Ciclos das Terras dos Mundos e dos
Sentimentos
Ciclos
não são repetições, meros retornos ao mesmo tempo, lugar e estado. Ciclos são
reencontros, revisitações, retraduções, curvaturas da vida sobre si mesma,
dobraduras do tempo e do espaço nos caminhos da eternidade e do infinito.
Ciclos são fins que se tornam começos e começos que se tornam chegadas em novas
terras, mundos e sentimentos no inesgotável fluir criador e criativo de Deus.
Ciclos
envolvem todas as coisas, pensamentos, histórias, sonhos, emoções, razões,
façanhas e fracassos, e fazem com que todas se toquem, se interpenetrem, se
reencontrem, se reinterpretem, revelando a profunda simplicidade que abraça as
infinitudes da Realidade e da Presença.
Meus
ciclos, narrados em crônicas poéticas, minhas luzes, minhas trevas, minha
jornada, minha solidão de tudo e minha comunhão com tudo o que também cicla
comigo, em mim e à minha volta.
Brasília,
últimos dias do ano da Graça de 2017.
Fernando, como Fernando
Sabóia, como Elias
Vieira, como Dídimo
Ciclos
Rever os ciclos
Viver as formas
Pensar o ar
E flutuar na música
Que ele leva
Vivemos a voltar
De onde viemos
Onde nunca estivemos
O medo de ir
Mas o sonho de viajar
A tentação de ficar
Mas o desejo de fluir
- Eu vi um
pequeno esquilo tentando atravessar uma avenida larga e movimentada, a ir e
voltar, sem saber mais de onde vinha nem para onde ia...
A música
A música me
levou
E me trouxe
Me fez voar
levemente
Me fez andar
calmamente
Me contou
histórias
Dos silêncios
eternos da criação
Antes da Voz
tudo despertar
Sentidos
semearam palavras
No silêncio e no
coração
E ainda vou ter
que as seduzir
Até que aceitem
minhas mãos
E meus lábios,
Até que seu
sentido, som e silêncio
Se encontrem
Em letra e
melodia
A voz
A voz
Na escuridão
É luz
Que não se vê
A voz
No deserto
É caminho
Que não se faz
A voz
Na minha alma
Escura, deserta
É luz e é
caminho
Que não vejo
Que não faço
A voz cria
A voz ilumina
A voz desperta
A voz conta
histórias
De antes dos
começos
E de depois dos
fins
O tempo
Por um
brevíssimo
Momento
Eu entendi o
tempo
Mas o tempo
Não fica aí
parado
Para a gente
olhar bem
Para ele
Sei que o tempo
É o ser e o não
ser e o vir a ser
Encontrados
E separados
Eu sei porque
vi...
Café da manhã
A bebida quente
na manhã fria,
Nas mãos que
seguram a caneca,
Nos lábios que
tocam o sabor,
No corpo que se
acalma com o calor.
O sol apenas
timidamente atravessa as nuvens pensativas
E deixa o tempo
úmido, lento...
Poucos
passarinhos se atrevem na chuva fina
E a cidade
parece mais distante, menos agitada...
Tudo me envolve,
tudo me enche
E percebo, me
integro,
Conheço, sou
conhecido
Recebo, sou
recebido
Na Presença e na
Realidade
Que finalmente
compreendo
Como um só
existir
Um só respirar
Um só mover
A razão de todas
as coisas, horas e ciclos,
O sentido de
todos os seres e palavras,
A glória de
todas as estrelas e astros,
A vida, o dom
precioso da vida
Amar com o amor
do Amado
Viver a vida no
Amado
Aqui mesmo, enquanto vivemos
Nos ciclos das
águas
E dos ventos
No revolver das
entranhas da terra
No nascer e no
morrer
Em tudo, em tudo
flui o Espírito
No ser eterno de
Deus
- Na ciclagem
dos motores aflitos
Na tosse rouca
das máquinas engripadas
Nos mundos
inquietos do construir e do destruir
Em tudo, a
agonia dos homens
Na luta contra o
caos e o nada
Eu caminho no
planeta
Que gira e
orbita uma estrela morna
Que viaja numa
galáxia retorcida
Que corre
alucinada
Num universo que
passeia
Ninguém sabe por
onde...
