sexta-feira, 18 de outubro de 2013

salões dos passos perdidos



nesses salões verdes e azuis
dos meus perdidos passos
encontrei meus dias,
meus anos e abraços
mas agora deles me despeço
lentamente


foi tudo muito rápido
embora cada momento
de luta e de alento
às vezes se arrastasse
por tão vagarosas horas
de encontros e demoras
de um futuro que não chegava
e que de repente se vai agora

 
despeço-me, sem pressa,
com saudades, um pouco,
com expectativas, muitas,
dos mundos desconhecidos
para onde vou

 
quando tiver ido, não pretendo voltar...


Fernando Sabóia Vieira
De "Sombras e Luzes"

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

A Vida é a Arte do Possível


 
O gato vagabundo

sonha com filé

e come rato com liberdade


O cachorro de casa

come ração de primeira

e olha para fora pelo portão

 
O passarinho da cidade

bebe água de poça de chuva

e imagina cascatas e risos

 
A menina fofinha, baianinha,

pede, na praia, um acarajé

e ganha um biscoito de pacote

 
No dia em que tudo

em mim está errado

ou faltando, ou atrasado, ou incompleto

quero me lembrar

de que a vida,

a vida é a arte do possível

 
... e o que faltar, Deus inteira!
 
 
Fernando Sabóia Vieira
de "Sombras e Luzes"
 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

HOMILIA PARA MARCOS E PRISCILLA


O Casamento e a Alegria

 

 

“Alegrai-vos sempre no Senhor! Outra vez vos digo, alegrai-vos” (Filipenses 4:4).

“Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade, corça de amores e gazela graciosa. Saciem-te os seus seios em todo o tempo e embriaga-te sempre com as suas carícias” (Provérbios 5:18-19).

 “Homem recém-casado não sairá à guerra, nem se lhe imporá qualquer encargo; por um ano ficará livre em casa e promoverá felicidade à mulher que tomou” (Deuteronômio 24:5).

 
1) Insistência do Apóstolo no tema da alegria

 
Deus não inventou a tristeza. Ao contrário, ela é a negação da Sua Existência.

Deus nos fez para a glória, para o brilho, para a celebração, para o júbilo, para a alegria. Toda a Criação, natureza, os seres, o cosmos, é arte, exaltação, vida, esplendor.

 A adoração ao Deus vivo, Criador de todas as coisas, é cheia de música, cânticos, danças. Suas festas são abundantes, plenas, gloriosas.

O homem, no entanto, afastado de Deus, decaiu, foi destituído de Sua Gloriosa Presença e só encontra no caminho que escolheu andar, longe do Criador, tristezas, solidão, conflitos, fracassos, cansaços e, afinal, a sombra da morte.

Todos os seus prazeres e pompas, festividades, fantasias, vestes solenes, comemorações e conquistas são efêmeras e toscas imitações dessa glória divina a que não tem mais acesso, e estão fadados a um fim sombrio.

Nem mesmo uma celebração bonita como esta, com pessoas bem vestidas, música, boa comida e bebida, excelentes propósitos e intenções, não garante alegria e felicidade no caminho adiante, apesar do amor declarado, dos votos proferidos e da oração e colaboração de todos.

Não por acaso, o mal desta nossa geração, que assumiu a negação de Deus como princípio de liberdade e independência, é o desânimo e a tristeza nas, suas formas agudas de depressão, pânico e desespero.


2) A alegria no Senhor

A alegria cristã não está fundamentada em obras ou ilusões humanas, mas na ação toda poderosa do próprio Deus.

A ressurreição de Jesus, na manhã do terceiro dia, foi a vitória final da alegria da vida sobre a tristeza da morte.

Ela representa o reencontro com a glória da Presença de Deus, com a celebração, com o júbilo, com os cânticos e danças, com a festa, com a esperança, com o significado e propósito para os quais fomos criados.

A tristeza, no entanto, ainda impera neste mundo caído em que vivemos e peregrinamos até o dia da Revelação plena do Reino, na vinda do Senhor.

Nós, cidadãos do Reino e habitantes deste século, vivemos os conflitos e dramas que produzem dor e tristeza, ainda que portadores da Alegria da Presença de Deus em nós.


Assim é que a verdadeira alegria é sobrenatural, está no Senhor, na comunhão com Ele, é fruto do Espírito Santo em nossa vida.

Quem não tem o Senhor e não tem o Espírito não tem a alegria plena e permanente, firmada na esperança eterna, que não se dilui com as circunstâncias da vida nem com o desfecho da morte.

Nestes dias confusos e cinzentos, contraditórios, em que o glamour e a terror dividem quase igualmente os noticiários e as imagens nas nossas variadas telinhas multimídia, deve a Igreja de Jesus retomar a proclamação da Alegria pura, criacional e eterna como parte essencial do propósito de Deus para o homem.

 
3) O que há de especial na alegria conjugal

 A vontade de Deus, assim nos garantem as Escrituras, é “boa, perfeita e agradável”.

Dentro do propósito criacional de Deus para a humanidade, o casamento foi instituído tendo também como finalidade ser fonte de alegria e motivo de celebração para homem e mulher, uma vez que o vínculo conjugal está ligado à expressão da Imagem de Deus, à revelação do Seu caráter e à reprodução da Sua vida.

 Pelo registro do Livro de Gênesis, a solidão de Adão, sua incompletude, foi motivo decisivo para Deus optar por nos criar “homem e mulher”.

 Por isso, em qualquer cultura, o casamento é ocasião de festa e de celebração. Sua finalidade última é a expressão da glória de Deus, e a glória de Deus é o imenso sorriso de júbilo do Criador que faz brilhar  e ressoar tudo à volta de Sua Presença.

No entanto, infelizmente, não é esse o testemunho que temos de muitos casamentos, que têm sido fontes de tristeza e pesar não apenas para os cônjuges.

 Não me refiro apenas aos que terminam fraturando vidas e destinos – casais casados não se separam, fraturam-se, pois o vínculo que os une é um amálgama, uma simbiose - mas também àqueles que continuam, mas continuam tristes e infelizes.

     O casamento não é o momento de sua celebração, mas o que se segue a ela. O casamento se faz com a celebração do amor e do compromisso expressos nos votos tornados realidade nas circunstâncias da vida, no caminhar juntos de cada dia.

    O poder ou a possibilidade de felicidade conjugal não está na força ou no valor dos propósitos e sentimentos dos noivos, mas na ação espiritual e sobrenatural de Deus, que é quem une o homem a sua mulher, desde o Jardim do Éden.

    Para que a Presença de Deus seja assim manifestada na vida do casal é essencial que os cônjuges saibam que o casamento não é um empreendimento ou uma associação vinculada a uma finalidade avaliável por padrões de desempenho. É, antes, uma comunhão que expressa a Imagem de Deus e Seu Amor.

    Assim, faz parte dos deveres matrimoniais de cada cônjuge promover a alegria e a felicidade do outro, cuidando do provimento de suas necessidades e atendendo a seus desejos, em detrimento até mesmo de outros serviços no Reino de Deus.

Isso está bem expresso nas Palavras do Apóstolo Paulo quando diz que o homem e a mulher casados devem buscar agradar seu respectivo cônjuge, não podendo dessa tarefa escusar-se nem mesmo para atender às demandas da obra do Senhor.

    Esse tem sido um dever conjugal deveras negligenciado nesses nossos tempos de egoísmo e de busca de satisfação e prazer pessoal. As pessoas estão impregnadas por uma mentalidade demandadora, consumista, reivindicadora de direitos, centrada na busca da própria felicidade.

Ironicamente, esse é o melhor caminho para jamais encontrá-la! De fato, a única maneira de ser realmente feliz é promover a felicidade de alguém, pois fomos criados para expressar o amor de Deus, que visa exclusivamente o bem do outro, em desfavor de si mesmo.

    Quando o princípio do egoísmo se infiltra e cada cônjuge se julga mais credor da própria felicidade do que devedor da felicidade do outro, marido e mulher se tornam competidores e o casamento já perdeu sua essência e caminha para a derrocada.

    Assim, uma das tarefas que Marcos e Priscilla assumem a partir de hoje é agradar o outro, fazer-lhe o bem, provocar seus sorrisos (e gargalhadas), celebrar juntos, se alegrarem reciprocamente, mesmo nos momentos mais difíceis da caminhada.

    Dou-lhes, aqui, um conselho a que cada um deve atentar. Não faça do outro um personagem na sua vida, um realizador de sonhos, um desempenhador de papéis, executor de tarefas, alguém de quem você espera coisas. Seja o outro sempre, para você, principal e essencialmente a pessoa a quem você decidiu amar cada dia, em qualquer circunstância e em qualquer clima emocional.

