Uma revelação pessoal
Fui provocado a pensar sobre algo que eu gostaria de ter entendido mais profundamente no início da caminhada com Deus. De maneira geral, o que eu acho que eu gostaria de ter aprendido logo é a não simplesmente repetir conceitos ou ensinos, mas buscar entendê-los verdadeiramente.
Embora isso possa se aplicar a muitos ensinos que recebemos ao longo da nossa caminhada, especialmente durante a fundamentação, um dos que mais fez diferença na minha vida foi entender o propósito eterno de Deus.
Desde criança fui ensinado (como muitos em nosso meio) que o propósito eterno de Deus é ter uma família de muitos filhos semelhantes a Jesus.
Longe de mim querer refutar essa frase. Hoje acredito, de fato, que ela é verdade, embora não expresse, certamente, a totalidade do mistério do propósito do Criador. Porém, durante muitos anos de caminhada (lá se vão mais de 18 anos), eu a repeti sem tê-la compreendido em meu coração.
Houve uma época em que entrei em um parafuso na minha mente quando pensava sobre o propósito de Deus. A resposta que eu tinha decorado não satisfazia a pergunta que estava no meu coração. Para que eu fui criado? Eu tinha aprendido que Deus queria uma família, que eu fazia parte dessa família, e que minha tarefa era alcançar mais pessoas para essa família. Eu sabia explicar para alguém (razoavelmente) o pecado original, a necessidade de redenção e a obra de Jesus na cruz.
Mas, no final, quando eu ia efetivamente chamar alguém para fazer parte da minha família, ficava uma lacuna. Eu não sabia dizer, claramente, qual era o propósito dessa família. Acabava, por vezes, chamando a pessoa a vir ser apenas mais uma nessa missão de chamar ainda mais pessoas. Eu estava fazendo uma espécie de esquema de pirâmide da salvação.
Apesar de saber que o propósito de Deus era mais que apenas salvar o homem, na prática, eu não sabia qual era o propósito de Deus.
Pior que isso: como eu não havia entendido o propósito, eu ainda não amava o propósito de Deus. Eu apenas tentava cumpri-lo de algum modo.
Sabemos que o propósito de Deus não é apenas salvar o ser humano. Ele já tinha um propósito para Sua criação antes da queda. A Palavra diz que o Senhor criou o homem à Sua imagem e semelhança (Gn 1:26). Mas, com o pecado, ele se tornou inútil para Deus (Rm 3:12).
Se o homem se tornou inútil, é porque antes ele era útil para alguma coisa. Havia algo no coração do Pai ao gerar filhos à Sua própria imagem e semelhança. E a obra redentora da cruz foi o meio pelo qual Ele resgatou, desde a eternidade, o Seu propósito para o homem.
Sobre isso, o Espírito me levou a uma reflexão esses dias: Deus não precisava da humanidade. Ele é perfeito e completo em si mesmo. A princípio, a criação jamais poderia oferecer alguma utilidade ao Criador, já que Ele é a própria plenitude.
Enquanto meditava sobre isso, o Espírito Santo me preencheu de uma revelação maravilhosa: Deus não precisa de mim, mas Ele me QUER.
Livre e espontaneamente, Ele quer cada um de nós. Ele não precisa de companhia ou afago, tampouco de soldados para vencer uma batalha. Mas, por alguma razão misteriosamente maravilhosa escondida em Seu coração, Ele QUIS nos criar e nos amar.
No nosso plano terreno, mesmo as formas mais "puras" de amor podem, muitas vezes, esconder uma finalidade frívola ou egoísta. Uma pessoa pode pensar em se casar para suprir sua carência afetiva ou sexual. Um casal pode pensar em ter filhos para realizar um sonho de se verem na sua descendência, ou até para dar um novo sentido à vida. Alguém pode pensar em adotar um animal de estimação para lhe servir de companhia e conforto emocional.
De todo modo, ainda que não haja uma motivação conscientemente egoísta, nós sempre PRECISAMOS de algo ou alguém para nos suprir.
Mas o Senhor, ao nos criar, não precisava de nada. Ele não estava entediado ou carente. Ele não necessitava de soldados para uma luta contra o mal.
Quando penso nisso, me sobrevém um grande constrangimento. Eu não tenho nada a oferecer a esse Ser Todo-Poderoso. Mas, ainda assim, Ele me criou e me amou. Desde a eternidade, Ele julgou que valia a pena dar a Sua própria vida por mim. Uma parte do Seu próprio Ser se humilhou e se tornou criatura como eu, frágil e inútil, para que eu pudesse ter vida juntamente com Ele.
Toda essa demonstração de amor não tinha finalidade a não ser o Seu próprio amor. Eu não precisava existir, mas Ele QUIS que eu existisse, justamente para participar e desfrutar desse amor incompreensível. Que verdade maravilhosa! Que graça sem medida!
Quando cheguei a essa conclusão, finalmente comecei a entender, ainda que imperfeitamente, o mistério de que Paulo fala na carta aos Efésios:
Ele nos revelou o mistério da sua vontade, segundo o seu propósito, que ele apresentou em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra. Em Cristo fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo. (Ef 1:9-12, NAA)
Se a criação é fruto desse amor incompreensível e absolutamente altruísta (doador, abnegado), realmente não pode haver outra finalidade para nossa existência, a não ser adorar o Criador e, por meio Dele mesmo, "sermos para louvor da Sua glória".
Jesus, o Verbo Eterno, agente de toda criação, espontaneamente se humilhou e se entregou por nós (Jo 10:18), a fim de fazer convergir Nele todas as coisas. Ele é o centro de tudo, pelo qual vivemos, nos movemos e existimos (At 17:28). Nele tudo subsiste (Cl 1:17). Porque Dele, por meio Dele, e para Ele são todas as coisas – a Ele, pois, a glória eternamente (Rm 11:36).
Não há outro caminho senão adorá-Lo. Nosso espírito anseia por isso. Amá-Lo e por Ele ser amado é o que confere sentido à existência. Ao contemplá-Lo, ainda que sem compreender, encontramos o propósito para o qual fomos criados. Estar com Ele é a única coisa que nos sacia verdadeiramente.
Foi aí que percebi que eu não entendia a resposta daquela pergunta inicial (“Para que eu fui criado?”) porque eu estava fazendo a pergunta errada. A pergunta a ser feita é: para QUEM eu fui criado?
Quando o Espírito me revelou isso, ser um com Ele passou a ser o maior desejo do meu coração, porque finalmente encontrei Aquele para QUEM eu fui criado. Queridos, em última análise, não fomos criados para alguma coisa, mas para ELE. Não fomos criados para fazer nada, mas para estarmos NELE.
E a maneira que Ele elegeu para sermos um com Ele – para que sejamos "para louvor da Sua glória" – foi por meio de uma família. O Pai quis, desde a eternidade, que Cristo fosse o primogênito entre muitos irmãos semelhantes a Ele (Rm 8:29).
Assim, resgatados pelo sangue do Cordeiro, podemos fazer parte dessa família. Podemos nos relacionar livremente com Aquele para quem fomos criados, e podemos vê-Lo em cada um de nossos irmãos. Somos o próprio corpo de Cristo, que, no dia eterno, se unirá com Ele nos ares, e então estaremos para sempre com o Senhor (1Ts 4:17).
Essa é a esperança que deve nos preencher e nos mover. Essa revelação, íntima e pessoal, é o que me leva a compartilhar a verdade do Evangelho, a fim de que todos possam experimentar desse amor. O amor do Pai é um fim em si mesmo.
Como disse Paulo, depois de conhecer esse amor, passo a considerar tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Jesus; desejo perder tudo, para ganhar a Cristo e ser achado NELE. O que eu quero é conhecê-Lo e o poder da sua ressurreição, tomar parte nos seus sofrimentos e me tornar como ele na sua morte, para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos (Fp 3:8-11). Conhecer a Cristo já é a própria vida eterna (Jo 17:3). Quanto mais O conheço, mais O adoro, e mais o meu espírito anseia por agradá-Lo.
Nesse caminho, aprendo a desejar os Seus desejos, aprendo a enxergá-Lo e ouvi-Lo em cada um dos meus irmãos, e vou sendo transformado, segundo a Sua vontade, a fim de ser santo e irrepreensível perante Ele (Ef 1:4).
Atraído por esse amor e transformado por Ele e para Ele, poderei participar, efetivamente, dessa grande família, a fim de cooperar com o maravilhoso propósito eterno do Pai, até que “todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus” (Ef 4:13).
Que o Senhor nos preencha da revelação do Seu propósito eterno, para que, cheios de alegria e gratidão, possamos dividir essa boa nova maravilhosa com todos quantos Ele desejar alcançar.
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Ó Senhor, não tenho palavras para descrever a imensidão do Teu amor, e o quanto isso me constrange. Não consigo compreendê-Lo, mas hoje, graças ao Teu Espírito em mim, posso amá-Lo. E isso porque o Senhor mesmo quis. Eu Te louvo e me entrego a Ti continuamente.
Quero ser Teu, Senhor, também livre e espontaneamente. Assim como Tu me queres, sem nada em troca, eu quero a Ti, doçura da minha alma, sem nada em troca, a não ser a Ti mesmo. Ao contrário de mim, em quem não existe nada a oferecer, em Ti há a plenitude pela qual minha alma anseia, mesmo sem compreender.
Jamais poderei Te amar como Tu me amas - pois PRECISO de Ti - mas desejo aprender a Te querer tão livremente quanto me for possível na condição de criatura. O meu amor por Ti só pode vir de Ti mesmo, e essa é a razão da minha profunda gratidão.
Perdoa-me as inúmeras iniquidades. Mesmo depois de tamanha revelação do Teu amor, continuo a desagradar Teu coração e a procurar, tantas vezes, o meu próprio interesse. Tem misericórdia de mim, Senhor! Achego-me aos pés do Teu trono de graça e me prostro. Completa a Tua obra em mim, para eu possa, pelo Teu próprio amor, alcançar a Tua presença eternamente.
Amém.
Brasília, fevereiro de 2022.
Luís Fernando Sabóia.