Não gosto
Sei que se pode amar
Sem paixão
Mas não gosto
Sei que se pode
comer
Sem feijão
Mas não gosto
Sei que se pode
viver
Sem viajar
Mas não gosto
Sei que se pode
pensar
Sem emoção
Mas não gosto
Estranho amor
Estranho amor
Que mais ama
O menos amável
Que mais busca
O menos
encontrável
Que mais vê
O menos visível
Estranho amor
Que mais me quer
Quando menos eu
me quero
Que mais me
encontra
Quando mais eu
me perco
Estranho amor,
infinito amor
Na minha
estranha vida
Na minha ínfima
vida
Buscada,
encontrada
Para ser sempre
por Ti amada
Ciclo de presença e de ausência
Um pouco
distante
É verdade
Mas também
inexplicavelmente
Sereno
Completamente
Ausente
Estou fora de
tudo
De mim e do
mundo
Totalmente
Presente
Estou dentro de
tudo
De você e do mundo
Sentimentos que
tive
E perdi
Palavras que
nunca encontrei
E levo comigo
Calados,
eloquentes
Ciclos da vida e do tempo
I
Um pouco de
solenidade
Nos gestos
comuns da manhã:
Escovar os
dentes
Sentir a água
morna do banho
O primeiro toque
ameno do dia
O ritual do nó
da gravata
A primeira
lembrança da lida
Demorar um pouco
mais
Ao olhar e ver
pela janela
O sol que se
levanta
Iluminando a
chuva que cai
Fazendo brilhar
– e desaparecer –
O orvalho da
madrugada
Como inspiração
de viver
Os ciclos da
eternidade
Um pouco de
suavidade
Nas primeiras
palavras
Um certo
respeito ao silêncio
Como busca de
uma atenção
Mais clara, mais
admirada
À consciência da
Presença
II
Meus passos
andam sozinhos
Nos salões e
túneis
Por onde o tempo
não caminha
Embora nos
surpreenda
Com inesperados
percalços
E rostos jovens
E rostos
envelhecidos
Salão Negro,
solene
De festas e
velórios
Salão Branco,
funcional
Com a
inexplicável chapelaria
Sem chapéus –
sem cabeças? –
Salão Verde,
desgastado, encardido
Com sua arte
invisível, incompreendida
Perdida no meio
dos perdidos passos
Corredores
Onde correm o
bem e o mal
Profecia e
alucinação
Demônios
federais, estaduais e municipais
E um ou outro
anjo desgarrado
Numa missão
impossível
III
Na vida
É necessária uma
certa liturgia
Para que nem
tudo seja profanado
Na necessária
eficiência da rotina
Menos humanos
seremos
Se não nos
tornarmos mais divinos
IV
Havia um amor
livre, doce
Ingenuamente
alegre
Que ainda
procuro
Mesmo depois de
ter encontrado
Talvez seja ainda
Um movimento de
querer
Um sorriso e um
beijo
Como o tudo do
dia
Mas que para
incompreendido
Quase ofensivo
Nesses seres
estranhos
Que conversam
comigo
O tempo todo
Ciclos das águas e da luz
As nuvens que
passeiam
No ciclo das
águas
Os pensamentos
que fogem
Nos ciclos das
mágoas
E os corações
que morrem
No momento do
olhar
Muito pouco
Se pode ver
Quase nada
Se pode querer
Ciclos intensos
Terríveis,
imensos
Em algum lugar,
a luz
Que também é um
ciclo de energia
Em lampejos de
alegria
Nascida nos
infinitos
Dos pensamentos
de Deus
Excertos de “Ciclos das Terras dos Mundos e dos Sentimentos”
Fernando Sabóia Vieira, Brasília, 2017, A
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