quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Igreja, Brasil, Setembro 2021

 

(Fernando Saboia – isn/bsb/agosto/2021 AD

 

 

Queridos irmãos e irmãs, companheiros de jornada,

 

A humanidade tem enfrentado, nos últimos anos,desafios de dimensões inéditas na nossa história. A pandemia provocada pelo corona vírus, além de ser um imenso problema por si mesmaem razão de sua amplitude e pelas dificuldades técnicas e científicas envolvidas, colocou ainda em realce e agravou outras questões globais, como a economia, a ecologia, a fome, as guerras, a violência, as desigualdades, os conflitos ideológicos e as disputas por riqueza e poder, além da profunda crise de valores da modernidade.

No Brasil, a tudo isso se acrescenta um nível de tensão social e política como aqui não se via desde a redemocratização do País em 1988. 

Muitas vozes conflituosas se fazem ouvir, muitos conceitos, ideias, propagandas ideológicas, maledicências, mentiras, difamações, incitamentos ao ódio e à violência reverberam e se digladiam, com tons e expressões cada vez mais exacerbados, movidos por interesses e paixões nem sempre expressos com clareza.

De outra parte, as manifestações dos que buscam entendimento, pacificação e solução de problemas por vias institucionais, não violentas, são abafadas pelo alarido dos radicalizados, e não são consideradas.

E tudo isso parece estar na iminência de transpor os limites dos debates, das propagandas e das estratégias deconvencimento, cooptação e aliciamento para se tornar um enfrentamento físico, agressivo, com uso de meios de força, no qual a grande maioria das vítimas certamente virá de uma multidão de pessoas manipuladas por interesses e astúcias de líderes inescrupulosos de todos os lados.

Preocupa-nos, sobremaneira, nesse contexto, como a Igreja de Jesus tem vivido e proclamado o Evangelho e como os cristãos têm se posicionado e se manifestado individual e coletivamente. 

Como temos sido vistos pela sociedade? O que as pessoas recebem de nós, filhos de Deus, como mensagem e testemunho? Somos apenas mais vozes exaltadas adisputar espaços e influências nos círculos de relacionamento e de poder, ora defendendo uma posição ora outra, alinhados com esse ou aquele grupo?

 

 

Pior ainda, estaremos a usar os mesmos argumentos e táticas de comunicação e a mobilizar os mesmos sentimentos de ira, indignação, vingança e violência? Respondemos afrontas com afrontas, maledicências com maledicências, força com força, espada com espada, violação das leis com violação das mesmas leis?

Infelizmente, temos visto o cristianismo nesses dias ser reduzido a um moralismo conservador e confundido com movimentos e interesses ideológicos, sociais, políticos e econômicos que, embora possam, eventualmente, defender e postular valores que nos são caros, como cristãos, por sua conformidade com caráter de Deus e com o Seu propósito para as pessoas, não são, em si mesmos, a essência do Evangelho de Jesus, e não carregam “o poder para a salvação” de todos os que ouvirem e crerem.

O receio ainda maior é o de que, embalados, influenciados e mesmo manipulados por esses movimentos, grupos e líderes, muitos cristãos estejam a ultrapassar os limites da denúncia profética do mal e da reivindicação legítima da justiça, para se envolverem em maledicências, iras, dissensões, revoltas, insurreições e afrontas às autoridades, fomentando conflitos e violências,e não promovendo a paz, a verdade e o Reino de Deus.Isso até mesmo dentro da Igreja, a dividir o próprio Corpo de Cristo.

Então, não se ouvirá, como já agora raramente se ouve, nos auditórios, conversas, redes sociais e meios de comunicação, a proclamação do Reino de Deus, o chamado ao arrependimento, o testemunho do amor do Pai e da graça de Jesus, manifestados como bondade, misericórdia e salvação eterna para todos os que O recebem.

Irmãos e irmãs queridos, devemos nos lembrar de que a essência de ser cristão é nossa união com Deus, como filhos, redimidos, regenerados e santificados em Jesus Cristo. Não se trata apenas de praticar virtudes ou promover valores, mas de sermos transformados em nossa própria natureza, nascidos de novo para uma vida santa, espiritual, eterna e celestial. Ser discípulo de Jesus é participar de Sua morte e ressurreição, é ingressar no Seu Reino, que é o Reino dos céus.

Vivemos uma geração de profunda secularização, onde o racionalismo, o materialismo, o egoísmo e a busca por consolo e conforto neste mundo são os consensos e inclinações absolutos. Em momentos de crise, em que a boa vida e a própria existência são colocadas em risco, há uma exacerbação de medos, temores e reações radicais,frutos da falta de esperança, o que se torna terreno fértil para soluções e lideranças messiânicas, demagógicas, extremadas.

 

 

É indispensável, nestes nossos dias, que a Igreja se volte para a dimensão espiritual e eterna de sua natureza, vida, existência e propósito, sob pena de comprometermos o Evangelho de Jesus, de confundirmos o Reino de Deus com o reino do mundo, de negarmos aos homens e mulheres de nossa geração a oportunidade de salvação e de nós mesmos sucumbirmos.

Parece-nos, imprescindível e urgente que a Igreja seja exortada a se voltar para sua vocação eterna e espiritual, enquanto prosseguimos nossa jornada, a servir e viver neste mundo até que o Senhor se manifeste e nós sejamos, então, manifestados juntamente com Ele.

Um aspecto que nos parece necessário destacar no atual contexto, pensando no testemunho que a Igreja deve dar à sua geração, diz respeito exatamente à forma como reagimos ao presente estado de coisas na sociedade e como nos manifestamos em relação a isso, em círculos reservados e públicos.

Vivemos tempos de ira e de indignação, de linguagem obscena, de maledicência, de mentirasmanifestadas de todas as formas, por todas os meios de comunicação.

Muitos podem considerar justas sua ira e indignação, e mesmo encontrar argumentos a favor de estratégias de comunicação pouco éticase às vezes nada cristãs, para alcançar objetivos nas lutas e embates desta vida, num tempo em que os conflitos se materializam como competições entre narrativas, e não como disputas em torno da verdade.

No entanto, o Senhor nos adverte seriamente quanto a essas disposições e atitudes distorcidas em suas motivações e manifestações, pois elas revelam uma condição imprópria de caráteruma compreensão limitada e carnal da vida e das circunstâncias, e uma ignorância sobre a dimensão espiritual da realidade que nos cerca.Principalmente, são uma negação de nossa identidade de filhos de Deus e da missão a que fomos chamados.

 

Alguns textos bíblicos podem nos advertir quanto a esses desvios de coração, de atitudes e de palavras.

 

Colossenses 3:5-7

 

“Agora, porém, despojai-vos, igualmente, de tudo isso: ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do vosso falar”

 

A nossa nova vida em Cristo é totalmente incompatível com os sentimentos de indignação e ira, tão naturais e frequentes na sociedade humana.

Em verdade, há tantas injustiças e opressões no mundo, tantas vezes o mal prevaleceque é inevitável que as pessoas de bem muitas vezes sintam indignação e mesmo ira, diante de situações moralmente absurdas.

No entanto, como cristãos, nós não temos expectativas de que esses conflitos tenham solução sem a manifestação do Senhor. O mundo dos homens viverá suas guerras e opressões e sofrerá com as vitórias aparentes do mal até que Ele venha.

Ao nos envolvermos com essas questões no plano terreno, não podemos perder a perspectiva eterna e espiritual e não podemos nos deixar contaminar o coração com as paixões da carne.

Nunca a humanidade dispôs de mais e melhores meios de comunicação e nunca ouve menos entendimento entre pessoas, grupos, povos e países. As modernas mídias têm sido muito mais canais de disseminação de maledicências, mentiras, ódios, falsidades, exposição de sentimentos exacerbados, ideias distorcidas, egoísmos e vaidades do que instrumentos de aproximação, entendimento e construção de relacionamentos e sociedades.

Com isso, estamos nos acostumando à maledicência e à linguagem torpe, obscena, imprópria, depreciativa, vulgar e frívola. Temos visto não poucas pessoas que se identificam como cristãs se manifestarem dessa maneira. Entretanto, claramente, esses são pecados que devemos abandonar.

