terça-feira, 1 de outubro de 2013

De Sombras e de Luzes


Sombras e luzes
 
I
 
Suaviza, Senhor, meu coração,
A aspereza dos meus pensamentos,
A rudeza dos meus sentimentos

E a dor incessante da minha carne


Que meus afetos fossem ternos
Como esse entardecer lavado

Da chuva de outubro
E dourados, como esse sol oblíquo

Que de despede do dia
 

Que eu soubesse falar palavras plenas
De graça e de compaixão,

Que meus gestos fossem generosos, livres,
Incontidos,

Como o abraço sussurrante da noite
Quando convida ao aconchego e ao desespero

Ao sono e à vigília
Ao lamento e à oração


II


Nunca tive medo de alma
Sempre as via – e as lia - por aí,

Espremidas em corpos bizarros, patéticas,
Sugadas, esmagadas, mendigadas,

Indigentes, mudas, mutiladas.


Mas agora, elas deram para me espiar,
Me espreitar nas ruas e olhares,

Esquinas e sombras,
E eu vejo suas insones penitências,

Escuto suas ladainhas e lamentos
Adivinho seus dias de beleza perdida

E nunca esquecidos.


E tenho um medo novo...
 

Tenho medo de não saber dizer
Seus esconjuros, não saber exorcizar

Suas maldições, não conseguir aliviar seus fardos
E cansaços da vida.

 
Tenho medo, principalmente, de as levar comigo,

Na minha história, na minha memória...

 
III

 
Gosto dessa paz
Que me chega do nada

E me surpreende
Com seu sorriso calmo

Que me explica tudo
Sem me dizer palavra

 
Gosto dessa paz alada
Que flutua no ar e paira,

Desliza na mente e no coração
Anunciando a Presença do Todo

Em Tudo

 
Gosto dessa paz silenciosa
Que me faz esquecer as perguntas

Que me assombram a alma
E me sussurra histórias fantásticas

E me semeia sonhos eternos

 
IV
 

Uma coisa que realmente me assusta
É esse desejo constante

De estar sempre em outro lugar


Não é fugir, mas viajar, encher a alma
De cores, de ares,

De mares e de amores


Não é não estar aqui, onde sempre estou,
Mas é estar também lá,

Onde nunca posso estar


Ensinei minha alma a voar
E agora ela não consegue mais caminhar

Assim, ao rés da vida

 
V
 

como se tivesse feito
uma longa, muito longa viagem

para parte alguma
e me perdido

ou me esquecido na volta


Ele nunca se perde
e nunca me perde

Ele nunca se esquece
e nunca me esquece

 
vou continuar a jornada
pela noite escura

com seus assustadores silêncios
e terríveis aparições

 

até ver brilhar no horizonte
a estrela da manhã...

 
Fernando Sabóia Vieira
de "Sombras e Luzes"

 


 

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