    De outra parte, não seja para o outro um personagem, um desempenhador de tarefas, um sócio empreendedor, um cumpridor de tarefas, realizador de sonhos e projetos. Mas seja você sempre para o outro, principal e essencialmente, alguém que decidiu amá-lo cada dia, em qualquer circunstância e em qualquer clima emocional.

     O quanto puderem, evitem se tornar avaliador de desempenho do outro. Contribuam com o crescimento, ajudem nas debilidades, estimulem à santidade e ao serviço, mas não assumam a cadeira do juiz nem o púlpito da promotoria. Se houver algum tipo de processo, de tomada de contas, sejam sempre parceiros, solidários, cúmplices, se necessário. Jamais oponentes, jamais testemunha contra o outro.

    Quero dizer, finalmente, que cada casal cristão deve ser um farol de felicidade e de alegria a sinalizar nas noites escuras sobre o oceano de tristeza que tudo ameaça.

    Essa é a vontade Deus para o casamento.

    Como essa palavra se aplica de modo particular a Marcos e Priscilla, me arrisco a sobre isso dizer algo de caráter mais pessoal.
 

4) Sobre Marcos e Priscilla
 

a) Marcos e a sombra da melancolia: “Tu Risa”

Conheço desde que nasceu. Vi crescer um moço sério, comprometido, perseverante. Amadureceu em meio a sofrimentos e dificuldades. Sempre foi criativo, bom senso de humor. Um falso tímido: goleiro.

Uma ameaça pairava, contudo, sobre sua vida: uma sombra de melancolia com tons de tristeza que crescia no horizonte. Risco de envelhecimento precoce da alma.

Como sempre foi alguém que buscou socorro no Senhor e colocou nEle sua esperança, algo lhe aconteceu há alguns anos, numa temporada de furacões. Uma tempestade tropical promovida a tornado: Priscilla.

 Os poetas são pessoas que traduzem o que todos algum dia quisemos dizer. A maneira como Marcos olha para Priscilla, como se diverte com suas risadas e peraltices, me lembra um poema de um escritor chileno, que vou recitar numa tradução livre


Pablo Neruda - Tu Risa


Quítame el pan, si quieres,
quítame el aire, pero
no me quites tu risa.

No me quites la rosa,
la lanza que desgranas,
el agua que de pronto
estalla en tu alegría,
la repentina ola
de plata que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo
con los ojos cansados
a veces de haber visto
la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa
sube al cielo buscándome
y abre para mi todas
las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
ríe, porque tu risa
será para mis manos
como una espada fresca.

Junto al mar en otoño,
tu risa debe alzar
tu cascada de espuma,
y en primavera, amor,
quiero tu risa como
la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi patria sonora.

Ríete de la noche,
del día, de la luna,
ríete de las calles
torcidas de la isla,
ríete de este torpe
muchacho que te quiere,
pero cuando yo abro
los ojos y los cierro,
cuando mis pasos van,
cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero tu risa nunca
porque me moriría.

De “Versos do Capitão”.



Seu Riso (tradução livre)

 Tire-me o pão, se quiser

tire-me o ar, mas

não me tire seu riso.

         
Não me tire a rosa,

a lança que você desfolha,

a água que de pronto

estala em sua alegria

a repentina onda

de prata que nasce em você.

 

Minha luta é dura e volto

com os olhos cansados

às vezes de ter visto

a terra que não muda,

mas, ao entrar, seu riso

sobe ao céu a me buscar

e abre para mim todas

as portas da vida.

 
Amor meu, na hora

mais escura desfolhe

seu riso, e se logo

vir que meu sangue mancha

as pedras da rua,

ria, porque seu riso

será para minhas mãos

como uma espada fresca.
 

Junto ao mar no outono,

seu riso deve elevar

sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero seu riso como

a flor que eu esperava,

a flor azul, a rosa

da minha pátria sonora.
 

Ria da noite,

do dia, da lua,

ria das ruas

torcidas da ilha,

ria deste rude

rapaz que te quer,

mas quando eu abro

os olhos e os fecho,

quando meus passos  vão,

quando voltam meus passos,

negue-me o pão, o ar,

a luz, a primavera

mas seu riso nunca

porque eu morreria.

 

b) Priscilla e a descolorização do riso: “I won’t give up”

 

Conheci naquela temporada de furacões. Alegria. Um pouco trelosa. Difícil não gostar dela. Batalhadora, esforçada. Alguém em busca das cores e sons da vida. A falsa descolada: o plano “A”.

 Uma ameaça pairava também em seu horizonte: o dia em que o cansaço, a solidão, o desgaste das lutas fizessem seu riso perder o brilho, a sonoridade, a força de suas muitas cores.

 O encontro com Jesus trouxe de volta a esperança segura do brilho, da policromia do riso. E para isso, Ele colocou no seu caminho um moço sério, confiável, capaz de ser um abrigo e referência, mas também um profissional das cores, sons e imagens.

No caso da Priscilla, acho que muito do que ela retransmite para o Marcos do que esse relacionamento significa para ela está expresso na letra da música que escolheu para sua entrada nesta cerimônia.

Traduzo alguns versos da canção.

 

I Won't Give Up
Jason Mraz

When I look into your eyes
It's like watching the night sky
Or a beautiful sunrise
There's so much they hold
And just like them old stars
I see that you've come so far
To be right where you are
How old is your soul?

I won't give up on us
Even if the skies get rough
I'm giving you all my love
I'm still looking up

And when you're needing your space
To do some navigating
I'll be here patiently waiting
To see what you find

Cause even the stars they burn
Some even fall to the earth
We've got a lot to learn
God knows we're worth it
No I won't give up


I don't wanna be someone who walks away so easily
I'm here to stay and make the difference that I can make
Our differences they do a lot to teach us how to use
The tools and gifts we got yeah, we got a lot at stake
And in the end, you're still my friend at least we did intend
For us to work we didn't break, we didn't burn
We had to learn how to bend without the world caving in
I had to learn what I've got, and what I'm not
And who I am

I won't give up on us
Even if the skies get rough
I'm giving you all my love
I'm still looking up
I'm still looking up

I won't give up on us
(No, I'm not giving up)
God knows I'm tough, he knows
(I am tough, I am loved)
We got a lot to learn
(We're alive, We are loved)
God knows we're worth it
(And we're worth it)

I won't give up on us
Even if the skies get rough
I'm giving you all my love
I'm still looking up
I'm still looking up

Eu Não Vou Desistir (tradução)
 
Quando olho em seus olhos
É como observar o céu à noite
Ou um belo amanhecer
Tantas coisas eles carregam
E assim como as estrelas antigas
Eu vejo que você foi tão longe
Para estar bem onde você está
Qual a idade da sua alma?

Eu não vou desistir de nós
Mesmo que os céus fiquem turbulentos
Estou te dando todo meu amor
Ainda estou olhando para o alto


E quando você precisar do seu espaço
Para navegar um pouco
Eu estarei aqui pacientemente esperando
Para ver o que vai encontrar

Porque até as estrelas queimam
Algumas até mesmo caem sobre a terra
Temos muito a aprender
Deus sabe que merecemos
Não, não desistirei


Eu não quero ser alguém que vai embora tão facilmente
Estou aqui para ficar e fazer a diferença que eu puder fazer
Nossas diferenças fazem muito para nos ensinar como usar
As ferramentas e os presentes que recebemos, sim, temos muita coisa em jogo
E
no fim, você ainda é meu amigo, pelo menos, era o que sempre quisemos
Para tudo dar certo, não terminamos, não queimamos
Tivemos que aprender como nos virar sem o mundo desabar
Tive que aprender o que tenho, e o que eu não sou
E quem eu sou

Eu não vou desistir de nós
Mesmo que os céus fiquem turbulentos
Estou te dando todo meu amor
Ainda estou olhando para o alto
Ainda estou olhando para o alto
Eu não vou desistir de nós
(Não, não vou desistir)
Deus sabe, sou difícil, ele sabe
(eu sou difícil, sou amada)
Temos muito a aprender
(Nós estamos vivos, somos amados)
Deus sabe que valemos a pena
(E nós valemos a pena)

Eu não vou desistir de nós
Mesmo se os céus fiquem furiosos
Estou te dando todo meu amor
Ainda estou olhando para o alto



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Dica de Arrumação de Vida


subitamente, inspiradamente,

consegui organizar minha vida toda:


- não resolvi o que não tinha solução

- não fiz o que não consigo fazer

- renunciei ao que não posso ter

- desisti de mandar no caos

- liberei as pessoas para serem o que são


sobrou, apenas, arrumar a gaveta,

ajeitar a gravata

e sair mais cedo para ver o céu

ainda tão azul, neste soberbo final de agosto


 Fernando Sabóia Vieira
de "Sombras e Luzes"

terça-feira, 1 de outubro de 2013

De Sombras e de Luzes


Sombras e luzes
 
I
 
Suaviza, Senhor, meu coração,
A aspereza dos meus pensamentos,
A rudeza dos meus sentimentos

E a dor incessante da minha carne


Que meus afetos fossem ternos
Como esse entardecer lavado

Da chuva de outubro
E dourados, como esse sol oblíquo

Que de despede do dia
 

Que eu soubesse falar palavras plenas
De graça e de compaixão,

Que meus gestos fossem generosos, livres,
Incontidos,

Como o abraço sussurrante da noite
Quando convida ao aconchego e ao desespero

Ao sono e à vigília
Ao lamento e à oração


II


Nunca tive medo de alma
Sempre as via – e as lia - por aí,

Espremidas em corpos bizarros, patéticas,
Sugadas, esmagadas, mendigadas,

Indigentes, mudas, mutiladas.


Mas agora, elas deram para me espiar,
Me espreitar nas ruas e olhares,

Esquinas e sombras,
E eu vejo suas insones penitências,

Escuto suas ladainhas e lamentos
Adivinho seus dias de beleza perdida

E nunca esquecidos.


E tenho um medo novo...
 

Tenho medo de não saber dizer
Seus esconjuros, não saber exorcizar

Suas maldições, não conseguir aliviar seus fardos
E cansaços da vida.

 
Tenho medo, principalmente, de as levar comigo,

Na minha história, na minha memória...

 
III

 
Gosto dessa paz
Que me chega do nada

E me surpreende
Com seu sorriso calmo

Que me explica tudo
Sem me dizer palavra

 
Gosto dessa paz alada
Que flutua no ar e paira,

Desliza na mente e no coração
Anunciando a Presença do Todo

Em Tudo

 
Gosto dessa paz silenciosa
Que me faz esquecer as perguntas

Que me assombram a alma
E me sussurra histórias fantásticas

E me semeia sonhos eternos

 
IV
 

Uma coisa que realmente me assusta
É esse desejo constante

De estar sempre em outro lugar


Não é fugir, mas viajar, encher a alma
De cores, de ares,

De mares e de amores


Não é não estar aqui, onde sempre estou,
Mas é estar também lá,

Onde nunca posso estar


Ensinei minha alma a voar
E agora ela não consegue mais caminhar

Assim, ao rés da vida

 
V
 

como se tivesse feito
uma longa, muito longa viagem

para parte alguma
e me perdido

ou me esquecido na volta


Ele nunca se perde
e nunca me perde

Ele nunca se esquece
e nunca me esquece

 
vou continuar a jornada
pela noite escura

com seus assustadores silêncios
e terríveis aparições

 

até ver brilhar no horizonte
a estrela da manhã...

 
Fernando Sabóia Vieira
de "Sombras e Luzes"

 


 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Dia do Abraço


é simples, me abrace

 
 

se eu lhe parecer triste

me abrace

me pergunte porque e

me abrace

se eu não responder

me abrace

se eu responder

me abrace

se você não me entender

me abrace

se você me entender

me abrace

se você não concordar

me abrace

se você concordar

me abrace

 

seu abraço sozinho

me explica

me corrige

me anima

me simplifica

me diz para onde ir

 

é simples, me abrace

 


Fernando Sabóia

De “Versos no Altar”

 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

DUAS ALMAS, UMA SÓ CARNE!


 
Mensagem compartilhada no casamento de WILSON e MÍRIAN

Salvador, em 01/09/13
 
VERBETES


"SERÃO OS DOIS UMA SÓ CARNE" – descreve um fato, uma realidade, algo consumado, impossível de se separar. Não é uma ficção jurídica, mas uma realidade física e espiritual.
O texto original usa expressão matemática, exata: eram 2 agora apenas 1.


"QUE SEJAIS UNIDOS DE ALMA" – aponta para um propósito, um vir a ser, uma busca de harmonia, de entendimento, de se ter um mesmo sentimento e pensamento.
A palavra original sugere aproximação, equilíbrio, afinidade de mente, sentimento, pensamento. Sintonia, sinfonia, sinergia – “sin psique”.

 HOMILIA

Essas duas postulações bíblicas, uma específica para o casamento e a outra facilmente aplicável a ele, nos colocam diante de um dos paradoxos da união conjugal: DUAS ALMAS, uma masculina e uma feminina, habitando UMA SÓ CARNE.


Alguns casais têm a ERRÔNEA EXPECTATIVA DE SER UMA SÓ ALMA, o que resulta em conflitos, imposições, dominações, disputas, cobranças, decepções.


 Esse pensamento equivocado coloca o casal na BUSCA E EXIGÊNCIA DE ALGO IMPOSSÍVEL, pois significaria deixar o homem de ser homem e a mulher de ser mulher, produzir uma alma mista, híbrida, descaracterizada, descolorida.

Nada mais distante do projeto e propósito de Deus.

A Palavra não declara que os casais são ou devem ser uma só alma, mas os convoca a que VENHAM A SER UNIDOS DE ALMA.

Isso significa que o casamento deve TORNAR O HOMEM MAIS MASCULINO e a MULHER MAIS FEMININA, na convivência, na aceitação, na união, na comunhão e na cooperação dos diferentes, com todos os benefícios- e a diversão garantida - dessa diversidade planejada por Deus quando, desde o princípio, "macho e fêmea os criou".

HOMENS E MULHERES SERÃO SEMPRE DIFERENTES, reagirão sempre a partir de pontos de vista, de maneiras de pensar e de sentir diferentes. Não é propósito de Deus no casamento mudar isso!!!

Quando partimos da ILUSÓRIA IDÉIA DE SER UMA SÓ ALMA, teremos a cada situação concreta de vida uma decepção e produziremos uma distância pelo estranhamento do outro como não eu, como diferente de mim, oposto e antagônico a mim.

Quando, no entanto, partimos do RECONHECIMENTO E ACEITAÇÃO das diferenças, consideradas não como problemas, mas como diversidade e complementação, essa distância não será percebida como obstáculo, mas como caminho, pois, embora diferentes, FOMOS FEITOS para nos encontrarmos e nos unirmos.

Assim, é necessário QUE OS CÔNJUGES BUSQUEM CADA DIA SER UNIDOS DE ALMA. Mas essa união será SEMPRE RESULTADO de escolha, decisão, renúncia, compromisso, propósito, amor.

No casamento, a essa DIFERENÇA CRIACIONAL somam-se OUTRAS DIFERENÇAS, culturais, educacionais, familiares e de historias de vida, que vão compor o complexo mundo da alma de cada um.
O MARIDO não deve tentar impor uma maneira masculina de viver à esposa, nem se irritar ou ficar impaciente ou autoritário quando ela está apenas sendo mulher, com suas virtudes e limitações e expressando seu mundo cultural, familiar, seus valores e expectativas.

E vice-versa. A ESPOSA não deve deixar de respeitar o marido, ser rixosa, fazer chantagem ou tentar assumir o comando quando ele está simplesmente vendo o mundo e se comportando como homem, com suas qualidades e deficiências, expressando seu universo, seus projetos, sua formação, sua cultura peculiar.

O REINO DE DEUS NÃO NOS DESPERSONALIZA, NÃO NOS TORNA ASSEXUADOS NEM CULTURALMENTE NEUTROS. NÃO APAGA NOSSAS HISTÓRIAS PESSOAIS NEM OBLITERA NOSSAS HERANÇAS, HABILIDADES E CARACTERÍSTICAS.

O REINO DE DEUS NOS COLOCA NUMA DINÂMICA DE SERMOS TRANSFORMADOS NA NOSSA VERDADEIRA IDENTIDADE CRIADA POR DEUS E CORROMPIDA PELO PECADO E DE VIVERMOS A REALIDADE PLENA DA PRESENÇA DE DEUS.

UM PROCESSO FUNDAMENTAL NESSA TRANSFORMAÇÃO SÃO OS RELACIONAMENTOS E O CASAMENTO É UM DOS QUE MAIS COOPERA NESSE SENTIDO.

Desse modo, devem os dois buscar essa aproximação que só pode acontecer a partir do reconhecimento das diferenças e do respeito a elas.

É semelhante ao que ocorre quando você se relaciona com alguém de outro país. São inicialmente estrangeiros um para o outro, mas vão se criando pontes de afinidade, esforços de aproximação, de reconhecimento das diferenças e de busca de sua superação.

PARA SEREM UNIDOS DE ALMA, os casais deverão se conhecer, se dar a conhecer, compartilhar, se esforçar para desvendar o mundo interior do outro, sua realidade pessoal, familiar, espiritual, emocional, intelectual, cultural, aprender sua língua, ainda que a entenda e fale sempre como estrangeiro, pois nunca será sua própria língua materna, conhecer o universo do outro a partir dele mesmo, de dentro, como quem mora lá, mesmo sendo alienígena.

Homem e mulher FORAM FEITOS PARA SE COMPLEMENTAREM, se aceitarem, se ajudarem, se amarem. Mas não para se entenderem completamente, para se fundirem numa só pessoa. É na dinâmica do relacionamento entre opostos que pode surgir a expressão da IMAGO DEI, que só se revela na vivência concreta do amor.

A ESPOSA deve ser cuidada e amada, mesmo quando o marido não a compreende ou não concorda com ela ou não consegue convencê-la do que lhe parece óbvio...

O MARIDO deve ser respeitado e amado, mesmo quando a esposa não o entende ou não concorda ou ele não consegue ver o que lhe parece tão claro e evidente...

O fato da unidade de carne operada pelo casamento e a busca da união de alma prescrita pelas Escrituras como ideal da comunhão cristã são dois aspectos fundamentais da aliança conjugal, que apenas podem ser produzidos pelo Espirito Santo. Sua realização, no entanto, sempre dependerá do compromisso de cada um com Deus e com o outro.

Para amar não é necessário entender, sentir, pensar ou querer do mesmo modo. O amor é a superação da razão e do sentimento pela transformação de natureza de mente e de propósitos produzida pelo Espirito de Deus.

O ESPOSO DIZ: "QUERIDA não estou prometendo a você que sempre vou entender suas palavras, seus silêncios, seus olhares, suas alegrias e tristezas, seus medos, seus sonhos, suas aflições, suas expectativas, mas estou me comprometendo a cuidar de você e a amar você em qualquer circunstância.".

A ESPOSA DIZ: "QUERIDO não estou prometendo a você que sempre vou entender suas ações, reações, solidão, prioridades, sentimentos, medos, hesitações, silêncios, cálculos, argumentos e razões, mas estou me comprometendo a respeitar e a amar você em qualquer circunstância.".

Finalmente, podemos dizer que O SER UMA SÓ CARNE, COMO FATO E CONSUMAÇÃO, OPERA NA DIMENSÃO DA FÉ; enquanto que o SER UNIDOS DE ALMA, COMO PROPÓSITO E BUSCA, SE ENCARNA DIA APÓS DIA NO IMPULSO DA ESPERANÇA; e que UM E OUTRO SÃO EXPRESSÕES NECESSÁRIAS DO AMOR.

EPÍLOGO


Esse caminho de superação das distâncias pela perseverança do amor é magnificamente descrito nas palavras do grande poeta chileno que escreveu:

NERUDA – SONETO II

Amor, cuántos caminos hasta llegar a un beso,
qué soledad errante hasta tu compañía!
Siguen los trenes solos rodando con la lluvia.
En Taltal no amanece aún la primavera.

Pero tú y yo, amor mío, estamos juntos,
juntos desde la ropa a las raíces,
juntos de otoño, de agua, de caderas,
hasta ser sólo tú, sólo yo juntos.

Pensar que costó tantas piedras que lleva el río,
la desembocadura del agua de Boroa,
pensar que separados por trenes y naciones

Tú y yo teníamos que simplemente amarnos,
con todos confundidos, con hombres y mujeres,
con la tierra que implanta y educa los claveles.


Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
Que solidão errante até a tua companhia!
Seguem sozinhos os trens deslizando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
Juntos das roupas até as raízes,
Juntos de outono, de água, de quadris,
Até que seja só tu, só eu, juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
A desembocadura da água de Boroa,
Pensar que separados por trens e nações

Tu e eu tínhamos que simplesmente nos amar
Confundidos com todos, com homens e mulheres,
Com a terra que implanta e educa os cravos.

(Tradução : Fernando Saboia Vieira)



FERNANDO SABÓIA VIEIRA