 

Salmo 37:1-11

 

“Deixa a ira, abandona o furor. Não te impacientes. Isso vai acabar mal”

 

Davi descreve nesse Salmo uma situação frequente na história humana e bem representativa dos nossos dias. Os malfeitores prosperam em seus crimes, os maus têm êxito em suas empreitadas, os violentos conquistam a terra por meio da força.

Tudo isso gera indignação e inveja. Se considerarmos apenas a vida neste mundo e seus recursos, o que se teria a fazer seria reagir dando lugar à indignação, à ira e ao furor e combater o mal com força e violência, e fazer isso em nome da justiça, do bem e mesmo da paz!

Todavia, esse não é o caminho dos que confiam no Senhor. Esses perseveram em fazer o bem e em se alimentar da verdade. Buscam agradar a Deus e entregam a Ele a sua vida. Confiam que o mais Ele fará.

 

 

Os que assim confiam e esperam no Senhor descansam n’Ele, esperam n’Ele, não se irritam e não se impacientam. Deixam a ira e abandonam o furor, sabendo que tais sentimentos e atitudes nunca produzem nada de bom, ao contrário, necessariamente têm um fim desastroso.

O próprio Deus, ao tempo certo, se manifestará e dará cabo dos malfeitores. A terra, então, será a herança dos mansos, dos que esperam no Senhor, não o prêmio sangrento dos que lutam violentamente por ela.

Não custa lembrar as palavras exatas do Senhor Jesus, ao citar esse Salmo: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” (Matheus 5:5).

 

Tiago 1:10

 

“Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus”

 

A ira pode ser o combustível adequado para muitas conquistas nas lutas e embates nos reinos dos homens. Ela dá uma sensação de poder, alimenta a coragem, leva as pessoas a fazerem coisas que em seu estado normal não fariam. Ela pode, de fato, realizar grandes feitos, inclusive valorosos, do ponto de vista humano, produzindo de vitórias e mudanças na sociedade.

No entanto, a ira do homem não consegue produzir a justiça de Deus, tão diferentes são em sua essência e propósitos o governo do Senhor e os governos humanos.

A ira do homem, quando muito, produzirá a justiça do homem, sempre falha, enviesada, parcial, corrompida, limitada pela razão, contaminada pelas paixões.

Nós, discípulos, se queremos buscar o Reino e a justiça do Reino, devemos nos despojar da ira e nos submeter ao juízo e ao tempo de Deus.

 

Provérbios 24:21

 

“Teme ao Senhor e ao rei, e não te associes aos revoltosos”

 

Como cristãos, não podemos nos associar aos revoltosos, aos que disseminam ódios, iras e conflitos, aos que pregam e buscam a tomada do poder pela via da força e da desobediência.

Não podemos nos envolver nas disputas por influência e poder neste mundo mediante recursos não legais e pacíficos. Jesus recusou expressamente esse caminho na tentação no deserto.

Isso vale, evidentemente, para as redes sociais. 

 

Precisamos estar atentos aos nossos relacionamentos, comunicações, apoios e interações em grupos e movimentos. Se é necessário que participemos e tomemos posições em causas justas, na rejeição do mal e promoção do bem, cuidemos para que não sejamos envolvidos e enredados em rebeliões e insurreições contra as autoridades.

 

Tito 3:10

 

“Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez”

 

Facciosos são os que estimulam e promovem divisões, discórdias, discussões. Não buscam entendimento e aproximação, mas, sim, formar partidos, dividir. Esses devem ser notados e depois evitados.

Novamente, devemos nos alertar para o fato de que as redes sociais têm sido o instrumento mais comum de disseminação de facciosidade. É certo que as diferenças de opiniões e ideias podem e devem ser expressas, mas quando o intuito é apenas provocar confrontos e acirrar os sentimentos de ira e as discórdias, estamos diante de pessoas que devem ser evitadas, presencial ou virtualmente.

 

Gálatas 5:20

 

“iras, discórdias, dissensões, facções”

Essas são obras da carne, que se contrapõemtotalmente ao fruto do Espírito, que é amor, alegria, paz, benignidade, longanimidade, bondade, mansidão.

Se a sociedade dos homens as considera,eventualmente, virtudes é porque este mundo jaz no maligno, e se compraz com os métodos do Inimigo.

Como filhos de Deus e discípulos de Jesus buscamos expressar em nossas vidas o fruto do Espírito Santo que habita em nós, a nos regenerar, transformar e nos unir ao Pai.

 

Efésios 4:26, 29, 31

 

Ira. Palavra torpe. Cólera, ira, gritaria. Tudo isso deve ser abandonado para que possamos nos revestir do ser nova criatura.

Essas não são recomendações de boas maneiras, umcurso de etiqueta cristã ou parte do manual do evangelicamente correto. São virtudes do caráter dos filhos de Deus, daqueles cujas vidas estão em Cristo.

Colossenses 3:15

 

“seja a paz de Cristo o árbitro ... em um só corpo”

 

A paz é pessoal, mas não é individual. A paz é sempre relacional, transitiva. Paz com alguém, paz com as circunstâncias. A paz de Cristo é a paz com Deus e a paz do Corpo de Cristo. É a paz com as pessoas perante as quais temos o ministério da reconciliação. 

Jesus disse: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9).

No quanto depender de nós, devemos buscar ter paz com todas as pessoas (Heb 12:14; Rm 12:18).

Somos mais do que pacifistas, somos pacificadores: levamos em nós a paz de Cristo, a paz que Ele nos deixou. Ainda quando formos atacados e mesmo que tenhamos que nos envolver em conflitos e lutas por causa do Reino de Deus, vamos manter a paz e lembrar que nosso combate é espiritual, assim como nossas armas, e não contra as pessoas, com armas carnais (Ef 6:12; 2ª Cor 10:3-4).

Apenas podem lutar as guerras de Deus quem tem a paz de Cristo a reinar no coração. Caso contrário, estaremos, fatalmente, a levar para fora de nós, para os relacionamentos e circunstâncias, as nossas próprias guerras, e a combatermos, afinal de contas, por nós mesmos, por nossos interesses e propósitos.

Isaías 8:1 a 9:7

 

“Não andem pelo caminho deste povo”

 

Projetos, conflitos, conspirações, conjurações, medo, temor, ordens, governos. Lutas pelo poder, por riquezas, por conquistas. Inimigos poderosos à espreita, articulando e ameaçando. Caos social iminente.

Esse era o contexto histórico dessa profecia de Isaías. Um temível opressor estrangeiro se aproximando, reis adversários conspirando, divisões e facções no meio do povo.

Conselhos e propostas de todos os tipos. Os governantes desnorteados, a buscar soluções políticas, aliados de ocasião, recursos para enfrentar os inimigos e o caos.

Vacilam a coragem, os propósitos, a fé.

Nessas circunstâncias tão difíceis e dramáticas, aadvertência do Senhor, por meio do seu profeta, é clara e contundente:

 

“Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai. Seja ele o vosso temor, seja ele o vosso espanto”

“Ele vos será santuário”

“Resguarda o testemunho, sela a lei no coração dos meus discípulos”

“Não consultará o povo ao seu Deus?”

“À lei e ao testemunho! Se eles não falarem dessa maneira jamais verão a alva”

 

Queridos irmãos e irmãs, esse é um texto que deve merecer de nós uma meditação profunda nesses dias. Nele encontramos a disposição fundamental para enfrentar crises como a que vivemos: temer apenas a Deus, ter Ele como santuário, resguardar a palavra e o testemunho,fortalecer os discípulos, ter Sua vontade gravada no coração, consultar ao Senhor e depender d’Ele.

 

Não apenas esse é o único caminho para socorro esalvação, mas também aquele que encerra a promessa mais gloriosa:

 

“porque um menino nos nasceu ... o governo está sobre os seus ombros...”

 

Esse menino nasceu, tornou-se homem, viveu uma vida santa e perfeita, ofereceu-se na cruz como sacrifício pelos nossos pecados e foi exaltado por Deus como o Senhor dos Senhores. 

E Ele voltará.

Então, haverá abundância de justiça e paz, e a terra será a herança dos mansos que confiam e esperam no Senhor.

 

Queridos irmãos, e irmãs, companheiros de jornada, que a suficiente graça de Jesus seja com todos.

 

Seu conservo,

 

Fernando

 

 

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