vez, que o Seu Reino não é deste mundo (João 18:36; 19:12-15).
Finalmente, após Sua ressurreição, já glorificado, quando Seus discípulos lhe perguntaram se já seria aquele o tempo de restaurar o reino a Israel Ele respondeu que não lhes competia conhecer tempos ou épocas que estavam sob autoridade exclusiva do Pai (Atos 1:6-11).
Sua Igreja não teria, portanto, projeto político, não se envolveria com a disputa de poder secular, nem com a reforma da sociedade humana. Sua atuação no mundo seguiria o exemplo do Mestre, com obras de misericórdia e socorro aos aflitos, aos oprimidos e aos pobres, pregação do Reino de Deus para transformação dos homens, denúncia profética do mal, da injustiça e da opressão. Até que Ele venha.
Os apóstolos e a política
Lemos nos Atos dos Apóstolos que a Igreja foi perseguida, desde o início, pelas autoridades religiosas e políticas, judaicas e romanas.
Pedro e João, e depois os demais apóstolos, foram presos por ordem do Sinédrio, castigados e proibidos de pregar o Evangelho. Evidentemente não obedeceram, considerando que “importa antes obedecer a Deus do que a homens”(Atos 5:29). Estavam, assim, aplicando o ensino que haviam recebido: “a Deus o que é de Deus”.
A Igreja nascente reagiu às perseguições e opressões invocando, em sua oração comunitária, o Salmo 2, que descreve a vã conspiração de reis e poderosos contra o Senhor e o Seu Ungido: “Ri-se aquele que habita os céus, o Senhor zomba deles”.
Os irmãos entenderam que as ações de Pilatos e Herodes, em conluio com as demais autoridades, apenas cumpriram o desígnio do Pai para o Filho (Atos 4:23-31). Não podem temer as alianças e as confabulações maléficas de quaisquer governos ou poderes aqueles que creem em um Deus soberano, e somente a Ele servem e temem (Isaías 8:9-13).
Herodes também perseguiu a Igreja, chegando a mandar matar Tiago. Deus mesmo se encarregou de exercer justiça contra o Rei ímpio, enquanto a Palavra do Senhor crescia e se multiplicava (Atos 12:1-3, 21-24).
A igreja prosseguiu sua missão, vendo cumpridas as palavras de Jesus sobre ser perseguida, entregue às autoridades e dar testemunho perante elas, enquanto proclama o Reino por toda parte (Mateus 10:17-20).
Paulo, por sua vez, foi igualmente perseguido pelas autoridades religiosas judaicas, ao ponto de ser preso pelos romanos em razão do tumulto causado por sua presença em Jerusalém. Enfrentou um longo processo, no qual os governadores prepostos de Roma não encontraram nenhum delito civil ou criminal contra ele. Diante das ameaças contra sua vida por parte dos judeus, e tendo em consideração a palavra do Senhor de que ele deveria ir a Roma para pregar, Paulo valeu-se de sua cidadania romana e apelou para ser julgado por César.
Vemos que em nenhum momento Paulo se insurge contra a autoridade de Roma e o domínio imposto a Israel. Na verdade, ele usou as leis e o sistema judiciário romano a seu favor, para evitar ser morto pelos judeus e chegar até Roma.
A postura de Paulo é coerente com o ensino apostólico que ele trouxe à Igreja em Romanos 13:1-7. As autoridades civis e políticas devem ser obedecidas e respeitadas, porque instituídas por Deus. Ele não condiciona essa obediência à concordância com as leis ou decisões editadas, nem a uma discussão sobre sua legitimidade. Trata-se de um princípio que tem a ver com a ordenação de Deus e com o ensino de Jesus: “a César o que é de César”.
Com o mesmo entendimento do Reino de Deus e dos reinos dos homens, também Pedro exorta os irmãos a que sejamos sujeitos a “toda instituição humana, por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades” (1ª de Pedro 2:13-14). Não somos, como cristãos, chamados a discutir modelos de ordenamento do poder político, nem mesmo a legitimidade de qualquer um que esteja sendo exercício. É claro que, na condição de cidadãos, podemos fazer isso, utilizando os meios adequados, mas esse não é um tema da Igreja.
A Igreja não tem um projeto político próprio. Esse é um assunto da sociedade humana. Como cidadãos, podemos e devemos participar e influenciar as ações e decisões que afetam a vida das pessoas, até mesmo como forma de testemunho e de proclamação do Reino de Deus. Podemos usar as leis em defesa de nossos direitos e interesses e devemos fazê-lo em prol dos desvalidos, recorrendo aos tribunais e autoridades.
Mas, como cristãos, só podemos desobedecer às autoridades políticas, aos governantes, e aos juízes quando seus provimentos, leis e decisões contrariarem diretamente a Palavra de Deus, nos ordenando o que Deus nos proíbe ou nos proibindo o que Deus nos ordena.
E a definição desses parâmetros e limites deve ser encontrada estritamente nas Escrituras, não em filosofias, ideologias, teorias ou profetismos.
Finalmente, em sua instrução a Timóteo, Paulo destaca o especial dever de orarmos “em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade” (1ª a Timóteo 2:1-2). Novamente, nenhum condicionamento em função do sistema político ou da correção das ações e leis adotadas.
Igreja, Estado e Sociedade – separação e participação
A partir desses fundamentos bíblicos, gostaria de sugerir algumas conclusões e direções.
No meu modo de ver, a Igreja de Jesus não deve ter uma expressão política nem participar, como tal, das disputas pelo poder. O Senhor não nos deixou projetos de governo, de organização política ou de sociedade.
A Igreja não deve fazer alianças com partidos ou governantes, nem com aqueles dentre esses que se autodenominem cristãos ou prometam paz e tranquilidade aos crentes.
A Igreja, no meu entendimento, não deve nem mesmo assumir posicionamentos públicos em favor de qualquer lado nas disputas pelo poder secular, o que implicaria, por si só, comprometimento do nome do Senhor com causas, projetos e estratégicas que não procedem em si mesmos dos Seus mandamentos e não devem ser confundidos com Seu Reino.
Devemos permanecer, como discípulos e Igreja, dedicados à proclamação do Reino, a fazer discípulos, a edificar o Corpo de Cristo, a amar e servir aos homens, a adorar a Deus e sermos Suas testemunhas.
Certamente que, como cidadãos, devemos participar da sociedade, cumprindo nossos deveres e cooperando com a coletividade, podendo, inclusive, exercermos cargos e funções sociais e políticas que não comprometam nosso testemunho e nossa fé e que possam até mesmo ser oportunidades de serviço e proclamação do Reino. Também devemos nos dedicar especialmente ao socorro aos desvalidos e à defesa dos seus interesses e necessidades.
No âmbito da política, nossa participação como cidadãos e cristãos deve se orientar pela defesa dos valores do Reino de Deus, votando e apoiando candidatos, governantes e agendas que defendam e promovam essas causas, e nos opondo àqueles que tentam levar adiante ideias e projetos maléficos às pessoas e ofensivos ao Senhor.
No entanto, devemos manter clara a diferença entre uma eventual co-beligerância, que nos permite cooperar com propostas e projetos específicos, alinhados com nossa crença, e fazer alianças, expressas ou tácitas, com pessoas, movimentos ou instituições, que nos levariam, fatalmente, a um comprometimento indevido da nossa fé e da nossa lealdade ao Senhor. Não podemos nos encontrar numa posição divididos entre dois senhores, nem envolver o nome de Jesus em causas e questões que não pertencem à Igreja.
É igualmente necessário ter clareza quantos aos limites da ação social e política. Bons governantes e boas leis nunca impediram as pessoas de praticarem o mal, não as livram do inferno, não as conduzem ao Reino. Apenas são úteis como contenção dos excessos da injustiça e da maldade, para que a vida em sociedade seja possível. Este é, sem dúvida, um bom propósito pelo qual devemos lutar, mas sabemos que isso não cumpre a vontade de Deus para as pessoas, e não deve nos desviar do nosso chamado como discípulos, que atentará sempre para a eternidade.
Assim, é imperioso separar criteriosamente, com base na Palavra de Deus, os temas que pertencem a Igrejadaqueles que são próprios de outros contextos da vida social, como a economia, a ciência e a política, para não confundirmos as coisas de César com as de Deus e não comprometermos nossa lealdade absoluta ao Senhor.
Temas que pertencem à Igreja são aqueles sobre os quais temos palavra, mandamento ou instrução do Senhor ou dos Apóstolos, conforme as Escrituras.
Com isso não estamos de modo algum sugerindo que não possamos, como cristãos, conversar sobre qualquer assunto e mesmo trazer aos irmãos conselhos ou orientações sobre situações da vida comum, de acordo ou que não colidam com os ensinamentos bíblicos.
O que nos parece, no entanto, absolutamente necessário é deixar claro que essas questões que não pertencem à Igreja, porque não estão tratadas no escopo das Escrituras do Novo Testamento, não podem ser matéria de ensino, doutrina ou pregação, e que a fronteira entre o que é Palavra revelada e o que são conceitos e ensinamentos humanos deve ser vigiada e mantida, inclusive para que se possa discernir eventuais profecias, posicionamentos e sugestões de conduta.
O tempo presente: política e pandemia no Brasil
O Brasil e o mundo vivem uma situação extremamente grave com a pandemia provocada pelo novo corona vírus. Ainda agora, mais de um ano depois do seu início, as autoridades sanitárias, os cientistas e os governantes do Planeta não têm conseguido debelar as contaminações e mortes por ela provocadas, com graves danos às pessoas e às sociedades.
Várias providências sanitárias, medicamentos e estratégias têm sido tentadas, e muitas polêmicas técnicas, científicas, ideológicas e políticas surgiram por todo o mundo em relação a sua eficácia e propósitos.
Tratamentos, protocolos, isolamento social, distanciamento, lockdowns, vacinas, uso de máscaras e outras medidas sanitárias são adotadas pelos governos dos diversos países na tentativa de controlar a expansão do vírus e vencer a doença, ponderados seus impactos na economia e na subsistência das pessoas. E, sem dúvida, interesses econômicos, motivações ideológicas e projetos de poder político se movem e tentam ganhar espaços nessas condições.
Ainda que nós, cristãos, sejamos, juntamente com as demais pessoas, profundamente atingidos por essas medidas, no meu entendimento, não cabe à Igreja se pronunciar sobre questões médicas e científicas, nem sobre as determinações das autoridades responsáveis pelas decisões de governo e judiciais.
Não são temas da Igreja a eficácia de remédios, de protocolos de tratamento ou de estratégias de contenção da praga, e nem a legalidade de decisões dos juízes e autoridades.
É muito perigoso e equivocado, do ponto de vista bíblico, elevar à condição de doutrina ou de posicionamento de fé aquilo que não está expresso nas palavras de Jesus ou dos Apóstolos.
A fronteira entre a Igreja e o Estado deve ser traçada com base exclusivamente na Palavra de Deus, mantida livre de influências e contaminações ideológicas e políticas.
Se não tivermos clareza quanto a esses limites, se admitirmos critérios outros que não a Palavra para orientar a vida da Igreja, podemos logo nos ver enredados em alianças, comprometimentos e projetos que não nos foram ordenados pelo Senhor, com o risco de sermos achados negligentes quanto a nossa vocação e missão.
Como cidadãos e, eventualmente, como técnicos ou cientistas, podemos, certamente, ter opinião e nos expressarmos pelos meios disponíveis contra ou a favor de decisões das autoridades.
No entanto, como cristãos devemos obedecer aos provimentos e determinações dos governantes e dos tribunais, a não ser que nos mandem fazer o que Deus nos proíbe ou nos proíbam de fazer o que Deus nos ordena.
Se alguém acha que uma ordem é ilegal ou que uma lei é inconstitucional deve usar os recursos disponíveis junto às autoridades e tribunais para levar esses questionamentos. A meu ver, a Igreja não é o lugar para essa discussão e isso não deve se tornar tema de pregação, pronunciamento, conselho ou direção apresentados como em nome de Jesus!
Não creio que nossas discordâncias nessas questões possam ser bases para a desobediência às autoridades, para manifestações políticas alegando posições de fé ou para a adesão a movimentos que têm objetivos próprios, diferentes daqueles do Reino de Deus, ainda que possamos concordar com alguns dos seus aspectos ideológicos e dos seus objetivos para a sociedade.
No meu entender, as providências adotadas pelas autoridades no Brasil são semelhantes àquelas tomadas pelos dirigentes políticos de todo o mundo e não são dirigidas a um grupo ou segmento social específico. Os eventuais conflitos entre as autoridades ou entre estas e os cidadãos devem ser resolvidos pelos canais e mecanismos instituídos para esse fim, dentro do nosso sistema político e constitucional.
Como cidadãos certamente podemos ter opinião e divergir. Como cristãos devemos obedecer às leis e às decisões das autoridades enquanto não colidirem com nossa fé.
Como entendo, nenhuma das determinações e provimentos até aqui emitidos pelas autoridades públicas dos diversos Poderes e esferas de governo no Brasil atinge especificamente a Igreja ou afronta a fé cristã. São impostas a todos e dificilmente poderiam ser consideradas como perseguição aos cristãos, uma vez que submetem quaisquer cidadãos e grupos sociais, independentemente de suas crenças ou posicionamentos políticos e ideológicos.
Quando chegarmos no nosso País a uma condição de termos que enfrentar governos que constranjam nossa fé, e, talvez, isso ocorra proximamente, que o Senhor nos dê graça para sermos fiéis a Ele e levarmos até o fim o cumprimento dos mandamentos que nos deixou, enfrentando a morte, se necessário: “a Deus o que é de Deus”.
Enquanto isso, ainda que possamos perceber que caminhamos rapidamente na direção de um desfecho da história humana como predizem as Escrituras, não estamos legitimados a descumprir o claro ensinamento de Jesus e dos apóstolos quanto ao relacionamento entre Igreja e política, sob pena de estarmos fazendo exatamente o que o Inimigo quer: levar o conflito entre luz e trevas para seu próprio reino e domínio, isto é, a disputa pelo poder secular.
Que o Senhor, no dia da Sua manifestação, não nos encontre ocupados e embaraçados com questões científicas, sociais, ideológicas ou políticas sobre as quais não temos mandamento da parte d’Ele. Ao contrário, sejamos achados vivendo piedosamente, edificando Sua Igreja, amando uns aos outros e aos homens, proclamando o Seu Reino a nossa geração e fazendo discípulos por toda parte.
Ainda mais nestes tempos de angústia e desesperança, de iniquidade e de perversão, de confusão e opressão, a Igreja deve ser sal e luz para todos, socorrendo aos aflitos, pregando aos perdidos, acolhendo aos desvalidos.
Olhar apenas para Jesus, para seus mandamentos, fundamentar-se no Seu ensino e na doutrina dos Apóstolos, seguir seu exemplo e modelo, cumprir a missão até o fim.
Que a suficiente graça de Jesus seja com todos.
Seu conservo,
Fernando Saboia Vieira
Brasília, abril de 2021, AD
Nenhum comentário:
Postar um comentário