- Uma Introdução a Romanos 8 –
A lei do pecado e da morte encerra uma contradição irreconciliável entre o interior do homem, onde ele reconhece a perfeição do mandamento de Deus e deseja vivê-lo, e o exterior, onde atua um princípio sobre seu corpo que o domina, impedindo-o de alcançar o bem que ele mesmo almeja.
O mandamento, que é externo, não tem o poder de produzir a santidade, que é interna, santidade que é exigida pelo próprio mandamento. Essa ruptura entre ideal e realidade, provocada dentro do ser humano pelo pecado, adoece sua alma e provoca sua desestruturação e morte. Separada de sua origem divina, esquecida de sua verdadeira identidade e sem conhecer o propósito para o qual foi criada, a alma se vê prisioneira numa existência conflituosa, confusa, contraditória, dominada por sentimentos, conceitos e paixões que aprofundam sua separação de Deus, dos seus semelhantes e de si mesma, num mundo predominantemente hostil.
Essa é a lei do pecado e da morte, um princípio inescapável que atua na natureza humana decaída – a carne – e leva inexoravelmente à corrupção e à morte. Todo esse argumento Paulo constrói e demonstra nos capítulos iniciais da sua Carta aos Romanos.
Ao chegar ao capítulo 8, o cenário se altera, assim como o tom e a linguagem. Não mais uma exposição bíblica para demonstrar a natureza e o efeito do pecado, a inutilidade da lei e das obras e a salvação pela fé, tanto para judeus quanto para gentios. Agora ele inicia uma proclamação, uma declaração solene, a expressão veemente de uma realidade inteiramente nova, eterna e gloriosa, que abre para o homem regenerado possibilidades de uma vida cheia de significado, propósito e esperança.
A lei do Espírito e da vida fundamenta-se em um ACONTECIMENTO espiritual, sobrenatural e absolutamente transformador, capaz de superar todas as contradições e paradoxos da natureza humana, devolvendo-lhe a condição perdida no Éden e conduzindo-a ao propósito eterno de Deus.
Esse ACONTECIMENTO é produto de um ato de libertação, do sacrifício de Jesus e de Sua ressurreição dentre os mortos.
- O Espírito Santo habitando no homem, regenerando-o, transmitindo-lhe vida, reavivando suas faculdades espirituais amortecidas pelo pecado, guiando-o, intercedendo por ele, produzindo comunhão com Deus, gerando identidade, adoção, derramando o amor do Pai, trazendo as certezas da fé e do propósito eterno, a realidade do Reino, a eternidade, fazendo surgir uma nova vida, com novos alvos e uma nova cosmo visão.
É um ACONTECIMENTO tão tremendo que tem repercussões na própria criação, que também sofre com o pecado do homem e será com o homem redimida na Glória do Reino eterno.
Agora, ao invés do mandamento exterior, que produz guerra na alma, a PRESENÇA INTERIOR, que é vida e paz. Não mais a fraqueza do corpo, mas o poder que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Libertos da escravidão do pecado, livres para desejar, escolher e amar a Deus.
Tudo isso está potencialmente em nós pela Presença do Espírito e sua realização só depende de nossa inclinação para Ele, de nós O preferirmos às concupiscências da carne, de andarmos nEle.
Não podemos substituir a realidade dessa Presença por mandamentos, ainda que mui elevados, por padrões exigentes de santidade, por uma nova e rigorosa ortodoxia ou por uma revelação especial de algum aspecto das Escrituras. Se o fizermos, corremos o risco de anular a Cruz de Cristo, de apagarmos o Espírito e de produzirmos um abismo ainda maior entre o humano e o divino – abismo que Jesus veio eliminar com seu esvaziamento e encarnação, e voltaremos ao terreno infrutífero e desesperador das possibilidades humanas.
A característica mais marcante de nossa vida como indivíduos e da Igreja como Corpo de Cristo deve ser a PRESENÇA DE DEUS em cada um de nos e entre nós, a consciência constante dela e a busca contínua de sua manifestação.
Caso contrário, seremos vazios, ritualistas, legalistas, religiosos... e não filhos, discípulos, adoradores, família, Igreja.
Por que, muitas vezes, não vivemos dessa maneira? Por que em nossa vida pessoal e comunitária nos falta, freqüentemente, esse pulsar vivo da Presença? Como podemos caminhar na direção dessa dinâmica de existência e experimentar as graças que o Senhor quer nos conceder pelo Seu Espírito atuando em nós e por meio de nós?
Esse é o tema sobre o qual queremos meditar nesses dias de retiro e, mais do que meditar, queremos nele dar passos, vencer obstáculos, crescer em entendimento e em experiência.
Certamente somos muito limitados para tratar disso e também não será num período de tão poucos dias que conseguiremos fazer um trabalho que deve ser tarefa para toda nossa vida, cotidianamente.
Mas confiamos na Presença do Senhor aqui, em nós e no meio de nós. Sabemos que Ele veio habitar dentro de cada um de Seus filhos e no meio do Seu povo e que Ele quer se revelar, quer nos amar e quer, para isso, nos encher com Seu Espírito. Somente Ele pode trazer o ensino, a fé, a disposição, quebrar as barreiras, perdoar os pecados que nos distanciam dEle, revelar Jesus e transmitir Sua vida.
Uma coisa, no entanto, é essencial da nossa parte. Temos que desejar profundamente esse encontro com Deus e estarmos dispostos às renúncias, às buscas, às transformações e aos consertos que isso implica.
Como é Ele próprio quem desperta esse anseio no nosso coração, é necessário começar pedindo ao Senhor que desperte em nós essa aspiração, a consciência e o sentimento de ausência da Casa do Pai, com o qual nascemos, que se manifesta por vezes como uma angústia, um vazio, uma vocação para a eternidade e para a perfeição que nós mesmos não sabemos de onde vem e como explicá-la.
“Fizeste-nos, ó Deus, para Ti mesmo, e nosso coração permanece inquieto enquanto não encontra repouso em Ti.”
Agostinho
“Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim por Ti, ó Deus, anela a minha alma, a minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo...”
Salmo 42
Tenho apenas hoje
Minha vida é um breve instante,
uma hora que passa,
minha vida é um momento
que eu não tenho o poder de reter.
Tu sabes, meu Senhor,
que para Te amar aqui nesta terra
eu tenho apenas hoje.
Thérèse de Lisieux
“... no teu nome e na tua memória está o desejo da nossa alma...”
Isaías 26
"Como já disse antes: a razão pela qual amamos a Deus é Ele mesmo. Digo com verdade, pois Ele é a causa eficiente e final desse amor. É Ele quem para isso proporciona a oportunidade, suscita o movimento e cumpre o desejo. Ele fez com que O amemos, ou antes, Ele se fez tal que temos que amá-lO. Ele nos inspira a esperança de amá-lO um dia com um amor mais feliz, pois do contrário em vão O amaríamos. Seu amor por nós prepara e recompensa nosso amor por Ele.
Ele se antecipa a nós com Sua bondade, se faz amar em resposta a Sua justiça e nada é mais doce do que atender a Ele.
Ele é rico o bastante para suprir a todos os que o invocam, mas Ele não tem nada mais precioso para dar do que a Si mesmo. Ele se deu para merecer nosso amor, Ele se reservou para ser nossa recompensa; Ele é o alimento servido às almas santas, a vítima entregue para resgate das almas cativas."
Bernard de Clairvaux
“Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”
Deuteronômio 6
Dá-me a Ti mesmo
Senhor, por Tua Bondade, dá-me a Ti mesmo, pois Tu és suficiente para mim, e somente em Ti eu posso ter todas as coisas.
Juliana de Norwich
“Uma coisa peço ao Senhor e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias, para contemplar sua beleza e meditar no seu templo”
Salmo 27
“Ó Deus, Tu és meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de Ti; meu corpo de almeja, como em terra árida, exausta, sem água”
Salmo 63
Cântico dos Cânticos
Há um único cântico
Que encerra todos os cânticos
E notas e tons
Que expressa todas as harmonias
E sentimentos e sons
Quero encher a minha vida
Com essa canção
Com a palavra mais querida
Com a melhor oração
Só um nome, Teu nome, Jesus
É a canção
E a melodia
E a oração
E a harmonia
Que tudo desperta
Que tudo eleva
Que minha alma liberta
E minha vida enleva
Fernando Sabóia
de "Versos no Altar"
Dois obstáculos iniciais devem ser desde logo removidos. O primeiro é a idéia de que não somos dignos do Encontro. Jesus morreu na Cruz para nos abrir esse novo e vivo caminho para Deus. Não é a minha dignidade que conta, mas a dEle. Além disso, fomos criados pelo Pai para essa união com Ele, no Seu Reino, como participantes da Sua Glória. Humildade é receber o que Ele gratuitamente nos oferece em Cristo, é viver na Sua Graça.
O segundo é um sofisma construído como doutrina a partir do fato da onipresença de Deus e da noção de que, ao nos convertermos, já temos o Senhor habitando em nós com todos os seus dons e Graça. Essas são verdades preciosas da nossa fé.
O raciocínio falso, no entanto, é o de que, já que O temos e que Ele está em toda parte, não precisamos buscar a Sua Presença, nem fazer qualquer esforço pessoal para estar com Ele e para sermos cheios de Sua Plenitude.
Ele está em toda parte o tempo todo, mas nós não estamos sempre na Sua Presença, nem ela é manifestada para nós continuamente. Podemos, às vezes, dizer como Jacó: “O Senhor está de fato neste lugar, mas eu não o sabia”.
Disse Santo Agostinho: "Viver perto ou longe de Deus não uma questão de espaço, mas de afeto. Amas a Deus? Estás perto d'Ele. Se O esqueces, estás longe d'Ele. Sem sair do lugar, podes estar perto ou longe".
AW TOZER usa uma imagem muito vívida para falar dessa busca de Deus, da não acomodação com uma vida correta doutrinariamente mas carente da Presença do Pai.
Segundo ele, é como se nos contentássemos em erguer o altar, dispor a lenha para o sacrifício e imolar a vítima, sem nos incomodarmos com a ausência do fogo vindo do Alto. Não era esse o coração de Elias e dos profetas, dos homens e mulheres que andaram com Deus. Amavam o altar e a oferta, mas não estavam dispostos a desistir do fogo.
Nós podemos fazer o mesmo em nossas vidas: termos tudo bem ordenado, organizado, dentro da melhor doutrina e padrão de santidade, com bons ensinos e práticas sobre todas as coisas, mas – que imensa tragédia! – sem o fogo da Presença, sem paixão pelo Senhor, sem o enchimento do Espírito, sem experimentar aquilo de tanto falamos, como abundância do fluir de Deus, de paz, de poder, de amor, de esperança.
Irmãos queridos, se os pais terrenos querem dar boas coisas aos filhos, quanto mais nosso Pai Celeste deseja nos dar o Espírito Santo. É tempo de busca, de consagração, de suplicarmos por Ele. Esse é o único propósito deste retiro.
A Presença do Senhor, o Seu Espírito, é como o ar que nos envolve. Está em todo lugar, invisível mas sensível, nela “existimos e nos movemos”, mas precisamos respirar, fazer um esforço para trazê-la para dentro de nós a fim de que sejamos cheios dessa Presença e da vida que ela gera e sustenta.
Que a graça de Jesus seja com todos.
Fortaleza-Brasília, fevereio-março de 2011, aD.
Fernando Sabóia Vieira
Realmente o dia a dia do discipulo é de constante renuncia e abnegação. Libertos da escravidão do pecado, podemos ter nova vida em Cristo, buscar ter a sua mente e viver uma vida coerente com o que temos declarado.
ResponderExcluirCristo em vós ESPERANÇA DA GLÓRIA!
Fernando, JESUS SEJA SEMPRE CONTIGO E COM TUA CASA!