sábado, 20 de junho de 2020

Fome e sede de justiça - Sermão do Monte na Pandemia

Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça 
porque eles serão saciados

Mateus 5:6

         Queridos irmãos e irmãs, companheiros de jornada,

         Nesses nossos dias conturbados, muitos estão a clamar nas ruas e redes sociais por justiça. Mas que justiça querem? A da punição do mal? Mas a que mal se referem? O mal que está nas leis e instituições sociais? O mal que sempre atribuímos aos outros e nunca enxergamos em nós mesmos? Uma justiça que coincide talvez demais com nossos próprios interesses e conceitos?

         Encontramos no Sermão do Monte mais essa ousada proclamação de Jesus: 

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, por eles serão saciados”

A que justiça Jesus se refere? Será a mesma reclamada por tantas pessoas exaltadas nessa crise que vivemos? Como essa justiça do Senhor prevalecerá? Quem fará isso? Por que são felizes os que anseiam por ela?

         Essa bem-aventurança, vale lembrar, vem logo após a dos mansos. Devemos ter em mente que as bem-aventuranças não se referem a grupos distintos de pessoas, mas a características comuns todos os discípulos de Jesus.

         Assim, os humildes de espírito são também os que choram, são mansos, têm fome e sede de justiça, são misericordiosos, puros de coração, pacificadores e perseguidos.

         Quando Jesus fala sobre os que têm fome e sede de justiça, Ele não está apontando para uma “classe oprimida” ou para pessoas que sofrem situações peculiares de injustiças. Ele não está se referindo a alguma concepção de justiça social, econômica ou política. Jesus está, na verdade, proclamando a justiça de Deus, a ser buscada e vivida no Seu Reino agora inaugurado.

         Desde o Velho Testamento, encontramos nas Escrituras um conceito de justiça que tem como fundamento o caráter do próprio Deus, Sua santidade, equidade, misericórdia. Os justos, no sentido bíblico, são aquelas pessoas que têm um relacionamento correto com o Senhor, com os outros e com a vida.

         Ao lermos hoje o Sermão do Monte, temos que ter muito cuidado para não darmos às palavras de Jesus uma conotação estranha ao contexto em que Ele as pronunciou e assim atribuirmos a elas um sentido impróprio e distorcido. Não se pode transpor o que o Senhor diz sobre justiça diretamente para o ambiente moderno da chamada luta de classes ou tentar enquadrá-las nos conceitos atuais de justiça social, de igualdade, de defesa de minorias etc.

         Também não podemos nos dar a liberdade de usarmos nossa própria noção de justiça, como se essa fosse uma palavra fosse aberta, sem conteúdo e significado determinados na mente do Senhor. Na verdade, esse era um tema comum de discussão entre os judeus daquela época e mesmo para os filósofos gregos.

         O que significa justiça e como ser justo é um dos temas dominantes do Sermão do Monte, e nessa Sua pregação o Senhor dá uma nova dimensão própria e profunda a esse conceito, levando-o muito acima das concepções, religiosas, filosóficas e culturais da época. É dessa justiça que devemos ter fome e sede e é na sua busca que há uma bem-aventurança. 

Não a justiça humana, social e política. Não aquela concebida por uma religião centrada no homem, nos seus preceitos e regras. Não a nossa própria justiça. Não a justiça dos que querem apenas reparação e vingança de danos e males sofridos. Mas a justiça do Reino, cheia de verdade e de misericórdia, ministrada pelo único Justo.

É por causa da falta dessa justiça de Deus que os homens sofrem e o mundo padece. Porque as pessoas não têm um relacionamento correto com o Senhor, elas oprimem, abusam, agridem, são injustas, egoístas, violentas. As autoridades e os poderosos agem assim, mas também o fazem os cidadãos comuns em suas relações privadas. 

