domingo, 7 de maio de 2023

                                                         “Eu vou ser fantástica”

 

“à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou” (Gên. 1:27)

“Pois somos feitura (poema) dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef. 2:10)

 

 

 

         Caros companheiros e companheiras de jornada,

 

 

         Li esses dias uma postagem sobre uma menininha de quatro anos que, ao ser perguntada sobre o que ela iria ser quando crescesse, respondeu: “eu vou ser fantástica”.

         Após me divertir com a resposta fofa, espirituosa e surpreendente, parecida com as da minha netinha, também de quatro anos, fiquei meditando no que está envolvido nessa expressão, na visão de si mesma e do mundo que essa criança está recebendo do ambiente em volta dela.

         O fato é que, em um sentido muito real, existencial e verdadeiro, a grande maioria de nós não é nem será uma pessoa “fantástica”. Em quase todos os aspectos da vida, nós somos e seremos pessoas normais, não muito diferentes das que nos cercam em nosso círculo de convivência

Isso nos coloca, como pais cristãos e discípulos de Jesus, encarregados de transmitirmos o Evangelho do Senhor para a próxima geração, diante de um paradoxo.

         Por um lado, precisamos preparar nossas crianças para serem as pessoas maravilhosas e “fantásticas” que elas foram criadas por Deus para serem e formá-las para viverem a vida plena e excepcional para a qual o Pai as chamou, segundo o Seu propósito.

         No entanto, por outro, precisamos preparar nossas crianças para serem as pessoas normais que elas foram também criadas para serem e formá-las para viverem a vida comum que elas têm à sua frente, na geração e nas circunstâncias em que Deus as trouxe à existência.

         Nem todos, ou mesmo muito poucos, serão excepcionalmente bonitos, ou inteligentes, ou criativos, ou bem-sucedidos materialmente, ou realizados em suas aspirações e sonhos, ou de qualquer modo destacados acima da média das demais pessoas. Mas isso não é de modo nenhum necessário para ser uma pessoa “fantástica” e viver uma vida plena de significado, de sentido e de felicidade. 

Em verdade é quase o oposto. Aqueles que atingem esses graus mais elevados de sucesso e de reconhecimento lidam, como cristãs, com dificuldades bem específicas quanto a viver alguns aspectos importantes do Evangelho.

         Devemos contribuir para que nossas crianças tenham uma visão equilibrada de si mesmas e da vida que está adiante delas, nem elevada demais, que lhes estimule a vaidade e o egocentrismo, nem baixa demais, que as impeça de buscar e alcançar toda a plenitude de suas capacidades e da vida que o Senhor tem para elas. Um outro desses caminhos terminará, fatalmente, em frustração e decepção.

         O fato de serem crianças aceitas e amadas incondicionalmente por Deus, por seus pais e pelas pessoas próximas a elas não deve levá-las a ter a expectativa de que merecem ser e que serão tratadas da mesma maneira por todos.

         Uma visão distorcida sobre si mesmo pode facilmente levar à frustação, à tristeza e à ansiedade, diante da realidade pessoal e das circunstâncias concretas, assim como pode induzir e estimular a busca de alvos falsos, a construção de vidas artificiais e o envolvimento em relacionamentos não saudáveis em que esse desejo de reconhecimento e admiração é, aparentemente, satisfeito.

         Todo ser humano foi criado para ser a mais fantástica das criaturas, expressando a imagem gloriosa, bela e perfeita, do Pai Celeste, e para viver a mais fantástica das vidas, plena, significativa e eterna, de acordo com o propósito de Deus.

         Mas, igualmente, todo ser humano foi criado para vivenciar o caminho da humildade, do esvaziamento pessoal, da renúncia a si mesmo, do tomar a cruz, do amar mais a Deus e aos outros do que a si mesmo e, assim, expressar a imagem gloriosa, bela e perfeita do Pai Celeste e viver a mais fantástica das vidas, plena, significativa e eterna, de acordo com o propósito de Deus.

         Assim, devemos levar nossas crianças a desenvolverem suas virtudes e potencialidades, concedidas pelo Criador, para, em suas vidas, expressarem Sua sabedoria, beleza e glória. Estimulá-las a superarem as limitações da sua natureza decaída pelo pecado e as dificuldades deste mundo igualmente marcado pelo egoísmo e desespero dos homens sem Deus. É necessário que elas aprendam a valorizar as pessoas eternas que elas são e tudo o que de eterno elas podem realizar em suas vidas.

         De outra parte, devem também aprender a aceitar suas limitações pessoais instransponíveis, bem como as circunstâncias de vida que fogem ao seu controle, reconhecendo, aceitando e vivendo com fé e esperança as circunstâncias em Deus as chamou à existência e a vida que Ele lhes permite viver.

 

         A ideia tão própria da mentalidade humanista deste século, assumida e disseminada de todas as maneiras como um valor auto evidente e libertador, de que você pode ser e ter tudo o que quiser e sonhar, a depender apenas de você mesmo, de sua capacidade de ter alvos, traçar estratégias e disciplinar-se a executá-las, é extremamente perigosa, tanto pelo que ela tem de verdadeiro quanto pelo que tem de falso.

         É certo que nós, seres humanos, somos capazes de feitos extraordinários e que temos grande potencial para conceber e realizar projetos. É, no entanto, falso que qualquer um possa fazer qualquer coisa, especialmente por si mesmo, sem ajuda e dependência dos outros.

         É certo que precisamos nos comprometer com propósitos de vida e nos esforçarmos por alcançá-los, superando nossas limitações e as dificuldades das nossas circunstâncias, mas é falso que projetos e sonhos nascidos do nosso coração para nossa satisfação pessoal possam nos tornar pessoas plenas e realizadas.

         Um último pensamento acerca desse tema tem a ver com a formação das crianças e jovens como cristãos. Também aqui é necessário buscar discernimento e moderação, para não os levar à ideia de que são ou devem ser discípulos extraordinários, “fantásticos”, acima dos demais.

É mais coerente e coopera melhor com o propósito de Deus que se vejam como pessoas que buscam uma vida espiritual dentro da normalidade do Evangelho, enfrentando suas limitações e circunstâncias e recebendo do Senhor a graça e o poder para serem transformados e para viverem segundo Seu propósito.

 

         Caros companheiros e companheiras de jornada, esta é, naturalmente, uma reflexão aberta a considerações e ponderações. No entanto, todos os que temos de algum modo acesso a crianças, a jovens e a pessoas em formação temos uma responsabilidade em ajudá-las a se conhecerem em Deus e a encontrarem em Sua Pessoa santa, infinita, amorosa e eterna, identidade, aceitação, amor, significado e propósitos para si mesmos, para as pessoas à sua volta, e para a vida que foram chamadas a viver.

 

Eu, de minha parte, quando o Senhor concluir Sua obra em mim, também “vou ser fantástico”.

 

         Seu conservo e companheiro de jornada,

 

         Fernando Saboia Vieira

         Brasília, em 6 de maio de 2023, AD