Brasília, em 20 de janeiro de 2023.
Caros irmãos e irmãs, companheiros de jornada,
Ao longo dos muitos anos em que acompanho a vida política do nosso país, como cristão, como profissional e como acadêmico, testemunhei, em muitos momentos, o lamentável e indigno cenário de pessoas simples, crédulas, carentes e vulneráveis serem utilizadas como massa de manobra por líderes inescrupulosos para seus próprios fins de poder. Propaganda, doutrinação, instigação, pressão psicológica, todo tipo de manipulação tem sido utilizado para promover movimentos, ideologias e confrontos, cujos propósitos, em geral, não são declarados explicitamente por quem os engendra e instiga.
Essa sempre foi uma estratégia característica da esquerda socialista ao longo da história moderna, mas, nos últimos anos, passou também a ser utilizada por segmentos da chamada direita conservadora.
Radicalização, doutrinação, fanatização. Apelo à fé, a valores morais, à emoção, ao senso de justiça humana e mesmo ao patriotismo. Argumentos do medo, da conspiração, do temor. Uso de pessoas e de grupos sociais para promover movimentos e ações, até mesmo violentas, instigados, manipulados e convocados por meio de propaganda e mídias sociais.
Muitos atenderam a esses chamados sem clara consciência de suas implicações e propósitos, crendo em líderes que, muitas vezes, permaneciam ocultos em codinomes, perfis e contas digitais, ou protegidos por dinheiro ou mandatos políticos.
O ápice dessa estratégia da direita foram os lamentáveis e deploráveis acontecimentos do último dia 8 de janeiro, em Brasília, sem entrar aqui na questão de quem promoveu a violência. Muitas pessoas estavam ali incautamente, instigadas por seus líderes, alimentadas por falsas esperanças, fundadas em boatos e informações de origem nebulosas. Acabaram envolvidas em atos criminosos e sofrerão as consequências disso. E com uma grande frustração e decepção.
Infelizmente, não poucos pastores e líderes cristãos estão entre esses que cooperaram com tal desfecho e são diretamente responsáveis pela sorte desses irmãos e irmãs que participaram desses movimentos, sob sua direção, orientação, complacência, apoio e respaldo, explícito ou implícito.
E se omitirem agora dessa responsabilidade seria acrescentar a tudo isso a pecha da covardia ou da hipocrisia. Os que agiram assim por convicção, assumam. Os que agiram enganados, se retratem. Acima de tudo, socorram e pastoreiem os feridos.
Politizaram e ideologizaram o Evangelho, contaminaram o Reino com negócios mundanos, radicalizaram e fanatizaram o povo, participaram de redes sociais que divulgavam falsas informações e fúteis esperanças, levaram irmãos e irmãs a situações de risco pessoal, a confiarem em um líder incrédulo e a colocarem sua expectativa na força das armas vindas dos quarteis, e não no poder do Senhor dos Exércitos!
Enquanto isso permaneceram, esses pastores e líderes, em sua maioria, bem protegidos em suas casas e escondidos em redes sociais. Fala aqui agora um filho de militar: não se manda a tropa para a guerra sem se colocar pessoalmente à frente dela. E não é essa a biografia dos mártires da Igreja, tão citados ultimamente.
Sinceramente, não pensei que viveria para ver a Igreja de Jesus sob tamanho engano quanto aos caminhos e métodos do presente século, aliás de toda história humana! Não apenas o propósito de Deus é santo, também são santos e retos os Seus caminhos. “A ira do homem não produz a justiça de Deus”. Uso de forças materias, das armas, do dinheiro ou da revolta não honra nem glorifica o Senhor.
Escrevo com indignação e veemência, mas penso estar sendo essencialmente justo quanto aos fatos. Não posso, e nem é o meu propósito, apontar publicamente nomes ou fazer acusações. Afinal, quem sou eu para “julgar os servos alheios?”
No entanto, é tempo de se falar com clareza. Não pretendo, de forma alguma, ser dono da verdade, nem como cristão, nem como acadêmico. Apenas preciso dar conta das ovelhas de Jesus que me foram confiadas, e fazer isso com temor e boa consciência.
No mais, na misericórdia e graça de Jesus, suplico que me suportem e me ajudem nas minhas debilidades. Peço isso sinceramente, com dolorosa clareza delas, nesta idade em que estou, na qual não se pode mais ter ilusões sobre si mesmo!
Que a suficiente graça de Jesus seja com o espírito de cada um de vocês.
Seu conservo,
Fernando Saboia Vieira