Imagem e Semelhança
Thomas Merton
Mas quando Deus fez o homem Ele fez mais do que ordenar sua existência. Adão, que foi criado para ser o filho de Deus, o ajudador de Deus na tarefa de governar o mundo que Ele criara, foi misteriosamente formado por Deus, como nos diz frequentemente o Antigo Testamento, como um oleiro forma um vaso de barro. “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gênesis 2:7, ARA).
A vida de Adão, isto é, o “fôlego” que dava realidade, existência e movimento a toda a pessoa do homem, procedera misteriosamente da profundeza íntima da vida do próprio Deus. Adão não foi criado meramente como um animal vivo e movente que obedecia ao comando e vontade de Deus. Ele foi criado como um “filho” de Deus porque sua vida compartilhava algo do fôlego, ou Espírito, do próprio Deus. Pois “fôlego” é o mesmo que “espírito” (a palavra latina espírito está relacionada a spirare, respirar).
A criação de Adão não foi apenas uma concessão de vida, mas uma concessão de amor e sabedoria, de maneira que no exato momento em que passou a existir Adão foi, pela virtude dos dons sobrenaturais e prenaturais que acompanhavam todos os seus dons naturais, em algum sentido, “inspirado”. Se a expressão for permitida, a própria existência de Adão deveria ser um tipo de “inspiração”. Deus não pretendia apenas conservar e manter a existência corporal de Adão. Ele também estimularia e desenvolveria ainda mais direta e intimamente a vida e atividade espirituais que eram a razão principal para a existência de Adão.
Adão, desse modo, foi criado para desde o princípio viver e respirar em união com Deus, pois assim como a alma era a vida do corpo de Adão, deveria o Espírito Santo se movendo em Adão ser a vida de sua alma. Para Adão, viver significaria “ser inspirado” – a ver as coisas como Deus as vê, amá-las como Deus as ama, ser movido em tudo em êxtase pelo Espírito de Deus. Desse modo, para Adão, êxtase não era de modo algum uma interrupção violenta da rotina normal da vida. Não poderia haver violência ou alienação numa vida assim: no Paraíso, êxtase é normal.
Merton, Thomas. “The New Man”, Image and Likeness. Tradução de Fernando Saboia Vieira.