Nossa sociedade está cheia de injustiças e nós, como discípulos de Jesus, não podemos ser indiferentes a isso, como não o foram os profetas de Deus no Velho Testamento, os quais, em muitas ocasiões, denunciaram a opressão dos ricos, dos governantes e dos violentos e a iniquidade das pessoas nos seus relacionamentos com o Senhor e uns com os outros: roubos, adultérios, homicídios, injustiças, desamparo dos necessitados, leis injustas, ganância, ostentação, exploração dos fracos. 
         Contudo, não faziam isso em nome de um ideal humano ou social de justiça. Profetizavam contra essas coisas em o nome de Deus, porque elas afrontavam ao Senhor, Sua Santidade e Misericórdia.

Queridos irmão e irmãs, a justiça só pode ser exercida por pessoas justas. Não por estruturas sociais. Não por leis. Não por ideologias ou instituições. É certo que, a depender do conceito de justiça que se adote, é possível dizer se uma lei ou política social tende a produzir justiça ou não. Mas, mesmo a melhor lei e a melhor política tenderão a produzir injustiça se forem aplicadas e operadas por pessoas injustas.

O homem moderno desistiu de buscar ser justo porque, ao rejeitar Deus de princípio, rejeitou o único fundamento possível para a justiça. Assim, a sociedade transferiu para leis, estruturas, instituições e ideologias a busca por algum tipo de justiça que, todavia, será sempre relativa e questionável em seus preceitos e aplicações, focada em determinadas classes, pessoas ou valores particulares, e que dificilmente pode será generalizada e requerida de todos.

Mas qual é essa justiça a que Jesus se refere, cuja fome e sede serão saciadas por promessa e intervenção do próprio Senhor em Seu Reino?

Temos, em verdade, uma bela, viva e confrontadora descrição dessa justiça nas palavras do Senhor no próprio Sermão do Monte.

Jesus disse aos seus discípulos que a justiça a ser intensamente buscada e deseja por eles deveria “exceder em muito” a dos religiosos da época, e que sem essa justiça eles não poderiam entrar no Reino dos Céus.

Assim, ter fome e se de justiça é ter fome e sede do Reino de Deus. É ter fome e sede de Deus!

Mas que justiça é essa? Quem são os justos que entrarão no Reino dos Céus?

Os justos, segundo Jesus, buscam a reconciliação e não o conflito, não rejeitam as pessoas. Os justos não guardam intenções impuras no coração. Os justos são verdadeiros em suas palavras. Os justos não se vingam, mas dão a outra face e andam mais uma milha com seus ofensores e opressores. Os justos amam os seus inimigos e fazem o bem aos que lhes fazem o mal. Os justos não exercem sua justiça diante dos homens para serem por eles louvados, mas, sim, em secreto, pois buscam apenas a recompensa do Pai que vê em secreto.

Queridos irmãos e irmãs, devemos ter fome e sede dessa justiça, desse Reino, desse Deus. É a falta dela em nós e nas pessoas que tem levado este mundo ao presente estado de caos, males, opressões, violências, ódios e toda sorte de injustiças.

Todavia, essa busca intensa só fará sentido se começar primeiro dentro de mim e dentro de cada um de nós. Dessa maneira seremos, afinal, bem-aventurados. É a palavra de Jesus.

Seu conservo e companheiro de jornada,

Fernando Saboia Vieira


Brasília, em junho de 2020, AD.

Sermão do Monte na Pandemia.




