MISERICÓDIA
Thomas Merton
Quão
mais perto Deus está de nós quando reconhecemos nossa vileza e lançamos sobre
Ele todo o nosso cuidado! Contra todas as expectativas humanas, ele nos
sustenta quando precisamos ser sustentados e nos ajuda a fazer o que parecia
impossível. Apendemos a conhecê-lO, agora não na “presença” que se encontra em
considerações abstratas, a “presença” em que O revestimos com nossas próprias
fantasias, mas no vazio de uma esperança que pode se aproximar do desespero. Pois
a perfeita esperança é alcançada no limiar do desespero, quando, ao invés de
cair no abismo, nos descobrimos andando no ar. A esperança está sempre na
iminência de se tornar desespero, mas nunca o faz, pois no momento da suprema
crise o poder de Deus é subitamente tornado perfeito na nossa debilidade.
Então, aprendemos a esperar na Sua misericórdia tão mais calmamente quanto
maior for o perigo, a procurá-lO tranquilamente diante da ameaça, certos de que
Ele não pode nos faltar, ainda que sejamos abandonados pelos justos e
rejeitados por aqueles que alegam deter a evidência do Seu amor.
Cum vero infirmor, tunc potens sum. “Quando
sou fraco, então é que sou forte (2a aos Coríntios 12:10).
Nossas
fraquezas abriram os Ceús para nós porque elas trouxeram até nós a misericórdia
de Deus e nos atraíram o Seu amor. Nossa infelicidade é a semente de toda a
nossa alegria.
...
O
conceito cristão de misericórdia é, assim, a chave para a transformação de todo
um universo onde o pecado ainda parece reinar. Pois o cristão não escapa do
mal, não está dispensado do sofrimento e não está livre da influência e dos
efeitos do pecado: ele não está isento de pecar. Infelizmente, ele também pode
pecar. No entanto, sua vocação é livrar o mundo inteiro do pecado e transformá-lo
em Deus: por meio da oração, da penitência, da caridade e, acima de tudo, da
misericórdia. Deus, que é todo santo, não apenas teve misericórdia de nós, mas
Ele entregou Sua misericórdia nas mãos de potenciais pecadores para que eles
possam escolher entre o bem e o mal, e possam vencer o mal como bem e obter misericórdia
para suas próprias almas tendo misericórdia dos outros.
Deus
deixou o pecado no mundo para que pudesse haver perdão: não apenas o perdão
secreto pelo qual Ele mesmo purifica nossas almas, mas o perdão manifestado
pelo qual nós temos misericórdia uns dos outros e, dessa forma, damos expressão
ao fato de que Ele vive, por Sua misericórdia, nos nossos corações.
De “Homem algum é uma ilha”.
Tradução de Fernando Saboia Vieira.
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