Creio que uma das mais sérias crises vividas pela Igreja moderna é a completa confusão que se formou nas últimas décadas sobre profecia, ministérios proféticos, manifestações espirituais e palavras anunciadas em nome de Deus. A efervescência carismática do final do século passado e do início deste foi acompanhada, em muitos lugares, de uma grande desordem doutrinária e pastoral. Assim, para que a Palavra profética, aquela de fato nascida no coração do Pai e conduzida por Seu Espírito, volte a ser pregada e ouvida nesta geração é necessário recuperar alguns fundamentos bíblicos e corrigir alguns conceitos e práticas.
PROFETIZAR é transmitir uma mensagem da parte de Deus. O profeta é alguém que “ouve” a mensagem do Senhor e a transmite. O profeta não escolhe o conteúdo e nem a ocasião da profecia. Apenas a veicula, a anuncia. Ele não expressa o desejo do seu próprio coração, mas fala o que o Deus lhe ordenou.
Essa simples definição, rigorosamente bíblica, é suficiente para colocar em questão vários ensinos, práticas e ministérios difundidos hoje no meio do Povo de Deus.
O profeta não diz “eu profetizo” isso ou aquilo, mas simplesmente anuncia “assim diz o Senhor”, e teme grandemente não usar em vão o Seu Santo Nome, pois sabe que Deus não terá por inocente quem o fizer.
Em conseqüência, não posso decidir profetizar sobre algo ou alguém a meu bel prazer. Não posso resolver, por exemplo, que meu filho vai ser missionário e “profetizar” isso sobre a vida dele. O que posso e devo fazer é buscar ouvir o Espírito e ser conduzido por Ele, estar em comunhão com Deus para conhecer Sua vontade.
Profetizar é diferente de abençoar. Eu posso, livremente, abençoar meu filho com todo o bem que desejo a ele. Minha bênção de pai pode mesmo se tornar profética se eu antes buscar em Deus o que Ele quer para meu filho e abençoá-lo dessa forma.
A profecia não procede de elucidação ou vontade humana, mas homens falam inspirados pelo Espírito de Deus (2ª de Pedro 1:20-21). A iniciativa é sempre de Deus, é dEle a Palavra que deve ser anunciada. Não posso “encomendar” uma profecia. Posso buscar a Deus e ouvir pessoas que são usadas por Ele, isso sabendo que toda profecia deve ser submetida ao exame das Escrituras e dos demais ministérios do Corpo.
A profecia no Novo Testamento tem principalmente a função de consolar, edificar e exortar, não sendo usada para dar direções específicas, do tipo quem se casa com quem, quem viaja, quem morre etc. Palavras nesse sentido devem ser consideraras com muitíssimas reservas, pois em geral não passam no primeiro “antivírus” [1] da alma: Jesus e os Apóstolos não fizeram nada desse tipo, não ensinaram a fazer e não aprovaram nenhuma prática dessa natureza.
Desde o Velho Testamento o ministério profético já havia se corrompido com o surgimento de profetas de “aluguel”, chamados para abençoar, amaldiçoar, respaldar as ações dos reis, agradar o povo. Muitas vezes entravam em choque com os verdadeiros profetas do Altíssimo.
Em Jeremias 23 encontramos uma severa palavra do Senhor quanto a esses profetas, que bem deveria ser seriamente considerada nos nossos dias:
Jeremias 23
Quanto aos profetas, já o meu coração está quebrantado dentro de mim; todos os meus ossos estremecem; sou como um homem embriagado, e como um homem vencido de vinho, por causa do SENHOR, e por causa das suas santas palavras.
Porque a terra está cheia de adúlteros, e a terra chora por causa da maldição; os pastos do deserto se secam; porque a sua carreira é má, e a sua força não é reta.
Porque tanto o profeta, como o sacerdote, estão contaminados; até na minha casa achei a sua maldade, diz o SENHOR.
Portanto o seu caminho lhes será como lugares escorregadios na escuridão; serão empurrados, e cairão nele; porque trarei sobre eles mal, no ano da sua visitação, diz o SENHOR.
Nos profetas de Samaria bem vi loucura; profetizavam da parte de Baal, e faziam errar o meu povo Israel.
Mas nos profetas de Jerusalém vejo uma coisa horrenda: cometem adultérios, e andam com falsidade, e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam da sua maldade; eles têm-se tornado para mim como Sodoma, e os seus moradores como Gomorra.
Portanto assim diz o SENHOR dos Exércitos acerca dos profetas: Eis que lhes darei a comer losna, e lhes farei beber águas de fel; porque dos profetas de Jerusalém saiu a contaminação sobre toda a terra.
Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas, que entre vós profetizam; fazem-vos desvanecer; falam da visão do seu coração, não da boca do SENHOR.
Dizem continuamente aos que me desprezam: O SENHOR disse: Paz tereis; e a qualquer que anda segundo a dureza do seu coração, dizem: Não virá mal sobre vós.
Porque, quem esteve no conselho do SENHOR, e viu, e ouviu a sua palavra? Quem esteve atento à sua palavra, e ouviu?
Eis que saiu com indignação a tempestade do SENHOR; e uma tempestade penosa cairá cruelmente sobre a cabeça dos ímpios.
Não se desviará a ira do SENHOR, até que execute e cumpra os desígnios do seu coração; nos últimos dias entendereis isso claramente.
Não mandei esses profetas, contudo eles foram correndo; não lhes falei, contudo eles profetizaram.
Mas, se estivessem estado no meu conselho, então teriam feito o meu povo ouvir as minhas palavras, e o teriam feito voltar do seu mau caminho, e da maldade das suas ações.
Porventura sou eu Deus de perto, diz o SENHOR, e não também Deus de longe?
Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o SENHOR. Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o SENHOR.
Tenho ouvido o que dizem aqueles profetas, profetizando mentiras em meu nome, dizendo: Sonhei, sonhei.
Até quando sucederá isso no coração dos profetas que profetizam mentiras, e que só profetizam do engano do seu coração?
Os quais cuidam fazer com que o meu povo se esqueça do meu nome pelos seus sonhos que cada um conta ao seu próximo, assim como seus pais se esqueceram do meu nome por causa de Baal.
O profeta que tem um sonho conte o sonho; e aquele que tem a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o SENHOR.
Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o SENHOR, e como um martelo que esmiuça a pedra?
Portanto, eis que eu sou contra os profetas, diz o SENHOR, que furtam as minhas palavras, cada um ao seu próximo.
Eis que eu sou contra os profetas, diz o SENHOR, que usam de sua própria linguagem, e dizem: Ele disse.
Eis que eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos, diz o SENHOR, e os contam, e fazem errar o meu povo com as suas mentiras e com as suas leviandades; pois eu não os enviei, nem lhes dei ordem; e não trouxeram proveito algum a este povo, diz o SENHOR.
Quando, pois, te perguntar este povo, ou qualquer profeta, ou sacerdote, dizendo: Qual é o peso do SENHOR? Então lhe dirás: Este é o peso: Que vos deixarei, diz o SENHOR.
E, quanto ao profeta, e ao sacerdote, e ao povo, que disser: Peso do SENHOR, eu castigarei o tal homem e a sua casa.
Assim direis, cada um ao seu próximo, e cada um ao seu irmão: Que respondeu o SENHOR? e que falou o SENHOR?
Mas nunca mais vos lembrareis do peso do SENHOR; porque a cada um lhe servirá de peso a sua própria palavra; pois torceis as palavras do Deus vivo, do SENHOR dos Exércitos, o nosso Deus.
Assim dirás ao profeta: Que te respondeu o SENHOR, e que falou o SENHOR?
Infelizmente vemos hoje isso no meio da Igreja: profetas autônomos, sem vínculos efetivos com o Corpo, colocando-se à disposição de “consulentes” que andam à procura de palavras que lhes agradem, falando do que vai no seu próprio coração, sem terem suas palavras julgadas pelos outros ministérios e sem estarem submisso à ordenação estabelecida pelo Senhor na Sua Casa.
Toda profecia deve ser julgada, examinada sob a luz da Palavra escrita e submetida aos demais ministérios e dons do Corpo. O profeta que resiste a isso não deve ser considerado como uma pessoa de Deus.
É preciso muito cuidado com profecias que se auto realizam. Por vezes, em alguns ambientes, as próprias pessoas envolvidas tratam de dar cumprimento à profecia, acreditando que se agirem de outra forma estarão em desobediência a uma “palavra de Deus”. Por meio desse tipo de manipulação, pessoas se casam, tomam decisões, ficam à espera de “promessas” etc.
Outra confusão enorme vem de um ensino e uma prática absolutamente estranhos às Escrituras, mas tornados populares em muitos meios cristãos: a “confissão positiva”, o “declarar”, o “determinar”, o “dar ordens no mundo espiritual”. Nada disso tem a ver com profecia e se fundamenta numa concepção equivocada de fé, associada a sugestão psicológica, poder da mente, neurolinguística e coisas afins. A palavra do homem não tem poder para produzir o que ela veicula, apenas a Palavra de Deus é capaz de criar.
A Igreja vive hoje uma profunda crise profética não por ausência de profetas, mas por excesso de pessoas que assim se intitulam e propalam, em nome do Senhor, todas as fantasias e loucuras de seus corações. A levar a sério o que se ouve, Deus constantemente muda de idéia, erra previsões, não conhece as Escrituras, se contradiz...
Há profetas verdadeiros nesta geração, mas parece que eles ou estão escondidos nas cavernas ou clamam no deserto. Falam a seus grupos particulares ou têm suas vozes abafadas pelo alarido dos modernos profetas eletrônicos, pelos marqueteiros da fé.
Cuidado irmãos. Uma doença perigosíssima para a Igreja nestes últimos dias é a “coceira no ouvido”, a tentação de buscar ouvir apenas o que nos agrada.
Como nos dias de Isaías, hoje novamente muita gente do Povo de Deus pede e obtém dos “profetas” que lhes digam “coisas aprazíveis”, que lhes “profetizem ilusões”, que não lhes falem mais do “Santo de Israel” (Isaías 30).
Agora isso ficou ainda mais fácil: é só mudar de congregação, ou de canal de TV ou procurar na rede mundial a mensagem que mais lhe agradar.
A profecia na Igreja está sempre comprometida com a vida do Corpo, de seus membros, com o propósito eterno de Deus.
Precisamos orar para que o Senhor torne esse dom abundante no nosso meio.
Fernando Sabóia Vieira
Fortaleza-Brasília, fevereiro-março de 2011, aD.
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