         

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Salmo 27

Busquem a minha Presença – Salmo 27

(Fernando Saboia Vieira)



Queridos irmãos e irmãs, companheiros de jornada,


Nos momentos críticos e decisivos da vida, como esses que vivemos na presente calamidade que a todos nos atinge, é normal que estejamos sempre a calcular, de um lado os perigos, riscos e adversidades e, de outro, certezas, recursos, seguranças, ajudas.
O Salmo 27 nos coloca de início essas perguntas: Quem ou o que tememos? Em quem ou em que confiamos?
Conhecemos o Senhor e dizemos que nossa confiança está n’Ele, mas o quanto o nosso coração se encontrarealmente acalmado e cheio de paz, esperança e segurança em Deus?
É Ele nossa luz e salvação, a fortaleza da nossa vida? Nada tememos e tudo confiamos n’Ele?
Talvez, no meio da ansiedade gerada pela crise e pela tribulação, a realidade da Presença e do socorro de Deus se revele como uma verdade em que cremos, mas não como um desejo profundo, como uma súplica e uma busca intensa do coração. Não como uma experiência viva e real capaz de trazer paz, confiança, esperança e alegria nessa difícil situação.
Como Davi, nessas circunstâncias de perigos e de adversidades, não devemos buscar refúgio, segurança e socorro em riquezas, armas, conhecimentos, recursos humanos ou aliados poderosos e, sim, pedir e buscar a Presença de Deus: “Uma coisa pedi ao Senhor, e buscarei, que eu possa morar em sua Casa todos os dias da minha vida”!

Há coisas que apenas pedimos ao Senhor e esperamos. Há coisas, no entanto, que ao pedido por elas deve se seguir uma busca intensa por elas! Assim é o Reino. Jesus nos ensinou a orar pedindo para que venha o Reino, mas também nos exortou a buscá-lo em primeiro lugar! E assim também é como a Presença de Deus: precisamos pedir por ela e buscá-la.
Nós, os que pedimos a Presença de Deus, nós a buscamos? A sinceridade do nosso pedido pode ser avaliada pela intensidade da nossa busca!
Onde é a “Casa do Senhor” e como se pode morar nela todos os dias da vida?

Penso que a Casa do Senhor a que o salmista se refere é o lugar da comunhão íntima e contínua com o Pai; a atenção constante à Sua Presença e Realidade em todo lugar a todo tempo; é a permanência na Palavra, que flui viva e comunica a vida, o caráter e a verdade de Deus; é o andar no Espírito, que conversa com o nosso espírito momento após momento.
Morar na Casa do Pai todos os dias é estar em Sua Presença e companhia constantes, como de uma pessoa amada de quem sentimos saudades quando não a temos conosco: nosso amor e nosso desejo de estar com ela fazem com que sua presença seja viva e constante para nós. Dizemos; “Penso nela o dia interior, mesmo quando estou fazendo minhas tarefas e envolvidos com minhas preocupações”.
Caros, temos que amar a Deus ao ponto de ter saudades de Deus. Na linguagem do Salmo 42, suspirar por Ele como alguém sedento suspira por água.
No Salmo 27 Davi se refere a duas veredas ou duas dimensões dessa busca e experiência da Presença do Senhor: a contemplação e a meditação.
Podemos, no entanto, perguntar: Como contemplar a beleza do Deus invisível?
Contemplar é “ver”, perceber com a alma. É entrar em contato, em relacionamento direto, inclusivo e participativo com a Presença e a realidade de Deus e ser por elas envolvido, atravessado, enchido e elevado. É amar além dos gestos e palavras.
Um exemploPosso ver uma paisagem e apreciar sua beleza. Posso meditar nela e considerar aspectos, nuances, características, harmonias, cores, sons, aromas. Contemplar é me tornar parte dela, ser abrangido, incluído, envolvido por ela. Não mais vejo e analiso: apenas admiro, me maravilho, experimento e me integro.
É importante que se diga que contemplar não é entrar em êxtase, embora isso possa raramente acontecer. É simplesmente participar da Presença e realidade de Deus.
Com seus olhos e entendimento humanos e naturais, Davi podia ver os inimigos e perigos à sua volta e avaliar os riscos, a força e a malignidade deles e considerar as dificuldades das circunstâncias em comparação com seus próprios recursos e capacidades. Ao contemplar a beleza do Senhor em Sua Casa ele pôde perceber e experimentar Sua Presença e realidade vivas, poderosas e amorosas. Nisso ele encontrou descanso, esperança e confiança.
Como meditar? Principalmente, meditar na Palavra do Senhor, que nos revela e nos transmite Sua vida, Seu caráter, Sua natureza, Seu propósito, Sua misericórdia, Seu poder e Seu amor.
Onde é o “seu abrigo”? O “interior do seu tabernáculo”? A “rocha elevada”? Como Ele me oculta, me acolhe e me eleva?
Evidentemente, não são esses lugares físicos, mas metáforas que falam de lugares e realidades espirituais que não estão condicionadas ou limitadas ao tempo, ao espaço, às circunstâncias, às possibilidades naturais e humanas.
Matheus, meu neto de 3 anos, gosta muito de esconderijos e lugares secretos, onde brincamos de nos esconder e nos proteger dos inimigos. Mas o lugar secreto seguro do Matheus é o amor das pessoas que cuidam dele. E ele sabe disso. É para lá que ele corre quando o perigo é verdadeiro. Assim devemos ser nós para com Deus nosso Pai.

Quais devem ser os sacrifícios e a linguagem nesse Tabernáculo secreto? Sacrifícios de louvor, cânticos e salmos ao Senhor. Não murmurações, críticas, reclamações. Não disputas, conflitos, “guerras de narrativas”, mentiras, fake news. Não “profetadas”, elaborações teológicas comprometidas e contorcionismos doutrinários. Não avalições de cenários e análises de conjunturas. O que deve reverberar nesse lugar santo é a exaltação da beleza da santidade do Deus vivo.

Essa atitude de desejo e de busca intensa da Presença se expressa nas palavras do salmista, numa súplica, num apelo à misericórdia de Deus: “Responde-me! Não se esconda de mim!”.
Como o Senhor respondeu a esse pedido? Disse Davi: “Ao meu coração me ocorre: busquem a minha presença”.
Deus se revela e fala no Seu Templo, que é o coração do homem, lugar de Sua especial habitação. Ele está em toda parte e se expressa em tudo o que criou, mas Ele fala de modo especial conosco porque somos seres pessoais, conscientes, dotados de alma, animados pelo sopro do seu espírito – criados à Sua imagem e semelhança para nos relacionarmos com Ele.
Deus é encontrado por aqueles que O buscam! Mas quem está perdido não é o Deus “escondido”, mas sim o homem que O procura. Assim, buscar e procurar a Deus é buscar e procurar o caminho de volta ao lar perdido, é buscar e procurar a si mesmo. Só não estarei mais perdido quando eu for recebido em Casa, pelo abraço do Pai.
Mas não posso encontrar e percorrer esse caminho a não ser que o Senhor mesmo o ensine a mim e Ele mesmo me conduza por uma vereda plana.
“Voz do que clama no deserto; preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus”, disse Deus por meio do seu profeta Isaías (Is 40:3).

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, disse o Senhor Jesus (Jo 14:6).

Assim, Deus mesmo providenciou para que o caminho fosse preparado e Ele mesmo se tornou o Caminho!
Jesus é a resposta e a providência de Deus ao clamor da alma que O busca. Nele somos acolhidos, escondidos, abrigados.
Nele encontramos segurança, esperança e paz.
Ele é a Rocha Eterna, por Ele temos acesso ao Santuário Santíssimo, Ele nos conduz ao abrigo da Casa do Pai onde somos recebidos e supridos.
Perante Ele nossos adversários recuam e por Ele são derrotados definitivamente.
Ele é a nossa esperança de que veremos “a bondade do Senhor na terra dos viventes”.
Irmãs e irmãos queridos, esperem no Senhor.
Animem-se. Fortifique-se o coração de vocês e esperem no Senhor.

Ora, Ele não tardará. Em breve aquele que vem virá.
Venha, Senhor Jesus!

Seu conservo e companheiro de jornada,

Fernando