INTENÇÃO PURA
Thomas Merton
Se Deus fosse apenas mais um ser
contingente, como eu mesmo sou, então fazer Sua vontade seria tão fútil quanto
fazer a minha própria. Nossa felicidade consiste em fazer a vontade de Deus. Mas
a essência dessa felicidade não reside numa mera concordância de vontades. Ela consiste
numa união com Deus. E a união de vontades que nos faz feliz em Deus precisa
ser, em última instância, algo mais profundo do que um simples acordo de
vontades.
Primeiramente,
não sejamos apressados demais em nossas afirmações sobre a vontade de Deus. A vontade
de Deus é um profundo e santo mistério, e o fato de vivermos nossas vidas
cotidianas mergulhados nesse mistério não nos deve levar a subestimar sua
santidade. Nós habitamos na vontade de Deus como em um santuário. Sua vontade é
a nuvem escura que cerca Sua Presença imediata. É o mistério no qual Sua vida
divina e nossa vida criada se tornam “um espírito”, uma vez que, como afirma S.
Paulo, "Aqueles que se unem ao Senhor são um só espírito" (1a aos
Coríntios 6:17).
Há
homens religiosos que se tornaram tão familiarizados com o conceito de vontade
de Deus que sua familiaridade fez surgir neles um aparente desprezo. Fez com
que eles se esquecessem de que a vontade de Deus é mais do que um conceito. Ela
é uma terrível e transcendente realidade, um poder secreto que nos é concedido,
momento após momento, para ser a vida da nossa vida e a alma da vida de nossa própria
alma. É a chama viva do próprio Espírito de Deus, em Quem a chama de nossa própria
vida pode se mover, se assim quiser, como um anjo misterioso.
A
vontade de Deus não é uma abstração, uma máquina, nem um sistema esotérico. Ela
é uma realidade concreta na vida dos homens, e nossa alma foi criada para arder
como chama dentro de Sua chama. A vontade de Deus não é um centro estático
atraindo cegamente nossas almas em sua direção. Ela é um poder criativo a
trabalhar em todo tempo e lugar, dando vida, ser e direção a todas as coisas e,
acima de tudo, formando e criando um novo mundo que é chamado de Reino de Deus.
O que nós chamamos de “vontade de Deus” é o movimento do Seu amor e sabedoria,
ordenando e governando todos os agentes livres e necessários, movendo motores,
causando causas, conduzindo condutores e regendo os que que regem, de modo que
até os que resistem a Ele realizam a Sua vontade, mesmo sem perceber que o estão
fazendo. Em todos os Seus atos Deus ordena todas as coisas, boas ou más, para o
bem daqueles que O conhecem e O procuram e se esforçam para trazer sua própria
liberdade em obediência ao divino propósito d’Ele. Tudo o que é feito pela
vontade de Deus em secreto é feito para Sua glória e para o bem daqueles com os
quais Ele escolheu compartilhar Sua glória.
Thomas
Merton, “Homem Algum é uma Ilha”, Cap. IV, “Intenção Pura”.
Tradução:
Fernando Saboia Vieira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário