“Felizes os misericordiosos”
Fernando Saboia, outubro/novembro, 2023, AD
Queridos irmãos e irmãs, companheiros de jornada,
Compartilho com vocês uma breve meditação sobre um tema infinito: a misericórdia de Deus.
“Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre”
(Salmo 106:1; Salmo 118:1; Salmo 136:1)
“Aleluia! Deem graças ao Senhor, porque ele é bom e o seu amor dura para sempre”
(Salmo 106:1, NVI)
“Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”
(Mateus 5:7)
Jesus disse que a felicidade e recompensa dos misericordiosos é a própria misericórdia que eles alcançam.
O Senhor também deixou claro, mais de uma vez, que a essência da Lei não era o mandamento ou o sacrifício, mas a misericórdia e o conhecimento de Deus (Mateus 9:13; 12:7; 23:23).
Conhecer a Deus é conhecer a sua misericórdia, pois sem ela nunca poderíamos dele sequer nos aproximar, quanto menos conhecê-lo e amá-lo. Nada podemos saber sobre a verdade, a justiça, a sabedoria e a santidade do Senhor se não experimentarmos, em nossa própria vida, a sua misericórdia.
Esse é o fruto de uma genuína busca e espera em Deus. Thomas Merton escreveu”
“Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos nas nossas vidas a sua misericórdia”
(Merton, Homem Algum é uma Ilha)
Nas palavras do Senhor, por meio do seu profeta:
“Mas o que se gloria, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado”
(Jeremias 9:24)
Somente por causa da eterna e continuamente renovada misericórdia de Deus é que não somos consumidos por nossas dores, aflições, culpas e pecados. Ao contrário, somos chamados, recebidos, acolhidos, perdoados, transformados, amados.
“As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã”
(Lamentações 3:22-23)
Num mundo cada vez mais caótico e inseguro, numa geração que tem perdido seus valores, significados e propósitos, nossa esperança tem um fundamento eterno e inabalável: a misericórdia de Deus sempre renovada a nosso favor
Para sermos atingidos, sustentados e transformados pela misericórdia de Deus, manifestada, especialmente, na salvação pela graça, por meio de Jesus, temos, nós também, que sermos misericordiosos uns para com os outros.
A misericórdia é um movimento da alma, um fluir, um pulsar contínuo. É uma maneira peculiar de enxergar e de sentir as pessoas com os olhos e o coração de Deus, permitindo que seu amor perdoador, salvador, acolhedor e transformador as atinja por meio de nós.
Enquanto o perdão considera comportamentos, ações, palavras e disposições ofensivas a Deus, a misericórdia considera a deplorável condição da pessoa sujeita à miséria e escravidão do pecado e aos sofrimentos de uma existência sem sentido e sem esperança.
Jesus se compadecia dos pecadores, sofria junto com eles. Ele não viera para julgá-los e condená-los, mas para salvá-los e pastoreá-los.
Assim como as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã a nosso favor, também nós precisamos renovar continuamente a nossa misericórdia para com os outros.
Isso implica, entre outras coisas, ao final de cada dia, zerarmos a contabilidade de erros e pecados que muitas vezes mantemos em relação às pessoas por meio da graça e do perdão, de modo que cada novo alvorecer sempre nos encontre cheios da misericórdia recebida do Senhor para reparti-las com todos.
A misericórdia é um componente essencial do amor de Deus. Por isso o termo hebraico usado nos Salmos por vezes é traduzido dessa forma – o seu constante amor.
Deus ama e seu amor faz com que Ele se mova a favor das suas criaturas, ainda que perdidas no pecado e na rebeldia. Deus ama e seu amor não pode se esgotar ou mudar porque é essência do que Ele é, e a misericórdia é intrínseca a esse amor.
A misericórdia humana, muitas vezes, se alimenta de um sentimento de compaixão pelas pessoas que consideramos estar em situação mais difícil do que a nossa. Essa é uma disposição nobre e louvável.
No entanto, a misericórdia que procede de Deus fundamenta-se no reconhecimento de que nós todos compartilhamos das mesmas carências e debilidades essenciais e de que dependemos, igualmente, do socorro e da graça do Senhor.
A encarnação do Verbo foi um ato supremo da misericórdia de Deus, que teve que se fazer homem para participar das nossas dores, provações e aflições e, assim, nos alcançar e salvar.
Do mesmo modo, para exercermos misericórdia para com os outros, precisamos ter esse mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus e nos esvaziarmos de nós mesmos para encontrá-los no compartilhar de suas necessidades e sofrimentos.
“pratiques a justiça e ames a misericórdia”
(Miquéias 6:8).
A misericórdia não pode ser confundida com complacência nem deve ser desconsiderada em nome da justiça.
Todas as virtudes de Deus, sua santidade, sabedoria, verdade, justiça, amor, são iluminadas por Sua misericórdia. Sem ela não poderíamos conhecer a Ele a seu caráter, não seríamos beneficiados por seus feitos e obras, permaneceríamos perdidos em trevas e sofrimentos, mesmo vida mais cheia de prazeres neste mundo
“Qual parece ter sido o próximo...? ... O que usou de misericórdia para com ele ... vá e faça o mesmo”
Lucas 10:36-37
“O que torna agradável o homem é a sua misericórdia”
(Provérbios 19:22)
A misericórdia é o que nos torna próximos uns dos outros. A falta dela sempre nos afasta. Sem misericórdia a barreira de inimizade erguida pelo pecado entre as pessoas se torna intransponível.
Sem ela, nunca atentaremos para a dor e o sofrimento dos outros, sempre estaremos voltamos nossas próprias dificuldades, propósitos, preocupações ou satisfações. Passaremos, sempre, ao largo dos aflitos a quem o Senhor quer socorrer.
Quando exercemos misericórdia nos vemos na mesma condição daquele que está ferido, despojado, abandonado, ainda que por causa de suas próprias escolhas, pois sabemos que é a graça do Senhor que nos proporciona tudo o que temos e desfrutamos, e que, sem ela, nada faz sentido ou tem valor para nós.
A falta de misericórdia nos torna pessoas, desagradáveis, intransigentes, impacientes, legalistas, egocêntricas, egoístas, opressivas, conflituosas, desassossegadas consigo mesmas, com os outros e com o mundo.
Sem misericórdia a justiça se torna opressão; a força, violência; a verdade, arma de destruição; o conhecimento e a sabedoria, instrumentos de dominação. Sem ela, a santidade produzirá anjos caídos e fariseus hipócritas, e não filhos de Deus e discípulos de Jesus.
Sem misericórdia facilmente nos tornamos acusadores e juízes,
A misericórdia nos faz acolhedores, afáveis, benignos, protetores, companheiros de jugo, canais do amor de Deus, instrumentos de sua justiça, da sua graça, promovedores da paz.
Apenas a misericórdia pode nos tornar pessoas autênticas e íntegras, apesar de nossos defeitos e pecados, nos proporcionar relacionamentos verdadeiros e significativos, apesar dos defeitos e pecados do outros.
Quando a iniquidade aumentar a níveis intoleráveis e a injustiça, a opressão, a perseguição, a violência e as guerras dominarem a Terra, quem ainda manifestará ao mundo a misericórdia de Deus, que chama ao arrependimento, à conversão e à eternidade? Nos perderemos em meio aos conflitos e temores ao ponto de não mais estendermos a mão ao perdido e mesmo ao inimigo?
Se a Igreja de Jesus deixar de ser encarnação e canal da misericórdia de Deus se tornará irrelevante para sua geração. Padecerá de suas mesmas dores e enfermidades de alma, sem esperança e sem alegria.
Esse é, certamente, um caminho de cruz, renúncia e negação de si mesmo. E, por isso mesmo, é, também um caminho de alegria, de consolo, de transformação pessoal e de felicidade.
É discipulado de Jesus, imitação de Cristo, imagem de Deus, manifestação do Espírito Santo.
“Sua Misericórdia. A misericórdia de Deus está acima de todas as Suas obras e acima das nossas. Ela é maior do que a criação e maior do que os nossos pecados.
Como Sua majestade, assim é Sua misericórdia: sem medidas e sem regras, assentada nos céus e enchendo todo o mundo, convocando ao serviço para que Ele possa abençoar, criando o homem para salvá-lo, punindo-o para preservá-lo.
A justiça de Deus se curvou diante de Sua misericórdia, Sua onisciência se converteu em cuidado e Sua vigilância em providência e atenção em socorro do homem.”
(Jeremy Taylor, 1613-1667)
“Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre”
(Salmo 106:1; Salmo 118:1; Salmo 136:1)
A misericórdia de Deus é eterna. Ela não se limita aos fatos e acontecimentos deste mundo e desta vida. O humanismo removeu todos os pontos fixos e seguros do conhecimento e dos valores e esta geração tem sofrido com o caos e insegurança decorrentes disso.
Enfrentamos doenças, conflitos, guerras, intempéries, tragédias naturais e humanas e não encontramos respostas, soluções ou seguranças nas ciências, na política, na economia, nos líderes e influenciadores.
A misericórdia do Senhor é um dos pontos fixos e seguros no universo. Ele está assentado na eternidade, no coração e na mente de Deus. Não está sujeito aos desfechos das tramas e dramas deste mundo humano.
Quando nos aquietamos e meditamos na misericórdia do Senhor nas nossas vidas podemos perceber que ela é um componente essencial no tear da justiça e do amor de Deus e que ela permeia, aproxima, dá consistência e beleza a nossa existência.
A misericórdia de Deus é o elemento muitas vezes invisível e incompreendido de seu caráter e ações que conduz a própria história humana na direção de sua vontade e propósito eternos.
“... segundo a graça que nos foi dada ... quem exerce misericórdia (faça) com alegria”
(Romanos 12:8)
A misericórdia é também um dom do Espírito Santo, e deve ser exercida, no meio da Igreja, com alegria. Ela não pode nos ser motivo de peso e sofrimento. Ao contrário. Quando atendemos alguém e participamos de suas lutas e dores somos nós também consolados e edificados com o socorro e favor do Senhor.
A misericórdia nos faz verdadeiramente membros do mesmo Corpo, participantes da mesma vida. Ela dá sabor, aroma e prazer à nossa comunhão em Cristo.
Assim, queridos companheiros e companheiras de jornada,
“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados de ternos afetos de misericórdia...”
(Colossenses 3:12, ARA)
Que suficiente e misericordiosa graça de Jesus seja com todos.
Seu conservo e companheiro de jornada,
Fernando
Brasília, DF, 19/11/2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário