sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Canções de Inverno


 
Canções de inverno
 
I
 
A misericórdia do Senhor é como uma chuva
Repentina nesta permanente seca
Que domina minha alma
Uma dádiva sem data e sem propósito
Num dia de perturbação e de silêncio
 
Se eu pudesse apenas fecharia os olhos
E deixaria esta tarde fresca e tranquila
- como um Noturno de Chopin -
Resolver todas as coisas essenciais:
 
O ar, a vida criando e recriando a vida
A terra, a vontade de encontrar, de compartilhar
O fogo, uma canção comovente, alegre e pungente
A água, a esperança do sol na contemplação da lua
 
II
 
Digo adeus aos meus silenciosos
E eloquentes amigos de papel
Companheiros de infância,
Amigos (raros) da minha adolescência
Introspectiva e solitária
 
 
Alguns cheguei a conhecer intimamente
De capa a capa, cada palavra
E fazem parte do que eu sou
Transcritos nas páginas da alma
Com as tintas das alegrias e medos
Das mágoas e sonhos
 
Outros, apenas folheados, eram visitas
Breves, mais prometidas do que cumpridas
Na rotina obscurantista da vida
 
 Marcamos um possível reencontro
Num eventual tempo
Em lugar indeterminado...
Mas amigos sempre estão presentes
No diálogo incessante da saudade
 
III
 
Vou seguir na jornada do encontro
Em busca da voz que me chama
Levando perdas e partidas
O coração aquecido na chama
Da lembrança de onde nunca estive
 
Espera-me o que me vê e sabe
Sabe porque sempre esteve presente
Na distância imensa
Na agonia intensa
Desse caminho doloroso de tão belo
 
IV
 
Como já está um pouco
tarde
serei apenas eu mesmo
e tratarei de suportar
com divina paciência
essa chatice
de me prever o tempo todo.
 
Ser
humano
às vezes me dá preguiça.
 
Agora espero tranqüilamente
ser
alado.
 
Fernando Sabóia,
De “Meu Caminho Coberto de Flores de Ipê Roxo”, 2011, ainda inédito.

 

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